Sarah,
ofereço aqui, em separado, uma resposta às perguntas que você fez em: http://cristianismoprogressista.blogspot.com/2011/10/deus-e-o-sofrimento-humano.html - Aqui responderei suas questões acerca do Espiritismo apenas. Esclareço que quando falo em “espiritismo” aqui, refiro-me à tradição chamada de “kardecista”.
Não gosto de tratar sobre questões como “reencarnação” ou “espiritismo” aqui, já que não as considero como temas tradicionalmente cristãos. A noção de reencarnação, e as ideias a ela atreladas, tais como ensinadas pelo Espiritismo (kardecista, isto é) não é ensinado pela maioria das diferentes tradições teológicas cristãs ocidentais ou orientais, não estão explicitamente expressas na Bíblia (para aqueles que precisam duma confirmação bíblica para construir sua teologia pessoal – o que me parece razoável em se tratando de tradição cristã), e não fazem parte das discussões teológicas cristãs protestantes. (Por que cito tradições teológicas protestantes? Pelo simples fato de eu ser um protestante – mesmo que liberal – e, logicamente, preocupar-me com temas que circulam em minha própria tradição.)
Devo deixar bem claro que, como um unitarista – um cristão protestante liberal – não julgo aqui a natureza da identidade religiosa da tradição espírita, ou seja, se os espíritas consideram-se como cristãos, eles são cristãos para mim. Não poderia negar que também sejam discípulos de Jesus, apesar de compreenderem-no duma maneira diferente da maioria dos outros cristãos – exatamente como ocorre comigo como um unitarista, que também compreendo Jesus duma maneira diferente daquela compreensão da maioria dos outros cristãos. O que direi aqui refere-se à minha própria compreensão do tema, e não a uma visão de como outros unitaristas pensam. Minha visão, devo enfatizar, é a percepção duma pessoa de fora, que não partilha das mesmas ideias defendidas pelos espíritas no que tange à “espiritualidade” (a relação de “espíritos” com este mundo, reencarnação etc). E mesmo minha compreensão das doutrinas espíritas são limitadas, já que não são uma área de interesse para mim, em minhas discussões teológicas etc. O que conheço sobre essa tradição é ou através de minhas leituras, ou através dos exemplos dados pelos espíritas que conheço – que, na maioria das vezes exibem um espírito cristão exemplar.
Para responder à sua pergunta, cito um trecho do Livro dos Espíritos, de Allan Kardec:
“Deus sabe esperar: não apressa a expiação. Entretanto, Deus pode impor uma existência a um Espírito, quando este, por sua inferioridade ou sua má vontade, não está apto a compreender o que poderia ser-lhe mais salutar e quando vê que essa existência pode servir à sua purificação e adiantamento, ao mesmo tempo que encontra nela uma expiação.”
[…]
“Ele [o espírito] escolhe as [provas] que podem ser para ele uma expiação, segundo a natureza de suas faltas, e o faça avançar mais rapidamente. Alguns se impõem uma vida de misérias e privações para tentar suportá-la com coragem. Outros querem se experimentar nas tentações da fortuna e do poder, bem mais perigosas pelo abuso e mau uso que delas se pode fazer, e pelas más paixões que desenvolvem. Outros, enfim, querem experimentar-se pelas lutas que devem sustentar ao contato do vício.” (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP: Instituto de Difusão Espírita, 2002. p. 147.)
Independentemente de as condições da reencarnação se darem por escolha do “espírito” em questão ou por escolha divina, há um sério problema teológico para mim com esta noção. O problema aqui não é a noção de “reencarnação” per se, mas a noção de “expiação”. Pode parecer muito sofisticado, muito justo, eliminar a noção duma expiação efetuada por um Salvador – como aquela na qual creem a maioria dos cristãos protestantes, católicos e ortodoxos, na qual Jesus, o inocente, paga (i.e., expia) pelos pecados dos culpados – em favor de uma, que se constitui num processo, efetuada pelo próprio culpado. Entretanto, eu, não julgo a noção de expiação como necessária, nem muito menos coerente com minha visão de Deus, de justiça, de amor, de eternidade, de vida etc. A noção – ou melhor, o dogma espírita – de reencarnação baseia-se numa série de premissas extremamente problemáticas para mim; para aceitar tal visão, eu teria de aceitar a noção espírita de Deus, de espírito, de verdade, de justiça, de eternidade etc, que contradizem as minhas próprias crenças pessoais sobre esses temas. É, na verdade, uma visão de universo irreconciliável com a minha própria. Em se tratando deste tema, o espiritismo é muito dogmático, já que acorrenta-se a uma noção sem a qual todo o seu edifício teológico desaba.
Nesse sentido, mantenho o que disse anteriormente sobre o dogma da “reencarnação”, no texto no qual essa nossa conversa se iniciou. A ideia pode servir de conforto para muitas pessoas – e eu respeito isso profundamente –, penso que se ela tem o poder de fazê-lo, cumpre uma função e, por isso mesmo, continuará a existir. Entretanto, para mim, ela é ainda mais problemática do que o dogma da expiação de Cristo, pois em si mesma carrega uma noção de justiça e de Deus que eu não aceitaria intelectual nem religiosamente. Mas, novamente, se essa é uma ideia que faz sentido para outras pessoas, os respeito por isso, mesmo que discorde deles.
Espero poder ter respondido parte de suas dúvidas. Separadamente, depois responderei suas outras questões.
Grande abraço! Paz!
+Gibson