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terça-feira, 12 de agosto de 2008

Características do Cristianismo Liberal

Como muitos já devem ter percebido, a expressão "Cristianismo Liberal" é muito importante para nós. Nossa fé religiosa é uma fé cristã liberal - liberal numa época na qual o rígido fundamentalismo e o conservadorismo dogmático parecem dominar o Cristianismo - aqui em nossa região, em nosso país, e em todo o mundo.

A expressão "Cristianismo liberal" nos liga a um movimento crítico do Protestantismo que começou em fins do século XVIII e que incluiu pessoas como William Ellery Channing, Jabez T. Sunderland, Henry Ward Beecher, Harry Emerson Fosdick, John Arthur Thomas Robinson, Paul Tillich, Howard Thurman, e muitos outros. Afirmamos essa tradição toda vez que nos chamamos de "cristãos liberais".

Mas, afinal de contas, o que é o Cristianismo Liberal? O dicionário dá várias definições à palavra liberal: generoso; dadivoso; franco; amigo da liberdade; que tem idéias avançadas sobre a vida social; tolerante, indulgente. Essas são boas palavras para definir nosso tipo de fé.

Em sua coleção de três volumes a respeito da história da teologia liberal americana, Gary Dorian escreveu: "A teologia cristã liberal deriva da tentativa protestante de fins do século XVIII e começo do século XIX de reconceitualizar o significado do ensino tradicional cristão à luz do conhecimento moderno e de valores éticos modernos". E ainda escreveu: "A teologia liberal é definida por sua abertura à investigação intelectual moderna; seu comprometimento com a autoridade da razão e experiência individuais; sua concepção do Cristianismo como uma forma de vida ética; e seu compromisso em tornar o Cristianismo digno de confiança e socialmente relevante às pessoas modernas".

Então, deixem-me expandir essa definição com uma lista do que chamo de as oito características fundamentais do Cristianismo liberal - características que nos diferenciam dos cristãos tradicionais, ortodoxos.

Primeiro, o Cristianismo Liberal exige integridade intelectual. Respeitamos a mente humana e queremos usar nossas mentes na busca da verdade religiosa. O Bispo John Shelby Spong disse: "O coração nunca deve adorar o que a mente rejeita". Isso é teologia liberal!

Harry Emerson Fosdick, que foi um ministro batista e presbiteriano em Nova York em inícios do século XX, disse: "Todo o melhor sentido da religião pessoal pode ser meu sem a crucificação do intelecto". Isso é Cristianismo liberal!

O Cristianismo liberal exige a coragem de testarmos nossas noções religiosas por meio de estudos rigorosos; nunca vê o aprendizado secular como um inimigo da fé.

Segundo, o Cristianismo Liberal garante a liberdade de pensamento. Cristãos liberais são livres para acreditarem no que suas mentes, consciências, experiências e emoções os levam a afirmar. Cada um de nós é livre para moldar sua própria jornada de fé. O Cristianismo Liberal afirma: "Pensem sozinhos, o seu ministro pode estar errado". O Cristianismo Liberal diz aos alunos das aulas de religião: "Pensem sozinhos, seus professores podem estar errados".

Aqui, em nossa comunidade, Peter e eu, os ministros, apenas compartilhamos nossa compreensão de fé, oferecendo a cada um de vocês a oportunidade de pensar a respeito dos mesmos assuntos, de fazerem as mesmas perguntas, independentemente de vocês concordarem conosco. O Cristianismo Liberal garante o livre pensamento.

Terceiro, as igrejas cristãs liberais são comunidades de investigadores e, portanto, devem ser inovadoras. Quando os fundamentalistas primeiro desafiaram a teoria da evolução nos EUA em inícios do século XX, os ministros liberais não só defenderam a ciência da evolução, como clamaram por uma teologia evolutiva. O Cristianismo Liberal vê cada uma de nossas jornadas de fé como parte de um processo evolutivo.

Vemos nossas vidas como uma peregrinação que evolui, que se move, que muda. Não somos uma comunidade de crentes; somos uma comunidade de buscadores que estão sempre caminhando, que ainda não chegamos ao nosso destino final.

