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sexta-feira, 4 de abril de 2008

Uma Fé Racional (Jabez T. Sunderland - Chicago, Julho de 1876)


Jabez Thomas Sunderland (1842-1936)


“...estejam sempre prontos a dar a razão de sua esperança a todo aquele que a pede a vocês.” - I Pedro 3:15

Unitaristas não possuem credos. Nós temos, entretanto, um princípio central, e todas as nossas crenças distintas emergem deste princípio. Qual é este princípio? Provavelmente noventa e nove em cada cem pessoas diriam que seja nossa noção da Unidade de Deus em oposição à noção da Trindade. De maneira alguma. Essa não é a idéia central de onde nosso Unitarismo tem emergido. É verdade que foi isso que nos deu o nome de “Unitaristas”. Mas há algo muito mais profundo que isso, no qual nossa existência como um corpo ou movimento se enraíza. Essa coisa mais profunda e central é nossa crença na harmonia eterna e essencial entre a religião e a razão, ou, talvez melhor, na necessidade de sempre interpretar a religião à luz da razão, ou, possivelmente melhor ainda, na aplicação do método científico à religião. Esta nossa crença fixa e inerradicável é a chave, e a única chave para o Unitarismo.

É verdade que como corpo, cremos na unicidade e não na trindade de Deus. Mas cremos nisso porque nosso princípio de interpretação religiosa à luz da razão, ou da aplicação do método científico à religião nos compele a crer assim. A Bíblia, estudada à luz desse princípio, não ensina a respeito de nenhuma trindade, mas sempre e em todo lugar, um Deus, e apenas um.

Saindo desse grande livro que nos veio por meio dos judeus, e que chamamos de Bíblia, e indo para aquela outra grande “bíblia” de Deus, o Livro da Natureza, que a ciência tem lido tão rapidamente, não encontramos lá nenhum traço de mais de um Deus. Em todo lugar da natureza há unidade, correlação, harmonia de desígnio e de ação, que nos conta a respeito de uma Sabedoria e Poder suprema, indivisa, que está acima de tudo, abaixo de tudo, além de tudo. E não há nenhum traço em lugar algum de um segundo ou terceiro Ser.

Quando vamos para as mitologias pagãs, e para as especulações e noções cruas de homens que viveram nas eras antigas, escuras, e não-científicas, então encontramos traços de uma pluralidade de deuses – dois, três, uma dúzia, qualquer número. Na Pérsia encontramos dois deuses; no Egito e na Índia encontramos trindades; na Grécia, dos grandes deuses do Olimpo, encontramos doze; na Escandinávia encontramos também doze deuses principais; enquanto entre muitos outros povos da terra encontramos milhares e milhões. Mas essas mitologias não passam pela aplicação dos métodos científicos de investigação. Examinadas com o cuidado, atenção e imparcialidade com as quais a ciência investiga todas as coisas, essas mitologias se desfazem no ar; e todos os traços dos milhões de deuses, ou da dúzia de deuses, ou da trindade de deuses, ou da dualidade de deuses, passam, e permanece apenas o único “Deus”, que a Bíblia ensina, que a natureza em todas as suas unidade maravilhosas proclama, que Jesus adorou.

Aqui, então, você vê porque cremos em um Deus, e apenas um, e nos encontramos compelidos a rejeitar todas essas noções mitológicas de pluralidades de deuses, tomem essas pluralidades a forma de uma trindade ou de qualquer outro número. Temos que crer da forma que cremos, ou abandonar nosso princípio fundamental – nosso princípio distintivo – ou seja, que a religião é uma coisa de luz, e não de escuridão; uma coisa para ser investigada, julgada, interpretada à luz da razão.

Uma outra doutrina abraçada por uma crescente proporção dos unitaristas é a doutrina de que Jesus não era Deus, nem um ser meio Deus e meio homem, mas que ele tenha sido simplesmente um homem – um grande e providencial homem, que surgiu para fazer uma obra religiosa para o mundo, uma como a que Homero fez para o mundo na poesia, ou Platão na filosofia, ou Bacon na ciência. Um homem continental, um Mont Blanc dentre os homens, mas ainda assim apenas um homem. Por que cremos nisso? É essa uma doutrina que o Unitarismo no começo estabeleceu como um postulado, dizendo: “Tornarei esta uma de minhas bases, que a ninguém será permitido mover”? Não, de forma alguma. Nada assim foi feito. Ao contrário, esta doutrina, como aquela mencionada antes, da unidade de Deus, resultou do princípio de que religião verdadeira deva ser racional, e de que o método científico deva ser aplicado à religião como a qualquer outra coisa. Ao aplicar este princípio, o resultado foi inevitavelmente alcançado, apesar de tê-lo sido feito relutantemente. No começo muitos unitaristas pararam na casa do meio, e disseram que Jesus, apesar de não ser Deus, era um super-humano – um ser angélico ou super-angélico. Na verdade, muitos ainda abraçam esta doutrina a seu respeito. Mas para mim, esta doutrina parece, no mínimo, ilógica; nosso princípio a condena a desaparecer. Todas aquelas pessoas no mundo que acreditariam numa religião irracional como sendo racional, e que dizem que a religião seja algo sobre a qual não se deva aplicar os métodos científicos de investigação, quase que certamente continuarão a crer que Jesus Cristo era Deus; mas aqueles que não conseguem consentir no divórcio entre a religião e a razão, e que se mantenham fiéis ao princípio de que a religião apenas se mostre mais claramente verdadeira se for examinada mais profundamente, creio que não possam discordar da posição que declarei ser a posição unitarista legítima, a de que Jesus foi um homem – um grande e providencial homem, que veio no tempo de Deus para levar uma grande parte da raça à uma religião mais pura e melhor do que o mundo tinha conhecido antes.

