Ontem vi um episódio de um de meus programas favoritos da tevê, que, talvez, muitos de vocês não conheçam: Cara & Coroa, na TV Brasil. Se não conhecem o programa, meu conselho é que tentem assisti-lo um desses dias. É um programa muito inteligente e inspirador, que desconstrói a barreira artificial existente entre gerações etárias, apresentado por João Rocha Lima (o cara) e Milton Coelho da Graça (o coroa).
No episódio de ontem (exibido às 20h00), o tema tratado era a religiosidade, e numa conversa entre um dos apresentadores (Milton Graça) e um dos entrevistados (o profº Gilbraz Aragão, da Unicap), ouvi esta pérola:
Milton Graça: É possível ser religioso sem acreditar em Deus?
Gilbraz – depois de pensar por algum tempo: Acho impossível ser profundamente religioso sem em algum momento desacreditar daquilo que se convencionou chamar Deus.
Com poucas palavras, muita maturidade, e muita sensibilidade, o Professor Gilbraz foi capaz de resumir tudo o que muitos cristãos liberais, tudo o que muitos unitaristas, têm dito há muito. É impossível, em minha experiência, desenvolver uma fé pensada, equilibrada, profunda, sem que se passe por momentos de crise e escuridão, momentos de descrença e, talvez, de desconstrução.
Muitas pessoas podem se confundir quando me ouvem falar a respeito de minha “descrença”. Muitas vezes, para provocar – o que é uma característica muito destacada em minha personalidade -, digo que não acredito em Deus, e alguns que me ouvem pensam que se trate de uma confissão aberta de ateísmo. Isso aconteceu recentemente depois de um sermão meu em minha comunidade religiosa. Entretanto, todas as vezes que faço provocações como essa, ao mesmo tempo reafirmo minha fé na realidade de Deus.
Como acredito que as palavras tenham um peso muito grande no sentido que damos a afirmações teológicas, gosto de enfatizar minha fé na “Realidade de Deus” e não na “existência de Deus”. Em minha teologia pessoal, essas duas expressões têm um sentido completamente diferente.
O que significaria dizer que “Deus existe”? A existência é uma qualidade que atribuímos a pessoas ou coisas; obviamente, podemos atribuí-la a ideias e sentimentos também – por exemplo, poderíamos dizer “existe um sentimento de irmandade entre nós”, e estaríamos nos referindo a algo subjetivo; mas, como tradicionalmente usamos este verbo para falar em Deus como sendo uma “pessoa” separada de nós, com uma “existência objetiva” – ao menos, é a impressão que tenho quando ouço “Deus existe” -, prefiro usar uma expressão que não carregue em si o peso das concepções usuais e que não encerre em si noções muito ligadas a ideias de correção absoluta. É por isso que não digo “Deus existe”, mas “Deus é Real” ou “Deus é uma Realidade”.
Sou um descrente nas concepções a respeito de Deus construídas pela ortodoxia cristã. Não acredito no Deus ensinado pelos grandes teólogos da igreja cristã, e, em alguns casos, não acredito nas concepções de Deus ensinadas por alguns antigos unitaristas. Naquele Deus pessoa, todo-poderoso, que controla a história do mundo, capaz de nos salvar do sofrimento, eu não acredito. Minhas experiências de vida, o que sei acerca do universo do qual sou uma partícula, e tudo o que ocorre no mundo ao meu redor, são uma forte evidência, de que aquele Deus “não existe”. Ou, se preferem que eu seja mais objetivo e menos metafórico, aquelas ideias “ortodoxas” sobre Deus não me tocam, não me movem, e não fazem isso por terem se tornado uma língua muda, uma linguagem usada para convencer.
Apesar disso, entretanto, sou um crente na Realidade de Deus, que se faz presente das mais diferentes maneiras e mais diferentes momentos em minha vida. Não tento explicar Deus a ninguém, já que eu mesmo não tenho essa explicação. Deus deve ser experienciado e compreendido em nossa experiência, e não tratado como se fora objeto de uma observação científica. Deus é Real. Deus é uma Presença em minha vida, uma Presença para a qual não encontro palavras para descrever e uma Presença que me recuso a definir, mas, assim mesmo, uma Presença Real.