Este é um daqueles
períodos do ano que possuem um sentido especial para, pelo menos,
duas grandes tradições religiosas mundiais – o Judaísmo e o
Cristianismo. Para a tradição cristã, (o Advento e) o Natal; para
a tradição judaica, Hanukkah. Mesmo aqueles que se identificam como
não religiosos, ou mesmo como ateus, no mundo judaico-cristão, essa
temporada não passa despercebidamente, já que nossa cultura (além
de nossa economia!) nos relembra que “há algo no ar”.
Como um indivíduo
religioso, é óbvio que esta época é especialmente relevante para
mim. Ela possui um sentido metafórico enraizado naquela tradição
judaico-cristã que molda minha visão de mundo – aquela cultura
que funciona como a janela através da qual aprecio a imagem lá
fora. Mesmo aquelas pessoas que não participam de minha comunidade
de fé, ou que não apreciam ou compreendem a metáfora religiosa,
percebem a importância simbólica dessas datas para mim.
Em épocas como esta,
entretanto, sou lembrado acerca de algo que está além do imaginário
religioso individual dum devoto, englobando questões intelectuais
muito básicas. Frequentemente, percebo a ausência de fluência
religiosa – ou literacia religiosa, como geralmente chamo –
daqueles que supostamente se ocupam em pensar acerca do social (por
exemplo, jornalistas, sociólogos, antropólogos, historiadores,
estudantes em geral etc). Nossa sociedade urbana mediocremente
educada, que se orgulha em copiar os moldes do secularismo europeu –
“ingenuamente” crendo que isso seja sinônimo de superioridade
intelectual –, comporta-se como se possuir um certo nível de
compreensão duma parte tão importante de sua cultura fosse algo
supérfluo, dispensável, ou mesmo selvagem.
A ignorância voluntária
acerca do domínio da fé é tão gritante que já fui testemunha de
muitas afirmações grosseiramente equivocadas, advindas de
“intelectuais” que formam outros “intelectuais”, que foram
aceitas como “verdade factual” por seus ouvintes (“verdades”
essas que, para o nível esperado do público presente, seriam
facilmente questionadas por uma simples leitura de bons guias básicos
de religião!). Pode parecer algo irrelevante para aqueles
“intelectuais”, mas, para mim, é uma questão de integridade
intelectual.
Para citar um exemplo
desse problema de ausência de literacia/fluência religiosa, penso
em algo que li no livro de Sociologia dum grupo de alunos meus, que
vieram me pedir informações sobre o que leram lá. Este livro (para
o Ensino Médio) reproduzia um artigo de revista sobre uma comunidade
Amish no Paraguai, chamando-os de puritanos e
fundamentalistas. Claro que isso fez com que meus
alunos e eu nos engajássemos numa prolongada discussão sobre o que
aqueles adjetivos significavam teologicamente, e a diferença entre
esse sentido e aquele que (supúnhamos) era dado pelo autor do
artigo. [Devo confessar que o maior problema que tive com essa
experiência foi o fato de não haver, no livro de Sociologia,
nenhuma discussão sobre as escolhas semânticas feitas pelo
jornalista – o que me levava a acreditar que o autor do livro
concordava com a opinião do jornalista –, e não muito o uso feito
pelo próprio jornalista!]
Mais recentemente, as
discussões sobre “homofobia” (seja lá o que queiram dizer
exatamente com este termo!) e aborto, que parecem ser os novos
queridinhos dos meios politiqueiros brasileiros que se engajam em
copiar a semântica política d'alhures, entram pelo mesmo caminho.
“Intelectuais” supostamente respeitáveis fazem afirmações
deselegantes sobre a fé de diferentes tradições, e seus
comentários só mostram que, talvez, devessem se informar um pouco
mais, se quisessem que seus argumentos soassem mais maduros. Para
alguns “intelectuais”, ser religioso é sinônimo de ser
“puritano”, “fundamentalista”, e “homofóbico”; enquanto
ser sofisticado é não se opor ao aborto, às drogas, e ao casamento
entre pessoas do mesmo sexo! Mais uma vez, o problema da falta de
literacia religiosa; e mais, o problema da falta de literacia
cultural!
Aprendi desde muito jovem
que, mais importante do que minha opinião, eram meus argumentos em
defesa dessa opinião que realmente faziam diferença. Não posso ter
bons argumentos em favor de ou contra algo que não conheço. Como os
antigos filósofos chineses, pais da teoria do jogo, já ensinavam:
só podemos vencer uma guerra quando conhecemos aos nossos inimigos.
Como, regra geral, não acredito em guerras, prefiro mudar isso para
algo como: só podemos viver bem com outros seres humanos quando
aprendemos sobre eles, e descobrimos coisas a seu respeito que
podemos apreciar. Talvez já seja hora dos “intelectuais”
belicosamente antirreligiosos aprenderem um pouco sobre religião, e
descobrirem algo que possam apreciar entre aqueles que abraçam uma
fé. Quem sabe, não acabarão ensinando algo positivo aos
“puritanos, “fundamentalistas e “homofóbicos”!
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