Esta manhã usarei um texto que exemplifica o Cristianismo Liberal. Em vez de usar a Bíblia, farei uma leitura do fragmento de um papiro do século II da era cristã, encontrado onde antes era o depósito de lixo da antiga cidade egípcia de Oxirincus. Esse fragmento, número 840, possui apenas esta narrativa:

"Levando os discípulos consigo, Jesus os levou ao interior do santuário e começou a andar pelo precinto do templo.

Levi, um fariseu, um sacerdote, também entrou, correu até eles e disse ao Salvador: 'Quem te deu permissão de caminhar neste santuário e deitar teus olhos sobre esses objetos sagrados, quando não realizaste o banho ritual, e teus discípulos sequer lavaram seus pés? Invadiste este lugar sagrado, que é ritualmente limpo, em um estado impuro.'

O Salvador imediatamente respondeu: 'Já que estás aqui no templo, suponho que estejas limpo'. Levi respondeu: 'Estou limpo. Banhei-me na piscina de Davi. Ritualmente me vesti com roupas brancas e limpas. Só depois disso vim aqui, e pus meus olhos sobre esses objetos sagrados.'

Em resposta, o Salvador disse a ele: 'Malditos os cegos que não vêem. Vocês se banham nessas águas estagnadas onde os cães e porcos espojam-se dia e noite. Vocês lavam e esfregam a pele. Mas meus discípulos e eu nos banhamos em água viva e vivificante'."

Tenha ou não esta narrativa qualquer validade histórica, é mais uma narrativa antiga que exibe a recusa de Jesus em ser aprisionado por costumes, hábitos e dogmas do passado. Ele ofereceu às pessoas uma nova água, uma nova forma de vida, uma que era livre, sem medo de mudança.

Cristãos liberais devem estar abertos a novas idéias, novas formas de ver as coisas, novos símbolos, novas práticas religiosas. A teologia não é um acúmulo demonstrável como a ciência, nem é uma sucessão de momentos contínuos como a arte. A teologia deve sempre desfiar-se e ser recosturada.

Seria mais fácil se esse não fosse o caso, e essa é uma das atrações do fundamentalismo - você não precisa pensar e se esforçar, você simplesmente aceita o dogma. Mas o Cristianismo Liberal exige que nós buscadores constantemente desfiemos nossa fé e a recosturemos, de forma a dar-lhe um novo sentido para um novo tempo. Cristãos liberais são chamados a pensar infinitamente e a explorar novas visões de quem somos e do que acreditamos.

Quarto, o Cristianismo Liberal honra e respeita a sabedoria de outras religiões. Nas palavras desenvolvidas pelo Centro do Cristianismo Progressista: "Reconhecemos a fidelidade de outras pessoas que têm outros nomes para o caminho que as levam a Deus, e reconhecemos que seus caminhos são verdadeiros da mesma maneira como nossos caminhos são verdadeiros para nós".

Podemos celebrar a vitalidade de nossa própria fé cristã sem precisar declarar a superioridade de nossas visões em relação às outras. Jesus se torna para nós uma janela para o amor de Deus, mas reconhecemos que para outros, Muhammad ou o Buda pode ser tal janela. O Cristianismo Liberal se vê como apenas um caminho para o divino.

Quinto, a fé e a prática religiosas envolvem mais que apenas o intelecto. Isso é um desafio porque muitos liberais, como eu, tendem a ser cerebrais em nossa forma de ver a vida. Mas o Cristianismo Liberal reconhece que o papel da fé seja alimentar o coração e o espírito juntamente com a mente.

Freqüentemente isso significa que os cristãos liberais reivindicam e redefinem antigos ritos e rituais, tanto da tradição cristã como das tradições de outras religiões. Hoje, por exemplo, reivindicaremos o ritual da comunhão, mas para a maioria de nós ele não tem nenhuma relação com o corpo e sangue de Jesus, a velha teologia da redenção. Nós batizamos crianças, não em nome do "Pai, Filho, e Espírito Santo", mas em nome do "mistério da vida, do mistério do amor, e do mistério do ser". Nós tomamos rituais cristãos tradicionais, como a unção com óleo ou os ofícios de cura, e damos um novo significado a esses rituais, redefinindo-os à luz da teologia evolutiva.

Enriquecemos nosso cristianismo com práticas espirituais budistas e islâmicas, alimentando nossos corações e espíritos cristãos.