O passado distante do Velho Mundo, como temos aprendido das pesquisas dos estudiosos nos campos da filosofia e da história antiga, e das literaturas e religiões dos antigos povos da Europa e da Ásia, está cheio de relatos de encarnações, concepções miraculosas, deuses habitando na terra, homens descendendo dos deuses, seres metade homens e metade deuses, e coisas do tipo. Mas não nenhuma delas que resista ao toque da investigação científica cuidadosa. Descobre-se que esses contos são meros mitos e fantasias de uma era crédula e não-científica. Da mesma forma, as noções da Cristandade de que Jesus tenha sido concebido miraculosamente, e que descenda de Deus sem que tenha um pai humano, e que seja uma combinação do infinito Deus e de um homem finito, não passam pelo teste de uma crítica confiável. Há pouquíssimas passagens no Novo Testamento que, sob qualquer interpretação sensata, possam dar o mínimo de apoio a tais noções a respeito de Jesus. E as poucas que há podem certamente ser consideradas errôneas mais facilmente do que podemos supor que coisas tão anormais tenham ocorrido, tão contrárias à toda a experiência humana. Certamente não é científico nem racional rejeitar como algo não digno de investigação cuidadosa as narrativas hindus de encarnações, e as narrativas gregas de personagens meio-deuses, meio-humanos, e ao mesmo tempo, com as evidências insignificantes que temos (que muitos dos melhores estudos e críticas de nossa era declaram não ser evidência alguma), continuarmos afirmando que houve uma encarnação real do Grande Jeová dentre os judeus da Palestina, e que Jesus era Deus e homem.

Mas não vou me alongar neste ponto. Meu pensamento simples é que a idéia que nós Unitaristas temos a respeito de Jesus não é uma idéia que delimitamos como parte de um credo imposto que construímos para nós mesmos, ou qualquer outra coisa deste tipo. É simplesmente a idéia à qual nosso princípio (que a religião e a razão devam andar de mãos dadas em todas as circunstâncias e que o método científico deva ser aplicado à religião como a qualquer outra coisa) tem irresistivelmente nos levado. Em outras palavras, nosso Jesus, como afirmamos, é o Jesus da história verificada, o Jesus da investigação, o Jesus da razão, o amoroso, sábio, devoto, heróico, o Jesus-homem grandiosamente inspirado, que permanece depois de as nuvens que a superstição, e mito, e especulação teológica ao seu redor tiverem desaparecido – e ele mesmo, em seu próprio ser apareça.

Outra doutrina que nós Unitaristas temos em comum é a doutrina da dignidade da natureza humana – a doutrina de que o homem por natureza não é corrupto, depravado, nem incapaz de fazer qualquer coisa agradável ao céu – mas que ele tem em si mesmo naturalmente muita coisa boa. Por que cremos nisso? Porque os fatos nos compelem a fazê-lo. Olhamos para nossa própria terra, não apenas dentro das igrejas, mas fora delas, não apenas dentre cristãos professos, mas dentre aqueles que não professam nenhuma religião; não, olhamos para além de nossa própria terra, até mesmo para países onde o Cristianismo, como tal, é desconhecido, e em todos os lugares vemos homens e mulheres praticando ações benignas, amorosas, belas, nobres – os tipos de ações que Jesus sempre ordenava, os tipos de ações que chamamos de cristãs quando vemos serem praticadas por outros cristãos professos. Nós Unitaristas afirmamos, portanto, que elas sejam essencialmente ações cristãs, e que a religião pura e o verdadeiro cristianismo sejam algo nativo ao coração do homem. Dessa forma, a humanidade não pode ser por natureza – como as Confissões de Fé de pelo menos duas das principais denominações ortodoxas do país afirmam - “morta no pecado, completamente maculada em todas as suas faculdades e partes da alma e do corpo”, “oposta a todo o bem, e plenamente inclinada ao mal”. Dizer isso é contradizer não apenas os melhores ensinamentos da Bíblia, mas também os fatos como estes aparecem em todos os lugares da terra aos olhos de todo homem não-preconceituoso.

