“Não julguem, e
vocês não serão julgados; não condenem, e não serão condenados;
perdoem, e serão perdoados.”
(Lucas 6:37)
Ele gritava
freneticamente palavras de condenação. Deus, para ele, estaria
furioso com a humanidade, e, por isso, enviava sinais de Sua ira para
que nos arrependêssemos de nossos pecados antes que não tivéssemos
mais tempo para tal. A ênfase na “moralidade” sexual era clara,
já que era praticamente apenas sobre isso que ele falava…
Testemunhei essa cena num
lugar público da cidade. Mas também poderia ter sido num ambiente
mais privado duma igreja, ou através da televisão, das ondas de
rádio, ou por meio da internet. Esse tipo de cena se torna cada vez
mais comum no universo cristão brasileiro. O Cristianismo é
sequestrado e traído por um ambiente político cada vez mais
polarizado.
O que mais me incomoda em
tudo isso é que a mensagem cristã – sim, o Evangelho – parece
ter sido transformada de um chamado à salvação em uma
afirmação categórica de condenação. Jesus parece não ser
mais, para esses pregadores presentes nas mais diferentes tradições
cristãs, o Salvador do homem; ele parece ser, ao menos para esses
anunciadores do desespero, o condenador do mundo – aquele que trará
a fúria divina, o fogo e enxofre do sofrimento, para aqueles que não
aderem à sua [i.e., desses pregadores] interpretação específica
do Cristianismo! É importante reconhecer que essa não é uma
atitude nova – ela é recorrente, em diferentes momentos
históricos, e não apenas na tradição cristã –, mas essa ênfase
numa teologia da condenação não deixa de ser tristemente
equivocada, a despeito de sua permanência na história do
Cristianismo. [Por outro lado, é bom que eu deixe claro aqui que a
ênfase excessiva na bondade humana dada por nós cristãos liberais
também pode ser equivocada, já que pode nos levar a uma aparente
– sim pois é aparente apenas – tolerância àquilo que atenta
contra a dignidade humana; então, os excessos são cometidos por
todos nós, apesar de aqui eu estar me debruçando apenas sobre um
desses equívocos.]
Como um discípulo do
rabino galileu, vejo Jesus de Nazaré como meu “Salvador”,
independentemente do sentido que atribuo ao termo. Diferentemente da
maioria dos demais cristãos, vejo a salvação
oferecida por Cristo não como uma expiação pelos meus pecados, e,
assim, não apenas
como relacionada com sua “morte e ressurreição” – apesar de
essas duas palavras serem essenciais à narrativa que se construiu em
torno de Jesus e de sua importância para a emergência do movimento
que se organizaria posteriormente em torno de sua memória –, mas
por meio de seus ensinamentos e de seu exemplo. Geralmente, não
penso em Jesus como alguém que morreu por mim, mas como alguém que
viveu por sua halakha
e que, assim, tornou-se meu caminho para Deus. Seja como for, Jesus
representa salvação, e não condenação; vida, e não morte.
Então, quando alguém prega um Jesus de ódio, um Jesus condenador;
quando alguém transforma a halakha
de Jesus – aquele
caminho da compaixão, a via do sola caritas
– num sinônimo de fúria e ira, de condenação e
incompassividade, de pena de morte, então esta pessoa está, para
mim, dando voz àquele discurso que os Evangelhos dizem ter Jesus
condenado. Se trata de uma traição à tradição atribuída ao
grande Rebbe galileu.
Sim,
acredito que o mal deva ser condenado. Os seguidores de Jesus devem
continuar a condenar aquilo que viola a dignidade do ser humano: a
violência, a injustiça, a corrupção – e, talvez, alguns de nós
tenhamos discordâncias sobre quais sejam essas coisas numa vida cada
vez mais complexa –, mas essa condenação
não significa nos tornarmos juízes da vida de outros seres humanos,
como se fôssemos a encarnação da pureza e da divindade e os outros
fossem os “pecadores”. Prefiro pensar a condenação
do mal no mundo como um testemunho em nossas ações da compaixão
que somos convocados a compartilhar com todos os seres humanos e com
toda a criação. Assim, mais “cristão” do que apontar os
“pecados” alheios seria abrir os braços para aquele que julgamos
estar “perdidos” (só para repetir o termo utilizado pelo
“pregador” que citei no início desta conversa). É assim que
compreendo a mensagem atribuída a Jesus – um caminho de compaixão
absoluta, aqui e agora. Para mim, é assim que Jesus nos salva –
apontando para a necessidade de uma interdependência e de uma
religação entre cada um de nós, já que perdão e compaixão
dependem da presença do outro [o que torna a fé cristã algo que só
pode ser posto em prática em nossa relação com as pessoas, com
absolutamente todas elas!].
+Gibson
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