Sexto, cristãos liberais afirmam o valor e a dignidade de cada ser humano - pessoas de todas as raças e religiões, de ambos os sexos e os transgêneros, de todas as orientações sexuais, de todas as classes, de todas as habilidades. E por afirmamos a unidade universal, devemos ser radicalmente receptivos a todas as pessoas - fazendo com que ninguém sinta que devesse ficar fora de nosso círculo.

Sétimo, para a maioria dos cristãos liberais a Bíblia é uma coleção de antigas e úteis reflexões a respeito de Deus, e o Jesus humano é um caminho para se entender o amor de Deus e o sentido da vida. Apesar de a Bíblia ser menos a Palavra de Deus e muito mais uma coleção de palavras humanas a respeito de Deus, ela continua a ser uma rica coleção de materiais que nos ajudam e inspiram em nossas próprias jornadas de fé.

E apesar de a maioria dos cristãos liberais não ver Jesus como uma figura divina enviada por Deus para pagar pelos pecados de uma humanidade caída, o Jesus humano assume um novo sentido como o modelo mais elevado da vida religiosa. Jesus é visto, pela maioria de nós, como um ser humano exemplar. Jesus é nosso mestre, um guia em nossa jornada pela vida.

Finalmente, o Cristianismo Liberal insiste que a maneira como tratamos toda a criação é mais importante do que o que acreditamos. Na maioria das chamadas igrejas tradicionais, a ênfase está na crença - crer nas palavras de um credo antigo ou crer que Jesus tenha morrido por nossos pecados.

Mas o Cristianismo Liberal diz: "Mostre o que você acredita pela maneira como vive". O que você faz é mais importante do que o que você diz. E é por isso que para cristãos liberais é tão importante cuidar das pessoas menos privilegiadas, trabalhar para criar um mundo livre de guerra e tortura, abrir nossos braços e corações para recebermos todas as pessoas, para que todos possam ter um lugar em nossa mesa e em nossos corações.

Jesus não deu um credo às pessoas. Ele ensinou como viver e se portar de novas maneiras justas e pacíficas, e ele modelou essas novas maneiras em sua própria vida. A forma como nos comportamos é mais importante que nossas crenças.

Essas são as características do Cristianismo Liberal que tentamos passar para a próxima geração, além da nossa própria.

O Cristianismo Liberal afirma a integridade intelectual, protege o livre pensamento, e constrói comunidades de buscadores inovadores.

O Cristianismo Liberal respeita e aprende de outras religiões; presta atenção ao coração e à alma, assim como à mente; e afirma o valor e dignidade de cada ser humano.

O Cristianismo Liberal respeita a Bíblia como uma coleção de antigas e úteis reflexões humanas, vê o Jesus humano como a janela de nossa comunidade para o amor de Deus, e sabe que a maneira como tratamos uns aos outros é mais importante que o que acreditamos.

Esses são meus pensamentos a respeito do tipo de religião que praticamos aqui em nossa comunidade.

(Sermão pregado na Congregação Unitarista de Pernambuco, em 10 de agosto de 2008.)

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

História Unitarista: O Movimento da Religião Livre

O Movimento da Religião Livre no Unitarismo:
Abrindo as Portas Para os Não-Cristãos


Durante o século XIX, a reputação do Unitarismo como uma religião inclusiva e adogmática atraiu muitos não-cristãos, muitos dos quais poderiam ser descritos como teístas científicos ou deístas. Eles ansiavam encontrar um lugar onde pudessem se reunir e adorar, mas não conseguiam encontrá-lo nas igrejas tradicionais. Era natural que encontrassem esse lugar que buscavam nas igrejas unitaristas, onde eles encontravam a força e o encorajamento da comunidade, mesmo que o foco dos sermões e liturgias fossem cristãos. Em alguns lugares, congregações liberais que não eram cristãs em caráter se formaram, e estas se associaram às organizações unitaristas. Os não-cristãos eram uma minoria até boa parte do século XX, mas eles provaram ter uma voz muito forte, e alguns fatos garantiram sua sobrevivência e influência dentro do Unitarismo.

