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Hoje,
mais uma vez, iniciamos o curso preparatório para a recepção de
novos membros em nossa Congregação. Sempre fico muito feliz quando
tenho a oportunidade de facilitar esse curso. É a maior chance que
tenho para conhecer mais proximamente aqueles que têm a intenção
de se tornarem membros desta igreja. É a chance que tenho para lidar
com questões sobre as quais, talvez, ainda não tenha pensado, e,
assim, ter mais ideias a serem discutidas em momentos como este.
Uma das
coisas com as quais qualquer membro novo desta Congregação tem que
lidar é nossa tradição de liberdade de consciência,
que é o sentido básico do adjetivo “liberal” que
utilizamos orgulhosamente como sinônimos de nossa tradição
Unitarista. Essa liberdade pode ser assustadora para muitos que
intentam juntar-se a nós; e, é bom que reconheçamos, pode se
tornar um problema para alguns deles também!
Somos uma
igreja cristã. Em muitos sentidos, somos, enquanto comunidade de fé,
muito semelhantes a outras igrejas cristãs. Estudamos a Bíblia, e
seguimos um lecionário cristão tradicional. Temos liturgias
riquíssimas em poesia e tradição. Usamos símbolos cristãos em
nossa capela. Seguimos o calendário do Ano Cristão em nossa vida
comunal. Celebramos sacramentos ou ritos cristãos tradicionais, como
Batismo e Comunhão. Enfim, temos muitas semelhanças com outras
comunidades cristãs, especialmente com aquelas mais tradicionalmente
litúrgicas! O que, então, distingue-nos – nós Unitaristas – de
outras tradições cristãs?
A
resposta que essa comunidade tem dado em seus 79 anos de história
aqui em Pernambuco é ouvida em alto e bom som na canção que
acabamos de ouvir de nosso coral: “Liberdade”! Essa é, na
compreensão desta comunidade, a grande diferença. Essa resposta
está também no lema desta Congregação: “Mentes abertas, mãos
abertas, corações abertos”. Esse é o sentido primordial que esta
comunidade atribui à sua tradição Unitarista.
Essa
liberdade, entretanto, não é algo fácil e simples. O liberalismo
que essa comunidade celebra como seu não é sinônimo de “Faça o
que quiser, contanto que não seja o mal” – que é o que muitos,
erroneamente, interpretam ser o Unitarismo. Não. Nosso liberalismo é
uma atitude consciente, racional, seletiva, fiel e íntegra para com
nossa tradição cristã. Esta comunidade está ancorada numa
tradição teológica que nasceu no século dezesseis no leste
europeu, atravessou o continente, chegou à América do Norte no
século dezoito, e se instalou no Brasil no século XX. Nosso
liberalismo fala o idioma duma tradição protestante litúrgica,
cuja janela para a realidade é a linguagem metafórica da Bíblia, e
cujo caminho para Deus está em Jesus. Nosso liberalismo prega uma
união que não está ancorada numa concórdia imposta por credos ou
confissões. Nesta comunidade de fé, não esperamos que todos
acreditem exatamente na mesma coisa, que cheguem todos às mesmas
conclusões; o que esperamos é que entre nós tenhamos um espírito
de koinonia,
de comunhão, de comunidade ampla; um espírito de inclusão, e de
hospitalidade; um espírito cristão! Esse é o sentido que damos à
nossa tradição!
Quando
pessoas vêm a nós de outras tradições de fé, se assustam um
pouco com o fato de haver tantas compreensões diferentes aqui. Certa
vez, por exemplo, alguém me disse que imaginava que ser um
Unitarista fosse não acreditar no dogma da Trindade, mas que quando
conversou com algumas pessoas aqui, percebeu que muitos entre nós
eram trinitaristas! Tive, então, de explicar àquela jornalista que
o Unitarismo não se distingue de outras tradições cristãs por
causa de sua compreensão de Deus ou de Cristo; o que historicamente
nos distingue de outras tradições é nossa ênfase na liberdade de
consciência! Essa liberdade de consciência, entretanto, se
movimenta dentro da tradição cristã. Assim, podemos chegar a
diferentes conclusões acerca da natureza de Deus, mas – em nossa
tradição –, nossas conclusões serão articuladas numa linguagem
cristã. Para nós, essa linguagem cristã inclui as Escrituras, a
tradição da Igreja, a filosofia ocidental, as descobertas
científicas, as artes modernas, e o Espírito que dá vida à busca
humana por verdade.