Outra doutrina que nós Unitaristas abraçamos é a de que a Bíblia não seja um livro homogêneo, com todas as suas partes sendo de igual valor, mas que ela seja uma coleção de muitos livros, escritos em épocas muito diferentes, e por homens diferentes, e por diferentes motivos, e que sejam de diferentes níveis de exatidão e autenticidade, e que com o passar das eras estes livros se juntaram em sua forma presente, e que ninguém saiba exatamente como; alguns dos livros se ocupam principalmente com genealogias hebraicas e tais coisas que não poderiam ser de muito valor fora do povo judeu; outros daqueles livros contêm relatos e declarações que nossa ciência moderna nos diz não poderem ser possivelmente corretos, e que somos, portanto, obrigados a descartar; outros, ainda, como os Salmos, o Livro de Jó, Isaías, os Evangelhos, e algumas das Epístolas de Paulo, estão repletos das maiores e mais elevadas verdades e inspirações religiosas que Deus deu ao homem. Então, vamos à Bíblia como a uma mina de ouro – não querendo dizer com isso que tudo que encontramos lá seja como ouro, mas admitindo livremente, como a investigação honesta e cândida nos compele a fazer, que algumas das coisas que encontramos sejam pedras, e um pouco de areia, e um pouco do quartzo que segura o ouro, enquanto que outras coisas – e uma grande quantidade – é o próprio ouro, precioso e indestrutível. Isso é o que nós, como Unitaristas, cremos a respeito da Bíblia.

E por que cremos nisso, em vez de crermos na teoria “ortodoxa” predominante da infalibilidade perfeita de todas as partes e palavras da Bíblia? Simplesmente porque não há nenhuma outra alternativa para nós. Somos obrigados a crer nisso, caso contrário fecharíamos nossos olhos e nos recusaríamos a receber a luz que a ciência e os estudos nos estão trazendo.

Nós Unitaristas também abraçamos uma doutrina diferente a respeito de Revelação da que geralmente é abraçada em outras denominações. Cremos que Deus não tenha se revelado simplesmente uma vez, e isso no passado distante, mas que Ele tem se revelado sempre desde o início da história humana, e que ainda esteja se revelando – na Bíblia, em outros grandes livros das eras, na história humana, em toda a natureza desde o grandioso sol ao menor dos insetos, na mente e no coração humanos, e que com o passar das eras, com o crescimento da ciência, com o homem alcançando realizações mais elevadas na civilização e na cultura espiritual, Ele se revelará ainda mais.

Outra de nossas doutrinas é a que a inspiração não seja algo trancado em um livro, ou confinado a qualquer era ou povo, mas é uma coisa perpétua e viva, pertencente a todos os tempos e a todos os povos, que agora, hoje, e aqui na América, da mesma forma como há dois ou três mil anos, ou na Palestina, o Infinito Espírito de Sabedoria, e Amor, e Paz aguarda vir com sua inspiração a toda alma devota e sincera.

Outra doutrina nossa é que a salvação não é algo que possa ser transferido de uma pessoa a outra, ou que possa ser comprado para nós por qualquer ser exterior a nós próprios. Em vez disso, a salvação é uma questão de caráter e vida, que cada homem deve realizar por si próprio. A virtude é salvação; o vício é perdição. Todo homem é responsável por si mesmo, e sua culpa não pode ser transferida para outro. Deus não pode manter toda a raça humana culpada pelo que Adão fez – é inacreditável. Mesmo que Jesus não tivesse guardado as leis de Deus tão perfeitamente, isso não teria teria nenhum peso para ninguém mais a não ser ele mesmo. Ser salvo não é aceitar um acordo, mas obedecer todas as leis do seu próprio ser – físicas, mentais, morais, espirituais. E tal obediência não assegura uma salvação em um céu distante apenas. É salvação aqui e agora.

Outra de nossas crenças é que “Deus é o mesmo ontem, hoje, e sempre”, e que, portanto, se Ele é complacente com todos os seus filhos humanos agora, neste mundo, Ele não será menos complacente conosco no próximo mundo. Se Ele é o Pai de todos nós aqui, Ele será o Pai de todos nós lá, e nada jamais poderá nos arrancar de Sua mão ou Seu coração.