Durante a década de 1860, o "movimento da religião livre" ganhou força nas igrejas unitaristas. Apoiadores desse movimento tinham a intensão de levar a liberdade religiosa à sua conclusão lógica: uma abertura completa a todos os sentimentos e persuasões religiosos. Em 1865, no primeiro congresso anual da Conferência Nacional de Igrejas Unitaristas em Nova York, eles tentaram convencer a assembléia a permitir que todas as igrejas liberais, cristãs ou não, pudessem se tornar membros da Conferência. Entretanto, a maioria não era a favor disso, e no preâmbulo da nova constituição, o caráter cristão da organização foi afirmado. No ano seguinte, o assunto continuou a ser debatido em sermões, panfletos, e periódicos. No congresso anual seguinte, Francis Ellingwood Abbott propôs um novo preâmbulo para a constituição da Conferência, que declarava que as igrejas da Conferência, "desconsiderando todas as diferenças sectárias ou teológicas, e oferecendo uma irmandade cordial a todos os que se juntarem a elas na obra cristã, se unem em uma organização comum, a ser conhecida como A Conferência Nacional de Igrejas Unitaristas e Outras Igrejas Cristãs". A emenda foi rejeitada. Entretanto, por sugestão de James Freeman Clarke, concordou-se em mudar o nome da associação para A Conferência Nacional de Igrejas Unitaristas e Outras Igrejas Cristãs. Foi explicado que a expressão "Outras Igrejas Cristãs" não intencionava "excluir sociedades religiosas que não tenham uma distinta organização eclesiástica, e que não sejam nominalmente cristãs, se essas desejam cooperar com a Conferência no que ela considera como obra cristã".

Muitos dos progressistas não estavam satisfeitos com a concessão, e no trem de volta a Boston, um grupo deles decidiu organizar uma associação para eles mesmos que garantisse a liberdade religiosa que eles estavam buscando e lhes provesse uma forma de expressar suas idéias. Em 30 de maio de 1867, nasceu a Associação Religiosa Livre. Octavius Brooks Frothingham foi nomeado como o presidente. Outros membros notáveis eram Cyrus A. Bartol, Francis Ellingwood Abbott, William J. Potter, John Weiss, David Wasson, John White Chadwick, Louisa May Alcott e Ralph Waldo Emerson. O grupo defendia a universalidade da religião e defendia que todas as fases da opinião religiosa devessem ser representadas em sua membresia e plataforma. Na revisão de sua constituição em 1872, declarou-se que "nada no nome ou constituição da Associação poderá ser interpretado como se limitasse a membresia a qualquer teste de opinião ou crença especulativas, ou como se definisse a posição da Associação, coletivamente considerada, com referência a qualquer opinião ou crença, ou como se interferisse de qualquer outra maneira na absoluta liberdade de pensamento e expressão que é o direito natural de cada ser racional". Os dois principais jornais da organização eram "The Radical", editado por Sidney H. Morse, e "The Index", editado por Francis E. Abbott. Sempre se argumentava nas páginas desses periódicos que era hora de ir além do Cristianismo e abraçar um teísmo universal que rejeitasse qualquer tentativa de se manter uma teologia com a qual todos concordassem e permitisse que cada indivíduo encontrasse Deus de sua própria maneira. Alguns enfatizavam a intuição; outros enfatizavam o avanço da ciência.

Nos anos seguintes, a Conferência Nacional se esforçou para trazer os membros da Associação Religiosa Livre de volta à Conferência. Entretanto, todas as tentativas forma mal-sucedidas, já que ou as concessões não eram suficientemente conciliatórias para o movimento da religião livre ou eram radicais demais para os cristãos. A tensão entre os dois grupos permaneceu grande pois muitos membros da Associação Religiosa Livre continuaram a ocupar púlpitos unitaristas e a freqüentar igrejas unitaristas. Uma controvérsia surgiu em 1873, quando os nomes de ministros associados à ARL começaram a ser removidos da lista de ministros no Livro Anual da Associação Unitarista Americana. Depois de uma forte reação, decidiu-se que nenhum nome deveria ser removido a não ser que o ministro em questão o requisitasse ou que ele tivesse oficialmente deixado a denominação.

