Caro Pedro,
Como é óbvio em nossa
experiência ocidental moderna – alguns a chamariam de pós-moderna,
mas deixarei essa discussão para outros –, falar sobre qualquer
coisa é uma empreitada complexa. No caso da fé, da teologia, essa
complexidade parece ser ainda maior, já que – no caso do
Cristianismo – estamos tão fragmentados que não conseguimos
enxergar aquilo que nos deveria unir. Muitas vezes, utilizamos os
mesmos termos, mas eles ganham um sentido e uma intenção tão
distintos que é difícil acreditar que falemos a mesma língua, e
muito menos que partilhemos a mesma fé. Isso, para mim, é triste
(quando não cômico).
Na verdade, essa é uma
das razões pelas quais me preocupo tão pouco em discutir teologia
sistemática neste espaço. Prefiro me ater àquilo que julgo ser o
básico do básico, àquilo que acredito ser o espírito da tradição
cristã. Quando me recuso a, geralmente, tratar de detalhes
teológicos específicos sobre o quê, como, onde, por quem, para quê
etc, é por julgar que essas questões – apesar de serem
importantes para o fazer teológico – são irrelevantes para o
viver cristão. Você, por exemplo, cita trechos bíblicos para falar
sobre comportamentos culturais (o que comer, como se vestir, os
papeis do homem e da mulher etc) como se esses fossem o Cristianismo;
eu não preciso dizer que discordo plenamente de sua compreensão.
Por exemplo, você citou
Mateus 5:48 (“...sejam perfeitos como é perfeito vosso Pai que
está no céu”), mas, a julgar pelo sentido que deu ao trecho,
acredito que não tenha lido os versículos anteriores a ele. Se
tentar reler o trecho a partir de, pelo menos, o versículo 43, verá
que a discussão ali se trata do amor divino que, segundo o trecho,
se estende sobre todos – e é justamente essa perfeição divina
que seria esperada dos discípulos de Jesus:
“Vocês ouviram o
que foi dito: 'Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo!' Eu, porém,
lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem
vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu,
porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre
justos e injustos. Pois, se vocês amam somente aqueles que os amam,
que recompensa vocês terão? […] Portanto, sejam perfeitos como é
perfeito o Pai de vocês que está no céu.” (Mateus
5:43-48)
As Escrituras certamente
contêm inúmeras condenações, e, infelizmente, parece ser sobre
essas que recaem as preocupações de boa parte dos fiéis cristãos.
Eu, como já escrevi várias vezes aqui, prefiro me preocupar mais
com o lado do “fazer” do que com o “acreditar” ou “não
fazer” do Cristianismo. Não estou preocupado se acredito ou não
em determinado dogma ortodoxo cristão, pois se Deus for realmente o
que as Escrituras dizem ser, “se importará” mais com a forma
como vivo minha vida em relação a meus semelhantes e à criação
do que com as palavras nas quais digo acreditar.
Para mostrar um outro
exemplo, tirado do mesmo conjunto de discursos no Evangelho de Mateus
que você cita, veja este trecho (Mateus 7:12):
“Tudo o que vocês
desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles.
Pois nisso consistem a Lei e os Profetas.”
Quando penso em religião,
é com isso que estou preocupado. O que me preocupa é a fé
materializada na prática do dia a dia. Obviamente, as formulações
teológicas são importantes para mim; mas, em se tratando da forma
como encaro o ministério religioso, esse é um aspecto secundário.
É o que a tradição ensina sobre como construir relações que me
interessa, e não detalhes sobre quantos anjos podem dançar na
cabeça de uma agulha. Estou mais interessado numa religião viva,
que me ensine a trazer Deus para a realidade do mundo, do que numa
religião que se preocupa com os supérfluos da vida. Não é uma questão de quem interpreta o Cristianismo da maneira certa ou errada, trata-se apenas de diferentes perspectivas - essa perspectiva preocupada com a "ortopraxia" é o caminho que escolho seguir, é minha forma de compreender a fé cristã.
Um grande abraço!
+Gibson