Outras doutrinas nos diferem em grau maior ou menor de outras seitas ao nosso redor, mas essas que mencionei são as principais. Estas dão uma idéia tão boa quanto possível para eu dar do que é que defendemos como um grupo. Como disse, nosso princípio central é que o mesmo Deus que fez nossas mentes e ordenou-as a pensar, que fez nossos corações, e ordenou-os a amar e adorar, e que nenhuma religião pode possivelmente ser verdadeira se não passar pelo teste da investigação, e cuja divindade não se torna mais aparente ao se jogar sobre ela toda a luz que pudermos conseguir. Cremos ser a ciência tão amiga da verdadeira religião quanto inimiga da falsa religião e da superstição. Cremos ser a razão um dom de Deus, e não do diabo, e algo que nós não apenas podemos, mas devemos exercitar em se tratando de religião, ou afundaremos em superstições tão falsas quanto o inferno – e que insistem em chamar de religião. E tenho me esforçado para mostrar que todas as nossas doutrinas a respeito de Deus, e Jesus, e da Bíblia, e da revelação, e da inspiração, e da salvação, e das recompensas e punições da próxima vida, e de todos os outros temas do pensamento religioso, vêm diretamente deste único e grandioso princípio nosso – de, como Paulo diz, “provar todas as coisas, e se agarrar àquilo que for bom”, ou, como declarei neste discurso, “aplicar o método científico” a todas as coisas, incluindo a religião.

Assim vemos que, apesar de o Unitarismo não ter credos, e trabalhar pouco para mero engrandecimento denominacional, e não ter se estabelecido no princípio como uma seita ou fazer a obra de uma seita, mas para realizar a obra de purificação e reforma que deveria alcançar todas as seitas, e afastar-lhes todas de seu sectarismo para algo que fosse maior, mais refinado, e mais permanente, por ser mais natural que quaisquer sectarismos jamais poderão ser, ainda assim, por ter baseado suas reformas animadas e governadas por um princípio central, chegou logo a uma unidade essencial de visões teológicas – uma unidade que sempre manteve, e que deve sempre manter, pois religião interpretada pela razão, ou religião submetida ao método científico, leva necessariamente, como cremos, ao que são essencialmente essas doutrinas das quais falei hoje.

Você duvida que leve a isso? Veja as provas disso dentre as próprias denominações ortodoxas. Diga-me, a ortodoxia da qual ouvimos hoje é a mesma ortodoxia da qual costumávamos ouvir, digamos, vinte anos atrás? Não houve nenhuma mudança? Nenhuma doutrina foi suavizada? Nenhuma caiu para o plano de fundo? Nenhum avanço teológico foi feito? Todos sabemos que houve uma considerável mudança, um considerável avanço teológico, nos últimos vinte anos, e isto, apesar dos esforços opostos mais determinados e persistentes dos teólogos, dos pregadores de mentes mais estreitas e ultra-evangélicos e dos editores das várias seitas ortodoxas, e especialmente dos revivificadores. Em qual direção rumou o avanço? Tem ido, cada parte dele, exatamente em direção ao Unitarismo. A ortodoxia deste país hoje está mais próximo do Unitarismo que era há vinte anos atrás.

E por que não estaria? Não é esta a era científica? Não é uma era de investigação? Não é uma era na qual se está desacorrentando a razão, como nenhuma era anterior jamais foi capaz de fazer? Por que, então, esperar que quaisquer mudanças teológicas que ocorram sigam qualquer outra direção além daquela teologia particular que veio a existir como uma teologia racional – aquela teologia particular que surgiu da grandiosa idéia central da razão na religião?
E assim, amigos, como o Unitarismo hoje se projeta ao futuro, vocês duvidam que ele seja pleno de esperança?

Não que nosso nome, Unitarista, seja algo que necessariamente deva sempre permanecer. Estou disposto a pensar que não permanecerá. Já que, realmente, esse nome não é adequado – é muito estreito para designar propriamente o grande movimento e princípios que defendemos. Tão correto quanto vá: não vai muito longe; não é amplo o suficiente, tem uma aparência muito sectária. Esta é a razão pela qual tão freqüentemente nos designamos por outro nome um tanto mais amplo, Cristãos Liberais. O nome que eu mesmo prefiro, por pensar que nos descreva muito melhor que qualquer outro, é o nome Cristãos Racionais. Entretanto, nomes significam muito pouco neste mundo. A coisa é o que queremos. E a coisa que o nome Unitarista, ou Universalista, ou Cristão Liberal, ou Cristão Racional, ou qualquer outro nome que possa ser aplicado significa, essa coisa não passará; essa coisa, com o aumento do conhecimento, e com o domínio maior da ciência, e com o avanço da civilização, e com a razão se tornando cada vez mais o guia das vidas dos homens, deve se tornar a herdeira do futuro.

CHICAGO, Julho de 1876.

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