Este é mais um ano de eleições em nosso paraíso utópico. Mais um daqueles períodos que se repetem a cada dois anos, no qual teremos de escolher nossos supostos representantes políticos – que, neste ano de 2012, limitam-se à esfera municipal.
Este é um daqueles anos nos quais a face de “lobos” sociais – e sim, deem a essa expressão um sentido bem pejorativo! –, se revestirão duma áurea angelical, tentando fazer com que seus eleitores esqueçam-se da indiferença, incompetência, irrelevância, e mesmo traição, que caracterizaram seu tempo anterior na esfera pública (por eles “privatizada”!). Se isso não é verdade sobre todos aqueles que buscam reeleição, estou convencido de que seja verdade sobre a maioria deles.
Mesmo em muitas igrejas cristãs, esta se torna uma época na qual os sanguessugas do povo se escondem por trás duma máscara de devoção e fé, recitando com seus lábios corruptos e imorais os nomes de Deus, de Jesus, e versículos bíblicos, na imoral esperança de arrancarem os votos dos crédulos desesperançados. Isso me enoja e me enfurece!
Para um unitarista como eu, devoto defensor da absoluta separação entre Estado e Igreja, é vergonhoso que a fé cristã seja maliciosa e imoralmente “politizada”, ao mesmo tempo em que a política é também maliciosa, imoral e corruptamente “cristianizada”. Se é verdade que, individualmente (enquanto cidadãos), os cristãos levarão suas convicções teológicas consigo para a esfera de suas decisões políticas (o que é perfeitamente natural!), isso não significa rebaixar os valores e a linguagem do Evangelho ao discurso do jogo político no tabuleiro de xadrez dos atores do poder. E o mesmo vale na direção oposta: não se pode cuspir nos princípios constitucionais, impondo-se uma falsa interpretação da Liberdade e da Democracia apenas para agradar ao paladar religioso duma certa plateia. Considero isso imoral, além de uma traição dupla – uma desgraça ao espírito da cidadania (se é que isso existe no Brasil!) e um escárnio do espírito cristão (se é que isso existe na Igreja!).
Interessa-me, profundamente, a questão da politização da fé. O termo é problemático, já que a fé cristã per se é uma questão política, considerando-se que só se é cristão pleno em comunidade. Logo, argumentar contra a “politização” da fé cristã pode parecer uma grande contradição. Quando falo em “politização”, entretanto, utilizo esse termo com um sentido mais próximo daquele a ele dado em nossas conversas informais. Assim, politizar a fé seria transformá-la em instrumento para alcançar finalidades políticas (leia-se “politiqueiras”).
A história recente do cenário político brasileiro nos mostra aonde isso nos leva. Os “pastores” tais, os “irmãos” tais, que se aproveitam da incapacidade crítica de seus eleitores – e crítica não apenas no que tange à esfera civil, como também no que concerne à esfera teológica! – para conseguirem sequestrar seu voto, e deleitarem-se na imoralidade que tornou-se sinônimo da política nacional! Os corruptos pseudo-cristãos que formaram uma bancada imoral no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas estaduais, e nas câmaras municipais Brasil afora para defenderem não as causas de seus eleitores, mas as causas de seus interesses pessoais por poder e fortuna. É a “política gospel” brasileira, e ela me enoja!!!
Não pensem, contudo, que apenas cristãos fundamentalistas e conservadores, ou evangélicos semianalfabetos se engajam – mesmo que indiretamente – nesse tipo de empresa herética por meio de seus votos e/ou ativismo. Nós, cristãos liberais e moderados, constantemente cometemos erros semelhantes – mesmo que nossas intenções pareçam mais nobres (direitos iguais para cidadãos LGBTs e para mulheres, proteção do meio ambiente, etc).
Lembro-me, por exemplo, das discussões que tivemos para decidir se nossa congregação – enquanto instituição – apoiaria uma tradicional passeata organizada por entidades que se apresentam como representantes da comunidade LGBT em nossa cidade. Por eu ser abertamente gay para nossa comunidade de fé, alguns entre nós pensaram que me poria em favor de nossa participação. Aparentemente, não compreendiam o fato de eu apoiar a clássica compreensão unitarista de separação dos cenários religioso e político.
No contexto desse exemplo da “Parada da Diversidade”, aquelas entidades não estavam lá para defender ou apoiar as mesmas coisas que nós, como comunidade de fé, defendemos e apoiamos. Sim, nós pregamos a igualdade de direitos para todos os cidadãos. Sim, nós pregamos a tolerância e a apreciação àqueles que diferem de nós. Sim, nossa comunidade tem há anos celebrado a presença e plena participação de indivíduos LGBTs entre nós – e eu, melhor que ninguém, posso testificar disso. Mas nós, enquanto comunidade cristã, assim o fazemos por compreendermos que nossa fé nos conclama a isso: Cristo nos chama a amar e receber a absolutamente todos – é assim que nós unitaristas e outros cristãos liberais interpretamos nossa fé cristã. O que motiva eventos como a tal Parada não é isso; sua bandeira política não se encaixa perfeitamente com a bandeira teológica desta comunidade de fé enquanto instituição.
O mesmo se aplica a questões como movimentos de trabalhadores rurais, movimentos feministas, e movimentos ambientais. Mesmo que cada um desses pareça defender causas nobres – que, em muito se assemelham a alguns de nossos princípios teológicos –, suas motivações residem em algumas visões e anseios políticos que contradizem a essência da teologia de nossa comunidade de fé (novamente, enquanto instituição, já que, individualmente, somos livres para defendermos as ideias que quisermos). Por essa razão, julgo como sábia a decisão desta congregação de não se envolver institucionalmente em atividades explicitamente políticas como essas, apesar de sempre incentivá-los a, individualmente, serem cidadãos politicamente ativos e se engajarem nas causas políticas nas quais acreditam.
Creio que a melhor coisa que esta igreja pode fazer para ajudar o Brasil é continuar a ensinar a mensagem cristã como a compreendemos. Enquanto instituição religiosa, essa é nossa missão e nosso dever. A mensagem do Evangelho, como a compreendemos, juntamente com toda instrução secular possível, ensinará nossos filhos a serem bons vizinhos, amantes da Liberdade e da Democracia, cidadãos honrados que defenderão os direitos constitucionais democráticos e que cumprirão suas obrigações civis de acordo com os ditames de sua consciência individual. Essa é a melhor contribuição política que podemos fazer a este país e ao mundo. Não precisamos politizar nosso cristianismo, nem cristianizar nossa política.
Como o próprio Jesus supostamente ensinou: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:17-21).
+Gibson
(Congregação Unitarista de Pernambuco – 27 de julho de 2012.)