Pensar sobre Deus não é um substituto para a experiência com
Deus, e falar sobre Deus não é um substituto para o oferecimento às
pessoas de maneiras de experimentar Deus. (Matthew Fox)
Recentemente,
tenho recebido, como resposta à prédica “Por que ‘Deus’
não é Deus?”, centenas de mensagens, tanto de pessoas que
estavam presentes ao evento quanto de pessoas que simplesmente
reagiram ao título (sem, de fato, terem ouvido uma única palavra do
que disse). Aqui, tentarei responder, brevemente, a algumas daquelas
provocações.
“Deus”
não é Deus
Tenho
repetidamente dito que há, para mim, uma diferença entre a
“realidade” e os conceitos que construímos ou abraçamos acerca
dela. As generalizações que servem de base para a construção de
nossos conceitos não dão conta do todo da realidade que observamos.
Assim, quando identificamos uma pessoa, por exemplo, como
“religiosa”, tendemos a atribuir a essa pessoa características
gerais que imaginamos serem necessárias para que alguém seja
“religiosa”. O termo “religiosa”, desta forma, se torna uma
etiqueta que desconsidera as possibilidades de variação, que ignora
a complexidade da experiência humana. A generalização é tornada
um esteriótipo.
Nas
teologias das diferentes tradições de fé, “Deus” é uma dessas
generalizações. Especialmente no Cristianismo – assim como,
talvez em menor grau, em outras tradições jordânicas, como o
Judaísmo e o Islã –, há uma preocupação sistemática com a
definição da deidade. Assim, no bojo da diversidade da teologia
cristã, há diferentes visões teontológicas (i.e., sobre
Deus) que, de acordo com o teólogo católico Peter C. Phan, giram em
torno da doutrina da Trindade – algumas favoravelmente, outras
contrariamente.
O
ponto sobre o qual tenho sempre argumentado é que essas noções,
doutrinas ou dogmas – ou seja lá como as chamemos – são
construções históricas e, como tal, estão socioculturalmente
condicionadas. Elas são diferentes da “realidade” que
observamos. Assim, “Deus” enquanto noção teológica, enquanto
nome, é diferente de Deus enquanto “Realidade”. É nesse sentido
que “Deus” (noção) não é Deus (Realidade). O conceito não
passa de uma redução instrumental. Ou, como escreveu Gregório de
Nissa:
“Qualquer um que tente descrever a Luz inefável com a língua é
verdadeiramente um mentiroso; não porque odeie a verdade, mas por
causa da inadequação de sua descrição.”
Nossas
narrativas, metáforas e crenças religiosas são verdadeiras apenas
por conta de sua historicidade. Ou seja, elas são verdadeiras apenas
em relação às experiências que um indivíduo ou um grupo tem
da/com a realidade. Por isso a “verdade” (enquanto conjunto de
noções) é relativa: ela se relaciona com a forma como nos
relacionamos com o mundo, e essa relação/experiência serve de
filtro para a compreensão que construímos da realidade. Assim,
nossas compreensões não são produto apenas de nossa razão, assim
como também não são produto apenas de nossas experiências, elas
resultam da interação entre ambos.
As
compreensões que temos de Deus são moldadas conjuntamente pelas
ideias que abraçamos e pelas experiências que temos. Mesmo quando
alguém pensa que crê apenas no que as Escrituras de sua tradição
ensinam, sua “leitura” (a compreensão que constrói) é
condicionada por sua experiência de vida (seu background
sociocultural, sua história familiar etc). É a isso que os termos
“historicidade” e “relatividade” se referem, em meu discurso.
É
isso que está “por trás” daquele título!
Os
três Cs: Cristianismo, criacionismo, ciência
Nunca
existiu e não existe um Cristianismo único, estático, a-histórico.
Como bem escreveu o filósofo e historiador unitarista Arthur O.
Lovejoy, “...pessoas que igualmente professaram o Cristianismo e
chamaram a si mesmas de cristãs mantiveram, no curso da história,
toda espécie de crenças distintas e conflitantes agrupadas
sob esse nome...”. Assim, não é possível falar no
Cristianismo como se fosse uma “verdade” unívoca e imutável.
Ele não é, nunca foi e, provavelmente, nunca será.
O
Cristianismo não é a religião professada por Jesus de Nazaré –
ele era judeu! – e não é a religião de Deus! O Cristianismo é,
antes, a resposta que nós cristãos damos à nossa experiência
espiritual filtrada pela ótica de nossa herança sociocultural.
Enquanto artefato humano, uma religião diz muito mais sobre seus
adeptos do que sobre a divindade que dizem honrar. Não seria
diferente com o Cristianismo! O Cristianismo somos nós que o
professamos, e não Jesus ou Deus!
Não
há nada de essencialmente anticientífico no Cristianismo. Também
não há nada de científico na fé cristã. No mundo moderno, fé
religiosa e ciência expressam preocupações para com dimensões
distintas da realidade. A dimensão misteriosa – aquela que
diz respeito àquilo que se encontra além do que pode ser
objetivado, mensurado – é o objeto da fé religiosa. A dimensão
objetiva – que diz respeito a tudo o que pode ser mensurado,
analisado por meio de instrumentos científicos – é o objeto da
ciência. O suposto conflito entre religião e ciência, enquanto
tais, não passa de mito – mito que serve como instrumento para as
intenções de certos indivíduos ou grupos.
O
Cristianismo não prega o criacionismo. O Cristianismo
ensina acerca da criação. Criação e criacionismo não são a
mesma coisa. O criacionismo surgiu como uma tentativa, por parte de
adeptos do fundamentalismo protestante, de cientificar uma crença
tradicional pré-evolucionista.
Para
responder diretamente a uma das questões que me foram feitas: Bíblia
e Cristianismo não são a mesma coisa. Você teria de desconhecer a
história do Cristianismo para imaginar que o mesmo se baseie
unicamente nos textos da Bíblia. A maioria das tradições cristãs
reconhecem que a própria Bíblia, originalmente, emergiu como um
produto da “Tradição” (e não o contrário), e que essa
Tradição foi posteriormente instruída pela autoridade bíblica.
Mas
mesmo que se pense que a Bíblia seja a única fonte doutrinária
cristã (o que não é o caso para as tradições católica romana,
ortodoxa, anglicana, luterana, metodista, unitarista e outras), ela não ensina
aquilo que ficou conhecido como “criacionismo”! A narrativa da
criação, na Bíblia, não é uma teoria científica – até porque
os autores daquela coleção de textos não expressavam a mesma
preocupação com explicações objetivas das origens do Universo e
da vida que nós temos atualmente.
As
origens do criacionismo se encontram em outro lugar. Para compreendê-lo,
temos de revisitar as origens do “Movimento Fundamentalista”.
E faremos isso na segunda parte deste texto.
Até
breve!
+Gibson
da Costa
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