Esta
semana, recebi um e-mail dum leitor furioso do Chronicle, que –
dentre palavras que não ousaria repetir aqui – me “acusava” de
ser um “esquerdista” que pregava o que ele chamou de “evangelho
de Marx”, e não o de Jesus! Seus comentários pouco compassivos
obviamente emergiram em decorrência do que eu escrevera sobre o
brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista
Anderson Gomes, no Brasil, e do ativismo de estudantes pelo controle
de acesso às armas de fogo, nos Estados Unidos.
O
que escrevi, anteriormente, mantenho aqui. Nossas autoridades
políticas e policiais falharam com Marielle e Anderson, e falham com
a sociedade. E agora, mais do que nunca, deveríamos demiti-los. Isso
porque não têm cumprido com suas obrigações enquanto agentes do
Estado. Igualmente, somos todos culpados por seus crimes, já que
deles não cobramos suficientemente por suas faltas e erros. Assim,
temos nossas mãos sujas com o sangue de todos os que morrem em nossa
sociedade: ou porque escolhemos erroneamente nossos governantes, ou
porque não exigimos que façam o trabalho para o qual foram eleitos
e pelo qual pagamos.
Foram
essas as ideias que compartilhei e que levaram aquele leitor a fazer
certas acusações contra mim. E, por educação, farei alguns
esclarecimentos:
1.
POLITICAMENTE: “Esquerdista”, para mim, não é um termo
pejorativo; logo, chamar-me de tal não chega a ser uma ofensa. Na
verdade, só evidencia que talvez aquele leitor devesse pesquisar um
pouco mais o sentido do termo na teoria política. Politicamente, a
propósito, sempre me identifiquei com um ideário “liberal
democrata”; sempre fui um ardente partidário das liberdades civis,
da separação entre Estado e Igreja, da resistência não violenta,
da paz, dos direitos humanos, do respeito à vida de toda a Criação,
da proteção àqueles que são agredidos pelos poderes deste mundo –
e isso, sim, realmente me localizaria à esquerda no espectro
político retilíneo (que, de qualquer forma, não é a maneira como
retrato o mundo político ao meu redor). Essas ideias e escolhas que
abraço, a propósito, não têm origem nos escritos de Marx – por
cujo pensamento “positivista” sempre tive pouquíssima simpatia
–; sua origem está em minha teologia política cristã,
unitarista, não conformista (deveras “liberal burguesa” para ser
caracterizada como “marxista”).
2.
TEOLOGICAMENTE: Aquelas características de meu ideário político
não advêm dos escritos de Marx ou de cartilhas políticas de
partidos de “esquerda”. Elas são provenientes de minha teologia.
Elas são a forma como aprendi a interpretar os ensinamentos tanto de
minha herança judaica reformista quanto de minha fé cristã
liberal. Não são invenção de Marx – apesar de poder encontrar
muita proximidade com algumas de suas ideias –, e não são apenas
ideários de partidos políticos. São, antes, a soma de séculos de
reflexão por parte de pensadores religiosos e políticos, artistas,
mães e pais, poetas, professores e tantos outros, cujas palavras e
ações influenciaram a forma como compreendo o mundo. São ideias
que estão presentes nos escritos sagrados e textos litúrgicos de
minhas tradições religiosas, filtrados pelas lentes de meu meio
sociocultural.
Os
esclarecimentos acima não são uma justificativa para me afastar da
visão que compartilho com meus irmãos e irmãs “esquerdistas”
(para usar a linguagem daquele interlocutor). São, antes, uma
tentativa de ensiná-lo e a outros que o mundo não é uma tela em
preto e branco, mas sim uma mistura de diferentes cores em múltiplas
tonalidades. Na verdade, fico muitíssimo feliz de encontrar pontos
de concórdia com pessoas que, em outros assuntos, possivelmente
discordariam de mim – e vice-versa. Fico feliz em misturar minhas
cores às delas. Estarei sempre disposto a caminhar ao lado daqueles
que buscam um mundo de concórdia, de paz, de compreensão, de
compaixão, de vida – independentemente de sua localização em
qualquer espectro político ou religioso.
O
que realmente importa, em minha compreensão, não é a etiqueta que
prendemos às nossas crenças e/ou descrenças. O que importa, o que
realmente importa, é o que fazemos no dia a dia, é a forma como
tratamos aqueles que compartilham este mundo conosco. Se não
encontrarmos um meio de viver com a diferença, acabaremos nos
matando uns aos outros e destruindo o que restou deste planeta. E
isso seria a derrota definitiva de nossa “humanidade”.
Finalizo
esta, compartilhando um trecho da Bíblia cristã que está sempre
diante de mim, em meu escritório, para me lembrar de minhas
promessas batismais e das promessas que fiz quando de minha
ordenação:
“Há
um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por
meio de todos e está presente em todos.” (Efésios 4:6)
É,
enfim, cuidando das pessoas que estão ao nosso redor que podemos
encontrar o Divino. Esta é a única maneira de vivificar nossa fé e
curar – ou, se preferir, “salvar” – o mundo!
+Gibson
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