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sábado, 22 de dezembro de 2018

Jesus, migração, refúgio: o espírito da celebração do Natal

Nunca escondi que o Natal, mais do que qualquer outra data do calendário cristão, me fascina. E isso porque, para mim, o Natal carrega em si elementos que ecoam em minha memória elementos de minha própria história pessoal, e porque, nesta celebração, cristãos podem encontrar um aspecto em comum com pessoas das mais diferentes tradições de fé, especialmente com seus irmãos judeus e muçulmanos: a relação entre a narrativa natalina e a memória da diáspora/migração.

A tradicional narrativa natalina, independentemente de sua possível não factualidade, fala sobre uma família que foge de sua terra de origem para um país estrangeiro – o Egito – em busca de proteção. Seu filho, o recém-nascido Jesus, tem sua vida ameaçada e seus pais buscam abrigo numa terra onde esta ameaça específica não esteja presente. Assim, a família de Jesus, como tantas outras famílias de todos os tempos e culturas, passa pelo desafio do desenraizamento – de, metaforicamente, “arrancar suas raízes” de sua terra de origem –, migrando em busca duma situação mais favorável.

Esse elemento da narrativa cristã do Natal envolve toda a compreensão que os seguidores posteriores de Jesus construirão a seu respeito. Enquanto criança, Jesus – como Noé, Ló, Abraão, Jacó, José, Moisés – é moldado pela experiência migratória. Quando adulto, experienciará outra migração, saindo de sua Galileia de origem para desempenhar sua missão profética na Judeia, passando pela Samaria. Mais tarde, a maioria de seus seguidores não hebreus lhe atribuirão uma identidade migratória mais “divina”, quando começam a ensinar que ele era o filho de Deus que descera dos céus para se encarnar entre os homens. Assim, Jesus experiencia, na narrativa cristã, uma dupla migração: [I] uma migração divina, descendo do domínio celestial para o terrestre; e [II] uma migração terrena, buscando refúgio no Egito e, posteriormente, saindo da Galileia rumo à Judeia.

É uma grande pena que muitos cristãos tenham ignorado esse aspecto humano da narrativa sobre Jesus. Num mundo cada vez mais marcado pelas experiências de emigrantes/imigrantes e refugiados, aqueles que se dizem seguidores do refugiado nazareno deveriam enxergá-lo nas faces dos desenraizados de hoje.

A conexão entre a experiência migratória e a narrativa religiosa não é exclusiva dos cristãos. Os patriarcas e profetas doa antigos israelitas também foram moldados pelo exílio e pelo retorno. Igualmente o foram o profeta do Islã e os primeiros muçulmanos. Nas três grandes tradições, a própria existência humana na Terra e a busca pelo divino têm uma relação com a experiência migratória: por exemplo, nas ideias de que a vida humana na Terra seja um momento transitório de preparação para uma futura eternidade num reino divino, podemos encontrar traços dessa influência. Assim, migração, exílio, desenraizamento e a busca pelo “lar” pavimentam, de certa forma, o ethos das tradições jordânicas (judaísmos, cristianismos, islãs, babismos etc).

O que é importante, para mim, é celebrar na narrativa natalina esse lembrete de que aquele de quem me declaro ser discípulo – Jesus de Nazaré – compartilhou comigo e com tantos outros a experiência da migração, da diáspora (independentemente de eu estar mais interessado na experiência humana do que em mitos celestiais, e de eu estar ciente de que muito do que os evangelistas relataram provavelmente não ser factual). Assim, para seguir seu caminho, me torno obrigado a atentar para aquelas e aqueles que, como ele, foram desenraizados e que buscam um lar numa “terra estrangeira” (que pode, também, ter um sentido metafórico).

Minha oração é que possamos enxergar nas faces dos imigrantes, refugiados, estrangeiros, forasteiros – literal ou metaforicamente –, a face do menino e do homem nazareno, e – por que não? – a face do profeta ou do filho de Deus que vem morar entre os humanos. Essa, para mim, é a missão da celebração natalina.

Feliz Natal a todas e todos!

+Gibson


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