O
dom da comunidade consiste na absolvição que recebemos pelo pecado
de fingir que somos completos sozinhos. Esse fingimento de
“autocompletude” é um peso que nossa cultura nos impõe; um
fingimento que limita nossa humanidade plena, fazendo-nos tolamente
crer que possamos ser plenamente humanos sozinhos.
Na
verdade, não podemos.
A
plenitude de nossas existências só pode ser realmente realizada
quando partilhamos o peso de nossa humanidade com outras pessoas.
Esse é o dom e a benção da comunidade. Na linguagem cristã, é o
dom e a benção de sermos “igreja” – uma comunidade que se
engaja no amor e serviço mútuo, entre seus membros e,
consequentemente – e eu diria, metaforicamente –, entre esses e
Deus.
Frequentemente
me lembro das inúmeras vezes em que esse dom se manifestou de forma
explícita em minha vida. Das vezes em que, como forasteiro, fui
recebido por comunidades que me ofereceram um lar, tanto físico
quanto espiritual. Das vezes em que, como ofensor, fui perdoado pela
compaixão ofertada por aqueles que formam e complementam minha
humanidade, e que, como eu, embarcam num caminho de descoberta e
oferecimento da Presença divina.
Não
poderia ter iniciado minha formação humana sem comunidade.
Primeiro, minha comunidade familiar. Depois, todas as outras que se
juntaram a ela em minha formação como humano: a comunidade de fé,
a comunidade de amigos, a comunidade profissional etc. Todas elas
sempre foram e sempre serão cúmplices do Mistério na criação
inacabada de minha humanidade. Criação que, segundo a tradição
cristã, se completa apenas quando “retornamos” àquela Presença
que chamamos de Deus – ou seja, quando nos juntamos em comunidade
ao Divino, apesar de raramente ser essa a linguagem utilizada para se
referir a esse processo “soteriológico”.
Não
podemos ser humanos plenos sem comunidade. Mas também não podemos
ser cristãos plenos sem comunidade. E isso porque a raiz de ser
“cristão” está na ação de ser a materialização da Presença
Divina – isto é, ser cristão é ser a face de Deus para os outros
humanos e para o resto da Criação, e é ver a face de Deus em todos
eles. O autor da carta de Paulo aos romanos, por exemplo, diz:
“Abençoem os que perseguem vocês; abençoem e não amaldiçoem.
Alegrem-se com os que se alegram, e chorem com os que choram. Vivam
em harmonia uns com os outros. Não se deixem levar pela mania de
grandeza, mas se afeiçoem às coisas modestas. Não se considerem
sábios. Não paguem a ninguém o mal com o mal; a preocupação de
vocês seja fazer o bem a todos os homens. Se for possível, no que
depende de vocês, vivam em paz com todos. […] Não se deixe vencer
pelo mal, mas vença o mal com o bem.” (Romanos 12:14-18, 21)
São
nossas ações, mais do que nossas declarações de crença, que
representam nossa fé – para nós mesmos, para nosso próximo, e
para Deus.
Comunidade,
amor, serviço. Se pudesse redigir uma declaração de minha fé,
essas seriam as palavras. Elas não representam o que sou, mas o que
tenho recebido de outros e o que almejo praticar em minha vida.
Sola
caritas. Só o amor salva. E o amor só pode ser alcançado em
comunidade.
+Gibson