+Gibson
da Costa
“[…] Ele não está longe de cada um de nós, pois nele
vivemos, nos movemos e existimos […]” (Atos 17:27b-28a)
“Deus”
frequentemente tem sido o assunto sobre o qual me escrevem de forma
pouco compassiva. Enquanto, pessoalmente, me preocupo muito mais com
o viver aquilo que chamo de “fé”, muitos de meus interlocutores
se preocupam muito com declarações de crença que se encaixem em
sua ortodoxia – seu conjunto de “crenças corretas” –,
por isso, sempre me pedem que “defina” o que acredito sobre Deus,
por exemplo.
Uma
de minhas mais recorrentes provocações – e a mais atacada por
leitores de outras tradições cristãs – é a de dizer que “não
acredito em Deus”. Tenho repetidamente explicado que o verbo
acreditar é muito limitado,
pois coisifica Deus, tornando
a Divindade um tipo de entidade pessoal que depende de meu esforço
intelectual (a crença) para que seja “real”. Pessoalmente,
também rejeito a noção de existência
de Deus. Em minha experiência e compreensão, Deus não existe
porque a existência
é uma qualidade de objetos/entidades físico-espaciais.
Prefiro
falar em minha confiança em Deus, em vez de falar em crença em Deus
– e
mesmo “confiança”, assim como o próprio nome “Deus”,
apresenta(m) limitações.
Não
tenho absolutamente nenhum desejo em criar uma declaração
teontológica própria. Minha compreensão sobre o Mistério Eterno é
limitadíssima para que eu
seja capaz de articular “definições” metafísicas a seu
respeito. Deus, para mim, é
inqualificável, já que “está” além de minhas limitações
cognitivas e linguísticas. Toda e qualquer linguagem que use para
referir-me à Divindade é apenas metafórica, simbólica,
figurativa. E é assim que o que escrevo abaixo deve ser entendido:
-
Compreendo Deus como uma Unidade Absoluta. Por “Unidade”, refiro-me a um Mistério que está metaforicamente acima de tudo e de todos, para além de toda divisão, de toda compreensão, de toda classificação, de toda nomeação.
-
Compreendo Deus como absolutamente simples, sem nenhuma propriedade – incluindo personalidade, bondade, onipotência etc, – já que propriedades são atributos de seres espácio-temporais.
-
Compreendo Deus como absolutamente para além do tempo e do espaço e, como consequência, para além da própria existência.
-
Compreendo Deus como para além de causas e efeitos.
-
Compreendo Deus como para além de toda compreensão e imaginação humanas.
Assim,
se e quando utilizo expressões como “Deus é amor”, “Deus é
paz”,
por exemplo, as tomo como uma linguagem metafórica, uma figura capaz
de ser captada pela imaginação, e não como uma declaração que
deva ser compreendida de forma literal.
Não tenho fé num Deus-Pessoa que espelha minhas próprias
limitações humanas. Tenho esperança e interesse pelo Divino como
“para além” do compreensível ao mesmo tempo em que “se
manifesta” no comum. Os termos “para além” e “se manifesta”
são a chave aqui: a preposição “para” indica um movimento; o
termo “além” aponta para uma não-limitação; e “se
manifesta” aponta para uma relação entre o Divino e o humano.
Usá-los, ao falar da Divindade, é uma referência à
“transcendência” e à “imanência” divinas:
respectivamente, a alteridade e a proximidade desse Mistério que
chamo de “Deus”.
Não tenho absolutamente nenhuma necessidade de caracterizar esse
Mistério como uma entidade antropomorfa – isto é, não preciso
acreditar num Deus com características humanas. Compreendo a
linguagem tradicional do Deus abraâmico – nas tradições
judaicas, cristãs, muçulmanas, babistas etc – como um Deus
pessoal apenas como uma metáfora. Usamos essas metáforas porque
nossa imaginação é limitada, e não porque a Divindade assim seja
– para mim, como disse, a Divindade sequer “é”, já que “ser”
é uma característica de seres ou coisas físico-espaciais e, logo,
limitadas.
Acredito que mais importante do que me preocupar com definições
acerca de Deus é me preocupar com o ser humano. Como Deus está além
de minha compreensão, e como, ao mesmo tempo, se manifesta no mundo
na face das pessoas que me cercam, é amando-as e servindo-as que
posso amar e servir a Deus. E conseguir fazer isso já representa um
desafio suficientemente grande para mim!
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