Tenho
acompanhado o que alguns sacerdotes e leigos católicos romanos
autoidentificados como “conservadores” – seja lá o que essa
adjetivação signifique na nova linguagem da teologia política
católica da atualidade – têm escrito a respeito de seu líder
máximo, o Bispo de Roma – o Papa Francisco –, e confesso que
nunca li ou ouvi tantas incoerências. Inúmeras vezes, tenho
recebido mensagens de alguns desses “neocatólicos”
(sim, o termo é de minha própria autoria e o explicarei em
seguida), e sinto-me forçado a dizer-lhes que conhecem muito pouco
da tradição que dizem estar defendendo.
Muitos
não compreendem o uso que faço dos termos “católico”
e “neocatólico” que tenho feito em algumas
publicações, discursos e sermões, e por isso vale a pena
explicá-los aqui. Como sempre digo, considero-me um “católico”
ao mesmo tempo que um “protestante”. “Católico”, assim,
possui um sentido aproximado àquele que minhas tradições
unitarista, anglicana e luterana o atribuem, e não o sentido que a
maioria dos leigos lhe concederia. Em meu caso, chamar-me de
“católico” não é o mesmo que dizer que me encontre em comunhão
com a Igreja Romana e, consequentemente, com o Bispo de Roma. Quando
me identifico como “católico”, quero dizer que subscrevo à fé
da Igreja “católica” (com “c” minúsculo = “universal”,
“global”), que compartilho a fé de todos os cristãos de todas
as épocas e lugares – note que me referi à “fé”, não
necessariamente aos dogmas ou às teologias. É uma declaração
pública de meu espírito e intenções ecumênicos.
Já
o termo “neocatólico”, utilizo para me referir
especialmente àqueles leigos que recentemente se reaproximaram do ou
se converteram ao Catolicismo Romano, trazendo consigo uma ideologia
política dita “conservadora”. No caso brasileiro, isso parece
ser consequência duma (re)descoberta de certos tipos de teorias
políticas, envoltas num discurso nacionalista que incentiva o
Catolicismo Romano não como uma fé em si, mas, antes, como uma
forma de identidade nacional. Como na mentalidade desses neocatólicos
o Catolicismo Romano brasileiro teria sido tomado por “comunistas”,
para salvá-lo seria necessário um retorno a formas pré-Vaticano II
do Catolicismo. Esses neocatólicos contam, muitas vezes, com o
direcionamento “espiritual” e “teológico” de sacerdotes cuja
reputação nem sempre seria vista com bons olhos pela alta
hierarquia da Igreja Romana.
O
problema com todos os argumentos desses indivíduos e grupos
neocatólicos aos quais tenho tido acesso é o de sua contradição
com a base doutrinária do Catolicismo – a base da autoridade da
Igreja, cujo líder máximo seria o sumo pontífice, o Papa
Francisco. Como esses indivíduos e grupos podem estar “defendendo”
– note a escolha de expressões bélicas no vocabulário desse tipo
de movimento (defesa, guerra, batalha, luta etc) – o Catolicismo e
a Igreja Católica quando incentivam a rebelião e desafiam a
autoridade da Igreja na pessoa do Papa? A eles, aparentemente, falta
um conhecimento básico de sua própria religião, ou, talvez, falte
coragem para fazer o que parecem querer fazer: fundar ou juntar-se a
uma Igreja católica independente, e finalmente romperem sua comunhão
com o Bispo de Roma!
Permita-me
tomar a liberdade aqui para citar um trecho do Catecismo da
Igreja Católica, que, de acordo com a Constituição
Apostólica Fidei depositum, “é uma exposição
da fé da Igreja e da doutrina católica”:
882: O Papa, Bispo de Roma e
sucessor de S. Pedro, é o perpétuo e visível princípio e
fundamento da unidade, quer dos Bispos quer da multidão dos fieis.
Com efeito, o Pontífice Romano, em virtude do seu múnus de Vigário
de Cristo e de Pastor de toda a Igreja, possui na Igreja poder
pleno, supremo e universal. E ele pode sempre livremente exercer este
seu poder.
[…]
891: Goza desta infalibilidade
o Pontífice Romano, chefe do colégio dos Bispos, por força do seu
cargo quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os
fieis, e encarregado de confirmar seus irmãos na fé, proclama, por
um ato definitivo, um ponto de doutrina que concerne à fé e aos
costumes... A infalibilidade prometida à Igreja reside também no
corpo episcopal quando este exerce seu magistério supremo em união
com o sucessor de Pedro, sobretudo em um Concílio Ecumênico.
Quando, pelo seu Magistério supremo, a Igreja propõe alguma coisa a
crer como sendo revelada por Deus e como ensinamento de Cristo, é
preciso aderir na obediência da fé a tais definições. Esta
infalibilidade tem a mesma extensão que o próprio depósito da
Revelação divina.
Assim,
olhando para esses trechos, que citam documentos do Vaticano I que
tratavam da infalibilidade papal, e que reforçavam a compreensão de
autoridade hierárquica da Igreja Romana, e lendo sua reafirmação
nesse Catecismo pós-Vaticano II, fica fácil compreender que há
algo errado com o discurso desses indivíduos e grupos –
considerando que eles dizem estar “defendendo” a fé romana! Se é
claro mesmo para mim, que não sou um católico romano, deveria ser
óbvio para todos aqueles que o são.
Será
que o “erro” estará realmente com o Papa, ou os seus críticos,
na própria Igreja Romana, é que estão contradizendo a fé católica
e violando a tradição?... Bem, como não sou um sacerdote católico,
deixo isso para você decidir. Mas, para refletir a respeito da
doutrina católica, considere os documentos da própria Igreja
Romana, e converse com seu sacerdote. Se precisar, escreva ao seu
Bispo. Tenho certeza que eles estarão dispostos a ajudá-lo com
algumas de suas questões.
Grande
abraço!
+Gibson