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quinta-feira, 16 de julho de 2020

Religioso liberal secularista-humanista?


É frequente a reação de espanto quando pessoas de fora de minha tradição religiosa descobrem que sou um ministro religioso. Seu espanto se dá por não entenderem como minha “visão de mundo” se encaixa na ideia de “religião” que têm – e, consequentemente, na ideia resultante do que seria tanto um praticante quanto um “ministro” de religião.

É para essas pessoas que escrevo agora.

Venho duma formação religiosa liberal de persuasão secularista-humanista. Sou um ministro unitarista, e fui religiosamente educado nas culturas do Cristianismo e do Judaísmo liberais. Questionar, duvidar, examinar criticamente e não aceitar explicações sobrenaturais para fenômenos naturais foi parte dessa educação religiosa que recebi. Assim, “religião” ou “fé”, para mim, não possuem o sentido de sobrenaturalidade e dogmatismo que frequentemente recebem no imaginário popular – mesmo entre outros que receberam uma formação acadêmico-científica.

Os termos “secularista” e “humanista”, em seu mais básico sentido, se referem – de acordo com um dos teólogos que mais me influenciaram, e que ficou equivocadamente conhecido como uma das vozes da “teologia da morte de Deus”, Gabriel Vahanian – à noção de que este mundo é o todo da realidade. Em outro aspecto, referem-se, também, àquele velho anseio unitarista de separação entre Igreja/religião e Estado; isto é, de instituições estatais laicas – governo, justiça, escola etc.

Isso significa, dentre tantas outras coisas, que minha fé se centra neste mundo e nas relações que possuo com os seres, coisas, processos e percepções deste mundo. Significa que não busco explicações no sobrenatural para os fenômenos da vida. Significa que não acredito que haja necessidade duma fé religiosa para que vivamos uma vida ética. Significa que não me preocupo com uma suposta existência fora deste mundo – isto é, com uma suposta continuidade da vida após minha morte numa outra dimensão ou neste mundo como outra pessoa. Neste sentido, “secularista” e “humanista” tornam-se, para mim, sinônimos.

Abraçar uma compreensão secularista e humanista, entretanto, não é o mesmo que dizer que sou ateu. Talvez seja mais exato dizer que não sou um “teísta do senso comum” – isto é, não acredito numa deidade antropomorfa sobrenatural que controla o Universo e os destinos de vivos e mortos a partir duma outra dimensão espácio-temporal. Não acredito em seres sobrenaturais que povoem regiões invisíveis do Cosmos, independentemente de como os chamem. E essa [des]crença, a propósito, não foi causada por nenhuma tragédia, decepção ou frustração pessoal: foi-me ensinada por minha própria religião.

Minha não adesão ao que chamei de teísmo do senso comum, entretanto, não é sinônimo de ateísmo (seja do tipo afirmativo ou negativo). Como já afirmei inúmeras vezes, em variadas ocasiões, minha compreensão do Divino é, apenas, diferente daquelas abraçadas pelos cristãos que abraçam uma compreensão dum Deus Pessoal – e todas as consequências teológicas de tal compreensão.

Na verdade, a [des]crença, em si, sequer chega a ser uma preocupação para mim. E isso porque as crenças ou percepções espirituais/religiosas, em minha compreensão, são moldadas por nossas experiências no mundo. Assim, nossos relacionamentos, nossa educação, nossa [i]maturidade, nossas experiências com as coisas mais simples e/ou mais complexas, etc, podem nos oferecer permanentemente novas perspectivas sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre o que nos é desconhecido.

Isto é, não há compreensão que permaneça comigo ou com outros para sempre. Mesmo que imperceptivelmente, estamos sempre alterando as formas como compreendemos certas questões em nossa visão de mundo – e, neste caso, na visão que tenhamos sobre Deus e/ou religião, por exemplo. Assim, a forma como eu, pessoalmente, articulo minha compreensão de minha “espiritualidade” não é permanente ou imutável – e, novamente, por “espiritualidade” não me refiro a uma suposta dimensão sobrenatural da realidade, mas, antes, à maneira como experiencio a existência.

Identificar-me como um religioso de persuasão humanista, ademais, significa dizer que os únicos que podem estabelecer justiça e paz neste mundo somos nós mesmos. Ninguém mais. Os únicos que podem resolver os problemas que criamos no mundo social ou natural somos nós mesmos. Ninguém mais. Violência, guerras, fome, pobreza, poluição e os males que a acompanham, autoritarismo, analfabetismo, desemprego e todos os problemas gerados no meio ambiente pelas ações antrópicas só podem ser resolvidos por nós mesmos. Ninguém mais.

Sim, é verdade que oro/rezo por paz, justiça e pelo bem do mundo. Mas minhas orações são uma metáfora do desejo que deve nos levar ao esforço de transformar o mundo através de nossos próprios esforços coletivos e individuais. É um símbolo da esperança que move minha ação no e pelo mundo, aqui e agora.

Chamo isso de religião/espiritualidade adulta e responsável. É o tipo de religião na qual acredito e o tipo de espiritualidade que me esforço para viver. Religião e espiritualidade, para mim, devem se manifestar numa eticidade intelectualmente íntegra – mesmo que não corresponda ao tipo de mito de “sobrenatural” ao qual outros aderem.

Assim, minha compreensão do Cristianismo pode, sim, ser chamada de secularista e humanista – ética e espiritual, sim, mas também profundamente materialista (ao menos na forma como compreendo este termo).

+Gibson



2 comentários:

  1. Significa ser humanista religioso, Gibson?

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    1. Ei, Carlos!

      Não. Não me considero um humanista religioso, e a maioria de meus amigos "humanistas religiosos" não me consideram estritamente como tal. Falo, como você sabe, a partir dum contexto unitarista cristão liberal. A linguagem cristã ainda é relevante para mim, as Escrituras cristãs ainda desempenham um importante papel em minha teologia pessoal - mesmo que não exclusivamente -, e ainda utilizo a metáfora de Deus para dar voz à minha experiência do Sagrado. Entretanto, como sempre digo, minha teologia é antropocêntrica: o divino se manifesta na humanidade, é moldado pela compreensão humana e essa compreensão é manifesta nas nossas relações uns com os outros e como o todo da Criação. Há semelhanças com o Humanismo Religioso (que, afinal, nasceu do Unitarismo), mas não representa exatamente a mesma compreensão.

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