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sábado, 14 de novembro de 2020

Religião e Política nas Eleições – Ou: Como nossa imaginação religiosa influencia nossas escolhas políticas

Minha orientação religiosa secularista não é segredo para absolutamente ninguém. Sou um convicto defensor da estrita separação entre Igreja/religião e Estado. De igual maneira, defendo a estrita separação entre a religião e os palanques eleitorais, e considero a instrumentalização política da religião como algo inaceitável num Estado laico. Minha visão religiosa, entretanto, apesar de secularista – e, em minha própria compreensão, humanista –, não deixa de influenciar a forma como compreendo o mundo social e, consequentemente, minhas escolhas políticas.


A religião, para mim, não é divina nem é sobrenatural. É, sim, uma construção humana, enraizada nas estruturas socioculturais e nos contextos históricos nos quais nos encontremos. Nossa “imaginação religiosa” – para apropriar-me, talvez indevidamente, dum clássico neologismo sociológico de C. Wright Mills – tem muito a dizer sobre nosso lugar social, da mesma forma como nossas visões políticas, e tem, obviamente, um reflexo nas escolhas eleitorais.


Esse elo filosófico entre o que se professa religiosamente e em quem se vota pode, obviamente, passar muito próximo do limite ético daquele conceito de laicidade do Estado – quando, por exemplo, se utiliza a filiação/lealdade religiosa como moeda para o voto (é só pensar nos incontáveis “Pastores/as”, “Missionários/as”, “Irmãos/ãs”, “Padres”, etc, que se candidatam a cargos eletivos!) –, mas todos nós, religiosos ou irreligiosos, somos influenciados pela carga ideológica de nosso meio social, consciente ou inconscientemente. Ou seja, independentemente de quem sejamos, todos nós falamos, ouvimos e votamos a partir dum lugar social.


Em se tratando do Unitarismo, nossa história oferece muitos exemplos dessa relação entre religião e política. Os unitaristas, afinal, sempre viram sua fé como uma fé politicamente orientada. Nossas atitudes para com nosso próprio dogma do valor e dignidade humanos, da liberdade absoluta de opinião, do desafio ao autoritarismo político e religioso, do questionamento ilimitado de nossas próprias crenças, tornam nossa tradição religiosa uma tradição socialmente politizante – apesar de não necessariamente partidária, considerando a relativa diversidade de filiações políticas entre nós (de libertários a comunistas, e toda a diversidade entre as duas).


Quando penso nos exemplos do diálogo positivo entre religião e política, no contexto unitarista, não posso deixar de pensar no radicalismo liberal anticonformista de Joseph Priestley, na Inglaterra do século XVIII; na destemida defesa dos direitos das mulheres por Abigail Adams, no período da Revolução Americana, no século XVIII; no radicalismo antiescravagista de Theodore Parker, no abolicionismo barulhento de Samuel J. May e nos esforços antiescravistas de John Quincy Adams, nos EUA do século XIX; no trabalho de Susan Brownell Anthony para que as mulheres pudessem votar e participar da vida política, também nos EUA do século XIX; na labuta de Sandra Ferreira, no Brasil do século XX, pela proteção das mulheres contra a violência doméstica; no imenso esforço de Margaret Barr para construir pontes de diálogo entre diferentes culturas, na Índia do século XX; na liderança de Ethelred Brown do movimento de Humanismo Negro na Igreja Unitarista do Harlem, nos EUA do século XX.


Todos esses unitaristas materializaram suas perspectivas religiosas em suas ações políticas no mundo, em favor de todas as pessoas e não de si próprios ou de outros unitaristas apenas. É nesse sentido que a relação entre religião e política pode ser positiva, mesmo num contexto de separação entre religião e Estado.


Em se tratando da relação entre religião e eleições, nem sempre é fácil manter uma coerência absoluta entre o que professamos e o que escolhemos eleitoralmente. Pessoalmente, me pergunto sempre como escolher um/a candidato/a a qualquer cargo eletivo que defenda pelo menos a maioria de minhas posições quando essas não são as posições das/os candidatas/os disponíveis?


Pessoalmente, observo alguns aspectos relevantes:


  • Quem é a/o candidata/o? Qual o seu histórico político e o de seu partido? Quem faz parte de sua equipe?

  • Quem patrocina sua campanha? E, mais subjetivamente, que interesses estariam por trás desse patrocínio?

  • Quais as suas propostas específicas?

  • Qual o seu comportamento para com seus oponentes políticos? Como desenvolveu sua campanha?

  • O que diz e como a/o candidata/o lida com os temas que mais me interessam:

    • democracia e o Estado Democrático de Direito;

    • honra e respeito ao valor e dignidade humanas;

    • diversidade sociocultural;

    • combate ao racismo, machismo/chauvinismo, xenofobia, homofobia;

    • proteção das crianças e dos adolescentes;

    • proteção do meio ambiente;

    • educação pública, gratuita e democrática de qualidade para todos;

    • ciência;

    • seguridade social;

    • renda básica universal;

    • internacionalismo;

    • paz.



Esses são alguns dos elementos que levo em consideração em minhas escolhas eleitorais e que se relacionam mais diretamente com minhas perspectivas filosóficas e religiosas. A crença ou descrença religiosa da/o candidata/o, sua religiosidade ou irreligiosidade não a/o faz melhor ou pior candidata/o – da mesma forma que sua cor, sua orientação emociono-sexual ou sua identidade de gênero. Sua história de atuação, suas relações com outros atores políticos, suas propostas e as ideias que defende são o filtro que utilizo para selecionar a/o candidata/o para um cargo eletivo.


Votar é se comprometer com o presente e o futuro de toda a nossa sociedade, em toda a sua diversidade. Quando votamos, assumimos a responsabilidade de decidir o que afetará as vidas de mulheres e homens, jovens e velhos, de todas as cores, de todas as des/crenças, de todas as sexualidades, de todas as classes/status sociais; além do que afetará as nossas próprias vidas e as de nossas famílias e amigos. Por esta razão, independentemente de nossas visões políticas ou lealdades partidárias, é importante votar conscientemente.


Vote com segurança e responsabilidade cidadã neste difícil ano de 2020! O futuro de sua comunidade depende de sua escolha!


+Gibson