Eu
estava sentado lá, entre dezenas de outros estrangeiros, quando a Igreja
Protestante Internacional de Islamabad foi atacada naquela manhã de
domingo. O fato de todos nós, cerca de 80 pessoas, estarmos num
culto cristão não nos protegeu da violência motivada por um
fanatismo etnocêntrico/religioso. O fato de estarmos a menos de um
quilômetro da embaixada dos EUA, o maior aliado do governo
paquistanês, e a apenas alguns metros de outras embaixadas
estrangeiras, não nos protegeu daquela violência. Talvez, olhando
para aquele terror que testemunhei 13 anos atrás, poderia
consolar-me afirmando que Deus não nos pôde proteger fisicamente
porque a violência é um produto humano, e não divino. Afinal, são
os homens que se desrespeitam, odeiam e matam em nome da Divindade e
de suas crenças e livros sagrados.
Tenho
me esforçado ao longo de todos esses anos para esquecer tudo aquilo
que vi, ouvi e senti naquela manhã. O barulho de explosões, os
gritos, o pavor, os mortos e feridos – tudo aquilo parecia ser uma
peça num processo de desumanização do qual, conscientes ou não,
nos tornáramos parte. Meu esforço para esquecer, entretanto, parece
violar a aliança que fiz comigo mesmo de transformar aquelas
memórias em um lembrete do que eu queria ser: um ser humano – um
ser que só pode continuar a ser se os outros ao meu redor também
forem, independentemente de eu concordar ou não com o que queiram
ser.
Nos
últimos dias, entretanto, aqueles velhos fantasmas do passado –
que ninguém que não tenha estado em situações semelhantes pode
compreender plenamente – parecem ter retornado à memória. Para
mim, as notícias sobre a violência contra uma menina candomblecista
no Rio de Janeiro, Brasil, e sobre o terror numa igreja de
Charleston, EUA, serviram como um lembrete maldito. As razões
parecem ter sido diferentes, o número objetivo de vítimas foi
diferente, mas a natureza desumanizante em ambos os casos foi a
mesma. Parece que para humanos desumanizados, os que são diferentes
devem ser varridos da Terra para que apenas aqueles que se pareçam
ou sejam como eles possam habitá-la. E isso se faz presente em
nossos discursos etnocêntricos – seja na política ou na religião.
No
que concerne especificamente ao caso brasileiro, é simplesmente
indignante ver a fé e os símbolos cristãos associados a uma
violência contra uma criança por ela professar uma fé diferente.
Contra essa violência aos símbolos cristãos – já que vejo a
utilização da Bíblia ou dos nomes de Deus e Jesus como desculpas
para uma violência de intolerância religiosa como um desrespeito
aos “símbolos” religiosos do Cristianismo – não vi nenhum
manifesto por parte daqueles mesmos que condenaram a encenação da
crucificação na Avenida Paulista. Para mim, os que se dizem
seguidores de Cristo e semeiam o desrespeito, discórdia e ódio
contra aqueles que professam uma fé diferente da sua parecem ter
fechado os olhos para aquelas palavras que se atribuem ao próprio
Jesus:
“Tudo
o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês
também a eles. Pois nisso consistem a lei e os profetas.”
(Mateus 7:12)
Realmente,
é minha oração que um dia possamos – todos nós, inclusive eu –
olhar para o outro com o mesmo respeito e amor que nossas múltiplas
tradições de fé nos ensinam a ter. Creio que se eu, pessoalmente,
for capaz de aprender e praticar isso, poderei finalmente transformar
todas aquelas lembranças em sementes – mesmo que dolorosas –
para minha própria humanização.
+Gibson