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sábado, 23 de setembro de 2017

Minha teontologia – ou, o que acredito sobre “Deus”


+Gibson da Costa


[…] Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos […]” (Atos 17:27b-28a)

“Deus” frequentemente tem sido o assunto sobre o qual me escrevem de forma pouco compassiva. Enquanto, pessoalmente, me preocupo muito mais com o viver aquilo que chamo de “fé”, muitos de meus interlocutores se preocupam muito com declarações de crença que se encaixem em sua ortodoxia – seu conjunto de “crenças corretas” –, por isso, sempre me pedem que “defina” o que acredito sobre Deus, por exemplo.

Uma de minhas mais recorrentes provocações – e a mais atacada por leitores de outras tradições cristãs – é a de dizer que “não acredito em Deus”. Tenho repetidamente explicado que o verbo acreditar é muito limitado, pois coisifica Deus, tornando a Divindade um tipo de entidade pessoal que depende de meu esforço intelectual (a crença) para que seja “real”. Pessoalmente, também rejeito a noção de existência de Deus. Em minha experiência e compreensão, Deus não existe porque a existência é uma qualidade de objetos/entidades físico-espaciais. Prefiro falar em minha confiança em Deus, em vez de falar em crença em Deus – e mesmo “confiança”, assim como o próprio nome “Deus”, apresenta(m) limitações.

Não tenho absolutamente nenhum desejo em criar uma declaração teontológica própria. Minha compreensão sobre o Mistério Eterno é limitadíssima para que eu seja capaz de articular “definições” metafísicas a seu respeito. Deus, para mim, é inqualificável, já que “está” além de minhas limitações cognitivas e linguísticas. Toda e qualquer linguagem que use para referir-me à Divindade é apenas metafórica, simbólica, figurativa. E é assim que o que escrevo abaixo deve ser entendido:

  • Compreendo Deus como uma Unidade Absoluta. Por “Unidade”, refiro-me a um Mistério que está metaforicamente acima de tudo e de todos, para além de toda divisão, de toda compreensão, de toda classificação, de toda nomeação.
  • Compreendo Deus como absolutamente simples, sem nenhuma propriedade – incluindo personalidade, bondade, onipotência etc, – já que propriedades são atributos de seres espácio-temporais.
  • Compreendo Deus como absolutamente para além do tempo e do espaço e, como consequência, para além da própria existência.
  • Compreendo Deus como para além de causas e efeitos.
  • Compreendo Deus como para além de toda compreensão e imaginação humanas.

Assim, se e quando utilizo expressões como “Deus é amor”, “Deus é paz”, por exemplo, as tomo como uma linguagem metafórica, uma figura capaz de ser captada pela imaginação, e não como uma declaração que deva ser compreendida de forma literal.

Não tenho fé num Deus-Pessoa que espelha minhas próprias limitações humanas. Tenho esperança e interesse pelo Divino como “para além” do compreensível ao mesmo tempo em que “se manifesta” no comum. Os termos “para além” e “se manifesta” são a chave aqui: a preposição “para” indica um movimento; o termo “além” aponta para uma não-limitação; e “se manifesta” aponta para uma relação entre o Divino e o humano. Usá-los, ao falar da Divindade, é uma referência à “transcendência” e à “imanência” divinas: respectivamente, a alteridade e a proximidade desse Mistério que chamo de “Deus”.

Não tenho absolutamente nenhuma necessidade de caracterizar esse Mistério como uma entidade antropomorfa – isto é, não preciso acreditar num Deus com características humanas. Compreendo a linguagem tradicional do Deus abraâmico – nas tradições judaicas, cristãs, muçulmanas, babistas etc – como um Deus pessoal apenas como uma metáfora. Usamos essas metáforas porque nossa imaginação é limitada, e não porque a Divindade assim seja – para mim, como disse, a Divindade sequer “é”, já que “ser” é uma característica de seres ou coisas físico-espaciais e, logo, limitadas.

Acredito que mais importante do que me preocupar com definições acerca de Deus é me preocupar com o ser humano. Como Deus está além de minha compreensão, e como, ao mesmo tempo, se manifesta no mundo na face das pessoas que me cercam, é amando-as e servindo-as que posso amar e servir a Deus. E conseguir fazer isso já representa um desafio suficientemente grande para mim!


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