A
receita nunca falha, independentemente da época, independentemente
da cultura, independentemente da língua, independentemente do lugar.
Adicione hipocrisia a uma forma de autoritarismo, ao iletramento
religioso e à ignorância histórica: o resultado é sempre o
discurso da vitimização com base no medo, regendo a retórica do
ódio e intolerância com vistas a uma idealizada retomada dum
“estado” que nunca existiu.
A
Igreja latina usou essa receita contra a Igreja grega e as Igrejas
orientais ao longo de sua história. A Igreja grega e as Igrejas
orientais usaram essa mesma receita contra a Igreja latina e umas
contra as outras. Os católicos romanos usaram essa receita contra os
diferentes grupos protestantes no início da Reforma. Diferentes
grupos protestantes usaram essa mesma receita contra os católicos e
uns contra os outros, posteriormente. Os muçulmanos sunitas usaram a
receita contra os xiitas e outros grupos. Os xiitas e outros grupos
usaram-na contra os sunitas. Cristãos usaram a velha receita contra
judeus e muçulmanos. Judeus e muçulmanos usaram-na contra
cristãos. Judeus das mais diferentes tradições usaram-na uns
contra os outros. E a história continua.
Até
que uma legião de hipócritas, autoritários, iletrados em religião
e ignorantes em história religiosa conseguem meios gratuitos para
manifestarem sua ignorância aos quatro ventos... e voilà:
pode-se ler as manifestações mais assustadoramente vergonhosas nas
“redes sociais” eletrônicas!
Abaixo,
minha resposta a algumas dessas manifestações:
Não,
“cristãos” não estão sendo “perseguidos” por “muçulmanos”
no Ocidente. Um sacerdote francês foi brutalmente morto por
assassinos que agiram – em parte, por conta de sua hipocrisia, seu
autoritarismo, seu iletramento religioso e sua ignorância histórica
–, usando sua professa religião como desculpa.
Não,
“muçulmanos” não estão sendo “perseguidos” por “cristãos”
no Ocidente. Os cristãos que manifestam intolerância aos muçulmanos
– usando sua professa religião como desculpa –, o fazem, em
parte, por conta de sua hipocrisia, seu autoritarismo, seu
iletramento religioso e sua ignorância histórica.
Esses
professos muçulmanos e cristãos não representam todos os demais
muçulmanos e cristãos. E nenhum deles representa, em princípio,
uma ameaça à “harmonia original” de uma tradição ou outra.
Até porque nunca houve uma “harmonia original”!
Um
pouco de estudo histórico mostraria, por exemplo, que os governos
“cristãos” do passado agiram por muito mais tempo de forma
intolerante e sanguinária contra judeus, muçulmanos e quaisquer
outras minorias do que os governos “muçulmanos”. E que os mesmos
governos “muçulmanos” do passado demonstraram uma tolerância e
proteção a judeus e cristãos incompreensível aos olhos dos
cristãos.
Enquanto
os governos “cristãos” europeus torturavam, matavam e expulsavam
judeus de seus territórios, os “califados muçulmanos”
permitiram que uma influente comunidade judaica florescesse em seu
meio. E isso ao longo de séculos!
As
coisas só mudaram quando a Europa foi laicizada, secularizada.
Interessante, não?! Foi justamente o afastamento – mesmo que
apenas formal – da religião do poder do Estado que fez com que os
crentes/praticantes de outras religiões não fossem mais
assassinados ou punidos por conta de sua fé.
Nos
países de maioria muçulmana onde se desenvolvem ideias “islamistas
jihadistas” – a propósito, “islã” é o nome da religião,
“movimento islamista” (ou “islamita”) é um conjunto de
movimentos fundamentados numa ideologia política frequentemente
chamada de “Islã político”, e “jihadismo” é uma ideologia
revolucionária islamista frequentemente belicista, nenhum desses
termos é necessariamente sinônimo um do outro –, ideias
abraçadas por muitos dos “revolucionários” tornados
terroristas, há exatamente o mesmo tipo de reacionarismo contra a
secularização e a mesma intolerância a outras tradições
religiosas divulgada por grupos cristãos ditos (equivocadamente)
“conservadores” no Ocidente. As maiores vítimas desses grupos
islamistas jihadistas não são os cristãos, são, na verdade,
outros muçulmanos – que são a maioria – que não pensam nem
agem como eles.
Atribuir
ao Islã e a todos os muçulmanos os crimes praticados por
terroristas jihadistas é como imputar os crimes dos terroristas do
Exército Republicano Irlandês ao Catolicismo Romano e a todos os
católicos do mundo. Só um autoritário, iletrado religioso e
ignorante da história o faria.
Quem,
afinal, nos salvará do Império da Ignorância?!
+Gibson da Costa
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