A Associação Religiosa Livre eventualmente desapareceu, mas alguns de seus membros se tornaram notáveis filósofos desse período, e sua palavra teve um impacto sobre seus antigos associados nas igrejas unitaristas. Durante a década de 1880, a controvérsia surgiu mais uma vez na Conferência Unitarista do Oeste, mesmo que de uma forma um pouco diferente. Enquanto ainda enfatizando o teísmo universal, um significativo elemento humanista também começou a se formar, que deixou de lado o conceito de "Deus" e se focou na ética. A influência do movimento da religião livre podia ser vista claramente na decisão de 1882 de se aceitar para a Conferência Unitarista do Oeste o lema "Liberdade, Irmandade, e Caráter em Religião", que é muito similar ao lema da Associação Religiosa Livre ("Liberdade e Irmandade na Religião"). Os líderes do movimento no Oeste eram Jenkin Lloyd Jones e William Channing Gannett, cujas opiniões eram expressas em seu jornal, "Unity", e aqueles em simpatia com eles eram alcunhados de "Unity men". Sua influência muito preocupou os cristãos, e Jabez T. Sunderland, o secretário da Conferência Unitarista do Oeste, publicou um panfleto em 1886 intitulado "O Problema no Oeste", no qual ele falava de sua apreensão a respeito da situação das coisas: "Este novo Unitarismo tem demonstrado uma especial simpatia pelo movimento da Religião Livre e pelo movimento ético, tem buscado se diferenciar do Unitarismo do Leste como se fora algo "mais amplo" e "mais avançado" que aquele, tem há muito sido averso ao uso do nome cristão, e pelos últimos anos tem cada vez mais se distanciado até mesmo de uma base teísta, até agora declara abertamente que mesmo a crença em Deus não deva mais ser declarada como algo essencial do Unitarismo... que o Unitarismo deve defender crenças éticas e crenças em assim-chamados "princípios", mas não crenças em qualquer coisa que o comprometa com o teísmo ou o cristianismo".

Apesar das objeções de Sunderland, o movimento Unity permaneceu forte, e no congresso anual da Conferência Unitarista do Oeste naquele ano, por um voto de 34 a 10, uma resolução foi adotada, composta por William Channing Gannett, que declarava: "A Conferência Unitarista do Oeste condiciona sua membresia a nenhum teste dogmático, mas recebe a todos que queiram juntar-se a ela a fim de estabelecer verdade, retidão, e amor no mundo". Muitas das igrejas mais conservadoras na conferência ficaram insatisfeitas com a direção que a Conferência tomara e deixaram-na. No congresso seguinte em 1887, uma tentativa foi feita para se efetuar uma reconciliação, e Gannett compôs uma declaração adicional, "Coisas Nas Quais Comumente Acreditamos". Essa declaração não satisfez os conservadores, e a controvérsia continuou por alguns anos mais.

Finalmente, no congresso anual da Conferência Nacional em 1894, todas as partes concordaram em adotar um novo preâmbulo para a constituição, que declarava: "A Conferência reconhece o fato de que a tradição e política de seus constituintes seja Congregacional. Portanto, declara que nada nesta constituição seja considerada como um teste de autoridade; e cordialmente convidamos à nossa irmandade qualquer um que, mesmo diferindo de nós em crença, esteja em simpatia geral com nosso espírito e nossas metas práticas". Esta declaração preparou o terreno para o que estava por vir.
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A Congregação Unitarista de Pernambuco apóia a liberdade religiosa. Entendemos que há diferentes, e mesmo assim legítimos, caminhos para Deus, e reconhecemos que outras tradições religiosas, crenças, filosofias, e textos religiosos enfatizam amor a Deus e à humanidade. Seguimos princípios religiosos que permitem que pessoas com outros conceitos monoteístas de Deus, fora da tradição cristã, e não-cristãos possam ser membros. Neste respeito, abraçamos o movimento da religião livre. Entretanto, apesar de crermos que a absoluta liberdade religiosa seja um direito que deva ser garantido pelo Estado e pela sociedade, não cremos que a absoluta liberdade religiosa seja em si uma religião. Uma organização religiosa é um grupo de pessoas que praticam uma religião distinta, e não um grupo de pessoas de diferentes religiões fazendo algo que não seja a prática de uma religião distinta. James Freeman Clarke disse certa vez: "A Religião Livre sacrifica o poder motivo derivado da associação e simpatia religiosa em favor de uma maior liberdade intelectual". Essa é uma armadilha na qual caiu o movimento da religião livre, e o resultado é que a religião distinta do Unitarismo se diluiu e se perdeu em muitas partes do mundo.

