Numa conversa muito
agradável com um grupo de jovens universitários – i.e., pessoas
mais jovens que eu –, ouvi as inquietações que frequentemente
abatem a confiança que esses têm em sua tradição de fé. Na visão
daqueles meus amigos, seria difícil confiar numa instituição
religiosa – i.e., na igreja
– que estaria associada a tudo aquilo que aprenderam ou
experienciaram ser opressivo ou corrupto; assim como seria impossível
acreditar em fórmulas de fé que contradizia o que conheciam sobre o
mundo. Para eles, o que compreendiam ser a fé cristã tornara-se
irrelevante.
Aquele
tipo de inquietação não me é estranha. Em primeiro lugar, não
estou tão distante assim da idade daqueles meus amigos – que estão
entre os vinte e os vinte e cinco anos de idade, e eu em meus trinta
e quatro –, logo, posso lembrar-me claramente das transformações
psíquicas e intelectuais pelas quais passamos àquela altura da
vida, quando estamos nos aventurando nas correntes de novos
conhecimentos, novas experiências de vida e novas escolhas que nos
marcarão profundamente. Ademais, lido constantemente com os relatos
de experiências semelhantes na vida de outros jovens com os quais
converso ou me correspondo. Assim, estou sendo plenamente honesto
quando lhes digo que não estão sozinhos quando passam por aquelas
correntezas de sentimentos de dúvidas e incertezas. Esses
sentimentos são naturais e, acredito, necessários ao nosso
crescimento intelectual e espiritual; e, mais importante, não são
nada de que tenham de se envergonhar.
Para
que eu seja o mais direto e objetivo possível, deixem-me declarar
que confio plenamente na
relevância da fé cristã para nosso mundo.
O Cristianismo oferece uma narrativa do sagrado que tem moldado
positivamente a vida de milhões de pessoas há pelo menos dois
milênios – que continua a oferecer uma jornada espiritual a
incontáveis pessoas no mundo contemporâneo. O Cristianismo tem me
oferecido uma narrativa do sagrado capaz de construir uma corrente de
relações entre minha vida e o Divino, oferecendo-me uma
interpretação vivificante para a realidade que experiencio. Em
termos mais seculares, por exemplo, é fácil esquecermos que nossas
instituições ocidentais de direitos humanos, cidadania, liberdade
etc, emergem dum imaginário judaico-cristão. O sentimento
anticlerical da modernidade fez com que, ingenuamente(?),
desassociássemos essas instituições da herança
greco-romana-abraâmica na qual foram moldadas. Ouso supor que
aqueles traços “ocidentais” só vieram à tona da forma e no
tempo no qual passaram a existir por haverem emergido em sociedades
cristãs – o que teria ocorrido não tivesse o Cristianismo se
casado com o pensamento greco-romano no mundo Mediterrâneo, e
vice-versa? O cinismo característico de nossa atitude intelectual
moderna se nega a reconhecer essas associações, mas elas estão lá!
Penso
que o problema que alguns de nós encontramos para achar sentido no
Cristianismo, ou em qualquer uma das outras duas tradições
jordânicas – i.e., o Judaísmo e o Islã –, é o de termos sido
“treinados” para associar a fé a crenças dogmáticas e a
definições objetivas duma suposta realidade teológica.
Acostumamo-nos a declarações como “Deus disse”, “a verdade
é”, “só Jesus salva” etc, mas não a descobrir novos níveis
de sentido para essas declarações. “Deus” torna-se um problema,
então, não porque Deus seja um problema, mas simplesmente porque
fomos treinados a compreender o Divino como se fora um rei
absolutista ou uma equação matemática. A “verdade”, nesse
sentido que aprendemos a dar ao Cristianismo, é algo que pode ser
equacionado, metrificado, verificado, quantificado – é, enfim, um
absoluto. Então, se minha experiência me leva a compreensões que
contradigam essa “verdade”, Deus e, consequentemente, o
Cristianismo deixam de fazer sentido e tornam-se irrelevantes.
A
coisa mais relevante sobre a tradição cristã é que ela, na
verdade, são várias tradições. Não há algo que possamos chamar
de Cristianismo único – para mim, há Cristianismos, no plural.
Com isso quero dizer que há várias maneiras diferentes de
compreender a mensagem cristã, e que nós, cristãos, podemos
experienciar algo como aquilo sobre o qual fala Brian McLaren, em seu
“A Generous Oxthodoxy”, quando aponta diferentes perspectivas em
diferentes tradições cristãs que formam seu eu cristão pessoal.
Em minha experiência Unitarista-Anglicana-Luterana (não
necessariamente nesta ordem sempre), com a forte presença judaica,
consigo uma latitude interpretativa maior para minha própria vida.
Posso reler a narrativa cristã a partir de diferentes posições no
espectro teológico, enxergando Deus duma perspectiva nova,
descobrindo um novo nível de sentido para uma declaração atribuída
a Jesus ou a um dos apóstolos, por exemplo. Assim, não são os
detalhes minuciosos que passam a ter relevância, mas a Realidade
para a qual a metáfora aponta: por exemplo, não faz diferença se
Jesus ressuscitou a um homem morto, mas sim a cadeia de sentido que
está por trás desse relato etc.
O
Cristianismo é relevante para mim por ser um testemunho do caminho
da Compaixão. Esse caminho é o que tenho chamado de sola
caritas – o amor, a caridade,
a compaixão é o único caminho que nos leva a Deus. Dizemos que
Jesus é esse caminho porque ele nos aponta – na verdade, exige que
sigamos – o caminho da Compaixão; assim, seguir a Jesus é seguir
o caminho que ele percorreu: é viver pela presença do Divino aqui e
agora, é ser essa presença para outras pessoas. Para mim, não
outra mensagem mais relevante que essa, já que seu chamado não é
para que eu largue minhas dúvidas ou inseguranças, mas sim, para
que eu faça, para que eu ame, para que eu “caminhe”.
Não
posso definir Deus. Não consigo encontrar uma maneira
suficientemente ampla para falar sobre essa Realidade dentro da qual
tenho minha existência. Também não consigo estar sempre acima da
dúvida e dos questionamentos, quando presencio o sofrimento e a dor
daqueles que amo e minhas próprias. Mas escolho pensar que se há
verdade, essa tem de se materializar em nosso dia a dia, por isso –
como me ensinou um sábio mestre –, tenho de trazer Deus para
dentro da realidade do mundo (não necessariamente Deus como um ser,
mas Deus como a compaixão ensinada pelo rabino galileu). O
mandamento de “restaurar o mundo” – e a vida daqueles cristãos
celebrados como santos é um exemplo disso – torna-se o padrão por
meio do qual avalio o valor da mensagem cristã; uma mensagem que
escolho interpretar como um caminho, um modo de vida.
Tenho
certeza que vocês também podem encontrar uma forma de o
Cristianismo ser relevante em suas vidas, ao mesmo tempo em que
conseguem se manter intelectualmente íntegros.
+Gibson
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