“...Ele
não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e
existimos...”
(Atos
17: 27-28)
Com
frequência, alguns se surpreendem quando descobrem que, além de uma
vida intelectual-profissional-social, mantenha uma “vida
sacerdotal” – como a nomeia minha colega e amiga Christine.
Talvez, a surpresa dessas pessoas se baseie numa construção
equivocada do que seria uma pessoa religiosa. Para alguns deles, talvez,
o sacerdócio/ministério signifique uma “santidade” que indique
um desinteresse pelas coisas “mundanas”, incluindo o intelecto.
Não
poderia haver um equívoco maior acerca da vida
sacerdotal/ministerial, ao menos para mim.
A
“santidade” sobre a qual alguns falam – termo esse, geralmente,
que não se faz presente em meu próprio discurso sobre mim mesmo,
por razões muito pragmáticas – tem, para mim, uma relação com
aquilo que chamo de “espiritualidade” ou “reverência”.
Pessoalmente, encontro minha espiritualidade na complexidade da
existência. O sagrado, em minha compreensão e experiência, não se
encontra exclusiva ou necessariamente numa entidade externa – em
Deus. A sacralidade, a espiritualidade, a reverência e o próprio
Deus se encontram em minhas relações com outros seres humanos e com
o todo da criação.
Sim,
como um devoto, encontro a Divindade em meus momentos de devoção
silenciosa e solitária, em meus momentos ritualísticos com outros
fiéis e em meus momentos de leitura e estudo das Escrituras
Sagradas. Mas, como um humano, encontro o Divino, principalmente, em
meu encontro com outros seres humanos – especialmente porque minha
fé só pode ser praticada em comunidade.
Esse
encontro com outros seres humanos se dá de várias maneiras. As
artes sempre foram uma forma de encontro memorável: especialmente a
música, a literatura e o cinema. A reflexão filosófica e teológica
também. Pensar sobre o mundo, avaliar, criticar: todos são
encontros sacramentais com o Divino. A emoção e a reflexão são,
em união, um sacramento divino, um encontro com Deus.
É
por essa razão que “acreditar em Deus” é dispensável. Os dois
termos – “acreditar” e “Deus” – são, afinal,
relativizáveis. O que significaria “acreditar”? E “Deus”?
“Acreditar em Deus”, ao menos da forma como tantos utilizam a
expressão, significa apenas conformar-se a uma visão que outra
pessoa tem acerca da Divindade. Pessoalmente, prefiro experienciar a
“Realidade” e a “Presença” que chamo de Deus.
Assim,
posso experienciar essa “Realidade” e essa “Presença” quando
ouço uma música que me faz lembrar que sou parte deste mundo
“criado” por aquela Presença. Experiencio-as quando alguém
responde ao meu cumprimento, ou mesmo quando não o faz.
Experiencio-as quando dialogo com outra pessoa por meio da voz ou da
escrita, quando a presença de outros me mostra que não estou
sozinho num cenário de ilusão. Essa é a Presença, a Divindade, em
sua forma mais humana, mais nítida.
É
claro que Deus é real. Deus está presente em todos os momentos e em
todos os lugares. Está presente quando amamos e quando somos amados,
quando servimos e quando somos servidos, quando ouvimos e quando
somos ouvidos, quando duvidamos e quando somos duvidados, quando
cremos e quando descremos. Assim, não há contradição ou conflitos
entre crer e criticar, entre o rito sacramental e o trabalho
intelectual. Minha humanidade é a ponte entre os dois.
Não
preciso dizer que acredito no que você acredita para me relacionar
com o Divino. Sua própria voz é suficiente para me convencer que
Deus fala comigo.
+Gibson