“Assim
também é a fé: sem as obras, ela está completamente morta. […]
Mostre-me a sua fé sem as obras, e eu, com as minhas obras, lhe
mostrarei a minha fé.” (Tiago 2:17-18)
Frequentemente,
as pessoas demonstram uma enorme preocupação com a “crença”
enquanto cerne da fé religiosa. Para eles, a “fé”
consiste numa função intelectual de aceitação duma formulação
de crença correta (a “ortodoxia”). Sua “fé”
define-se pelas coisas nas quais declaram acreditar – e mesmo que
não tenham consciência disso, enfatizam aquele aspecto da fé
chamado em latim, na tradição teológica luterana, de “assensus”
(que se refere ao ato de assentir, concordar, aprovar). Isso é
demonstrável, por exemplo, nas inúmeras vezes que outras pessoas me
perguntam no que creio. Elas esperam que eu professe uma lista de
declarações fixas sobre diferentes aspectos teológicos, para que,
assim, possam avaliar minha “fé” como “ortodoxa” ou
“herética”.
Esperar
que eu professe uma compreensão intelectual acabada da
Realidade de Deus, da dimensão misteriosa ou dum porvir eterno não
funciona para minha fé pessoal. Sou um cristão moldado por
diferentes tradições cristãs, ordenado ao sacerdócio/ministério
de cinco diferentes comunhões cristãs, e minha teologia pessoal é
cada vez mais abençoada pela influência de outras tradições –
cristãs ou não. Minha relação com amigos de outras tradições
religiosas me ensina o quanto temos em comum e me faz compreender a
“verdade” religiosa como algo que se encontra além de qualquer
função intelectual.
Gosto
de pensar que minha fé é multitradicional, isto é, bebe duma
catolicidade mais extensa do que os limites de qualquer
comunhão denominacional. Assim, meu unitarismo se
entrelaça ao meu anglicanismo que aprende com meu
luteranismo que se ilumina com meu restauracionismo
que se pacifica com meu quakerismo que se integram à
minha herança judaica liberal. De todos eles, e de
minha herança cultural, emerge minha compreensão do Sagrado – que
inclui não apenas Deus, mas também a humanidade e o todo da
criação. Assim, o aspecto intelectual de minha fé não pode ser
descrito como algo acabado, imutável; minha compreensão de fé,
minha teologia, é, antes, um processo, um caminho, uma via.
Acredito
em revelação, que “Deus ainda está falando”, como diz o slogan
de uma de minhas denominações. Só que isso pode significar algo
totalmente diferente do que alguns poderiam pensar. Nunca ouvi,
literalmente, a “voz de Deus” – ou seja, nunca ouvi uma voz
mensurável falando comigo, vinda do céu. Mas, ainda assim, julgo
ouvir a voz divina: a ouço quando me sinto compelido a ouvir alguém
que precisa ser ouvida(o); a ouço quando escuto uma música que me
inspira ou consola; a ouço quando sou inspirado por alguém a fazer
o que certo; a ouço quando alguém me oferece o consolo que eu
preciso. Esse tipo de audição é o que chamo de “influência
divina” ou “presença do Espírito Santo”. Essa Presença
divina é aquela influência que me convida a participar do “Tikkun
olam” (a restauração, reparo, cura do mundo), ensinado
por minha herança judaica liberal, ou da construção de “Sião”
(comunidade de compaixão, solidariedade e honra do valor e dignidade
de todas as pessoas), como ensina minha tradição cristã
restauracionista.
É
isso que prefiro enxergar como minha fé. Menos uma crença, e mais
uma esperança que me compele a tornar o aqui e agora no templo para
a habitação do Divino. Menos uma lista de declarações sobre o
desconhecido, e mais um desafio para tornar toda a minha vida uma
manifestação de minha “fé”. E confesso publicamente, aqui, que
essa é a coisa mais difícil que se pode tentar – mas é um
desafio transformador!
Como
um unitarista, é óbvio que me ocupo da intelectualização de minha
“fé”. Essa é também, a propósito, parte de minha ocupação
no ministério religioso e no ensino teológico. Mas me preocupo
muito mais em viver minha “fé” do que em articulá-la
intelectualmente. Em minha tradição anglicana, temos uma expressão
para isso: “lex orandi lex credendi” – a lei da
oração [é] a lei da crença – ou seja, é na oração que
expressamos nossa crença; e como nossa própria vida deve ser uma
oração, é na forma como vivemos nossas vidas que expressamos nossa
crença teológica (como bem afirma o autor da Carta de Tiago).
+Gibson