Nesta
comunidade, encontramos pessoas dos mais diferentes tipos, dos mais
diferentes backgrounds
sociais e teológicos. Aqui há não-trinitaristas e trinitaristas,
teístas e não-teístas, crentes e agnósticos. Entre nós há
aqueles que enxergam os elementos da Eucaristia que partilharemos em
alguns minutos como apenas símbolos dum ofício realizado por Jesus
há dois milênios atrás, e há outros que os veem como portadores
da presença de Cristo entre nós. Alguns de nós falam em
sacramentos, outros em ritos. Alguns estenderão suas mãos para
partilhar do pão e do vinho, outros preferirão receber uma benção.
Há até pessoas não-exclusivamente cristãs entre nós, já que
alguns de nós mantemos laços com a tradição judaica – alargando
nossa linguagem cristã para uma linguagem judaico-cristã!
Toda
essa liberdade, que pode ser muito confusa para alguém que tem um
primeiro contato com os Unitaristas, exige um grande senso de
integridade intelectual de nossos membros! O Unitarismo não oferece
respostas fáceis! Geralmente não falamos em milagres, em salvação,
e em vida após a morte, com a mesma frequência ou o mesmo sentido
que em outras comunidades. Daqui deste púlpito, geralmente não
tratamos de temas dogmáticos, em grande parte, em respeito pelas
diferenças de opinião entre nós. Quando um Ministro desta igreja
fala sobre algo deste púlpito, ela ou ele tem a responsabilidade de
lembrar-se da diversidade teológica entre nós, e falar num tom de
respeito para com aqueles que são parte de nossa família, ao mesmo
tempo em que é íntegra e íntegro a suas próprias convicções
pessoais. E isso pode ser muito assustador para alguém que vem de
outra tradição. Mas esse é o espírito desta comunidade!
Ser
Ministro duma congregação tão diversa como esta nem sempre é a
coisa mais fácil do mundo, mas é o desafio mais surpreendentemente
maravilhoso que qualquer Ministro cristão – especialmente um
Unitarista Anglo-Luterano como eu – pode experienciar. E, até onde
posso perceber, é uma experiência surpreendentemente maravilhosa
para a maioria daqueles que fazem esta pequena família. Espero poder
encontrá-los em nossa próxima aula, e poder conversar com alguns de
você mais de perto!
+Gibson
(Congregação
Unitarista de Pernambuco, 11 de novembro de 2012)
Não paro de me surpreender e me encontrar no seus textos. Realmente, essa liberdade assusta, mas ao mesmo tempo arrebata. Tenho muito desejo de conhecer a comunidade de vcs e, afinal de contas, Recife não é tão longe de Maceió(minha cidade).Seria interessante um contato com vcs. Bom, enquanto isso, tenho algo a te perguntar. Sabemos de todos os entraves que impedem que as narrativas bíblicas sobre Jesus e seus milagres, e seus discursos sejam aceitos com factuais(li o livro do Erman, indicado por vc), mas para fins didáticos, como vc, particularmente, faz os recortes daquilo que reproduz como "verdade" bíblica? Afinal de contas o mesmo Jesus que disse que devemos amar ao próximo como a nós mesmos, pelo menos em tese, foi o mesmo que disse que para herdarmos a vida eterna deveríamos crêr que o Pai o enviou.A ideia de um Deus teísta está implícita no discursos de Jesus; recompensa por uma vida devotada a esse Deus, o castigo por uma vida de pecado... Todas essas questões dogmáticas que servem como base para a maioria das religiões ditas cristãs, parecem não ser tão importantes para vcs unitaristas enquanto grupo. Creio eu que talvez gere até um certo constrangimento, se tais assuntos forem abordados no grupo, diante da diversidade de crenças entre vcs. Portanto, volto a abordar a questão inicial com mais um exemplo:o mesmo Paulo que disse que onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade e que incentivava pessoas a repartirem o que tinha com os pobres é também o mesmo que falava sobre ressurreição.Que resposta vc daria a alguem que sugerisse que vc enfatiza aquilo que lhe convém e descarta o aquilo que desfavorece suas ideias ou modo de pensar? Não sei se me fiz entender.
ResponderExcluirAbraço.
Olá Sarah!
ResponderExcluirFico feliz que você continue a participar deste espaço. Como minha resposta é um pouco longa, postei-a num tópico aparte: http://cristianismoprogressista.blogspot.com.br/2013/04/uma-resposta-amiga-sarah.html
+Gibson