Nós, seres humanos, somos animais sociais e, ao mesmo tempo, relativamente conscientes de nossa individualidade. Carregamos em nós o peso do que herdamos biológica e socioculturalmente, e – graças ao que aprendemos em nosso meio sociocultural – construímos percepções individuais sobre a realidade da qual somos parte. Assim, não somos nem plenamente resultado do meio, nem plenamente autônomos. Somos seres complexos, resultantes duma combinação de herança e de criatividade.
Por conta dessa complexidade, individualmente, não somos “definíveis” como apenas uma coisa. Somos várias coisas ao mesmo tempo: emotivos, inteligentes, espirituais, sexuais etc. Assim, não penso que possamos ser definidos – porque a definição implica uma limitação/circunscrição – unicamente como heterossexuais, homossexuais, bissexuais etc. Cada um de nós é muito mais do que uma descrição de por quem nos sentimos emocional e sexualmente atraídos ou com quem nos relacionamos.
Pessoalmente, nunca gostei dessas adjetivações identitariamente sexualizadas, não porque me envergonhe de mim mesmo, não porque alimente discriminação contra a sexualidade alheia, mas, simplesmente, porque sou muito mais do que apenas um ser sexual. Minha sexualidade não me define – ela é apenas um dos vários elementos que constituem minha personalidade.
Sempre acreditei que, no caso das minorias – apesar de identidades serem importantes para a construção de laços comunitários –, as identidades impostas também servem como instrumentos de discriminação opressora e, consequentemente, como instrumentos de exclusão. Assim, pessoalmente, ser identificado como mizrahi-sefardi, desi, mestiço, gay, ou sei lá mais o quê, diz mais sobre como outros me enxergam do que como eu mesmo me compreendo.
Muitos adolescentes e adultos jovens gays, quando passam pela experiência de “sair do armário”, frequentemente encaram sua sexualidade como o aspecto mais importante de sua personalidade. E isso ocorre, dentre tantas razões, por conta de sua própria descoberta tanto da sexualidade em si quanto da discriminação socialmente associada à homossexualidade – assim como do senso de pertencimento que uma identidade pode oferecer. À medida que se fica mais velho, e se tem mais experiências na vida, aquele adolescente ou adulto jovem pode perceber que aquela definição identitária sexualizada não é suficiente para “definir” sua personalidade – se é que uma personalidade pode ser definida.
A maturidade pode nos mostrar que, além de sexuais, somos seres políticos, somos seres intelectuais, somos seres emotivos, somos seres artísticos, somos seres que carregam todos esses elementos como pequenos tijolos que dão forma ao edifício que é nossa pessoa individual – pessoa esta que, apesar de individual, é moldada num contexto social/coletivo. Isto é, somos únicos e ao mesmo tempo multidão; e essa unidade-multidão também é moldada pela outra “multidão” a partir da qual surgimos como seres humanos.
Minhas atuações – como Ministro de religião ou como professor – têm estado comprometidas com o dogma básico de minha religião, que é a afirmação do valor e da dignidade de cada ser humano e de toda a humanidade. Esse dogma é o meu padrão filosófico e político para minhas relações sociais. O ser humano – enquanto multidão e enquanto individualidade –, em toda a sua diversidade e complexidade, tem um valor e uma dignidade que devem ser honrados e respeitados. E esse valor e dignidade independem de cor, sexo, gênero, orientação emotiva/sexual, aparência, classe/status social, ocupação, ou qualquer coisa que o indivíduo/coletividade tenha feito.
Minha fé está firmemente enraizada nessa convicção. Não em deuses. Não em entes sobrenaturais. Mas no ser humano – em seu valor e em sua dignidade. É só nesse contexto que ouso utilizar a metáfora “Deus”. Minha eticidade está enraizada na tradição filosófica que afirma o ser humano como fim, não como meio.
Assim, não há lugar, em minha visão de mundo, para [auto-]ódio baseado em orientação emotiva/sexual. Não há lugar para negar a outro ser humano sua humanidade em nome dum fantasioso deus que espelha nossos próprios preconceitos. Dessa forma, a ética sexual tem a ver com a dignidade humana, não com as supostas maldições de deuses. O respeito ao valor, à dignidade e à liberdade (na forma da autonomia consciente) do ser humano e de cada indivíduo é o que, em minha visão, deve guiar a forma como lido com a sexualidade, assim como com qualquer outro tipo de relação entre seres humanos. Pouco importa a cor da pele, a nacionalidade, a língua, a identidade de gênero ou a orientação emociono/sexual.
+Gibson
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