A Congregação Unitarista de Pernambuco promove o Unitarismo como a religião distinta que ele é. Mantemos uma tradição de fé distinta, monoteísta, e enraizada na tradição ocidental. Isso não significa que definimos conceitos de Deus e outros temas religiosos; e não significa que rejeitemos grupos religiosos e indivíduos que não sejam parte de nossa tradição. Ser abertos a outras interpretações e compreensões de Deus é parte da tradição unitarista. Entretanto, a Congregação Unitarista de Pernambuco é uma instituição que promove e ensina a tradição unitarista e honra as bases cristãs dessa tradição. O fundamento dessa tradição é a fé em um Deus.

Ortodoxia: O Pior Inimigo do Cristianismo (Jabez T. Sunderland)


Jabez Thomas Sunderland (1842-1936)


“Estou a serviço do Deus de nossos pais, segundo o Caminho, que eles chamam de seita”. - ATOS 24:14

É sempre a incumbência de um povo que persiste em manter uma diferente forma de doutrina religiosa ou de culto da maioria das pessoas da comunidade ou país onde vivam, estarem prontos, na ocasião apropriada, a darem suas razões.

Ocuparei o tempo que temos esta manhã em declarar, tão breve e claramente quanto posso, porque me encontro compelido a tomar uma posição fora da assim chamada ortodoxia, e a adorar o Deus de meus pais da forma que a maioria das pessoas deste país e da Cristandade chamam de heresia.

Creio que nada mais valioso que o Cristianismo tenha jamais aparecido dentre os homens.

Mas creio que o que é geralmente entendido como Cristianismo hoje, seja nos países protestantes ou católicos, não é o Cristianismo puro, original, como o ensinado por Jesus em palavras e em sua vida, mas que seja um Cristianismo corrompido, e corrompido pela introdução de elementos inteiramente estranhos a ele e essencialmente maus.

Estes elementos maus, claro, pelo menos até certo ponto, não destroem o Cristianismo com o qual estão mesclados; mas eles são, entretanto, até onde vão, corruptores e nocivos a ele.

Que elementos maus e corruptores são esses? Sem hesitação, respondo, em meu julgamento, antes de tudo, é aquela filosofia religiosa, ou teologia, ou séries de doutrinas a respeito de Deus e do homem e da religião, que recebe o nome popular de ortodoxia, e que inclui em sua lista, entre outros, a doutrina da queda da raça humana em Adão, a doutrina da depravação total universal, a doutrina de um inferno infinito, a doutrina da Trindade, a doutrina da vinda à terra da segunda pessoa da Trindade para morrer no lugar do homem e satisfazer a justiça de Deus, o que significa aceitar a idéia de que Jesus morreu para reconciliar Deus ao homem, ou para tornar Deus um pouco mais disposto ou pronto ou capaz de salvar os homens, ou seja, um pouco mais Pai do que Ele sempre foi, e finalmente, para não mencionar outros, a doutrina do culto a Jesus, que é tão popular em nossos tempos, e que praticamente impede o culto a Deus.

Eu digo que de todas as coisas que ferem o Cristianismo hoje e o fazem sangrar, de todas as coisas que o corrompem e o envenenam e o tornam outra coisa diferente daquela coisa doce e sadia e divina que era quando Jesus a deu ao mundo; de todas as coisas que tendem a torná-lo uma ofensa ao melhor pensamento e inteligência de nosso tempo, sem hesitar digo, segundo meu julgamento, o sistema de teologia que inclui estas doutrinas que mencionei, e que é conhecido popularmente como ortodoxia.

Você pergunta por que julgo a ortodoxia como sendo o pior inimigo que o Cristianismo tem hoje? Eu respondo, de forma geral, primeiro, por causa de onde está, e segundo, por causa do que é.

Quanto a onde está, está dentro da igreja. Se estivesse fora, seria comparativamente inofensivo, pois é sempre comparativamente fácil defender-se contra um inimigo externo. Mas quando um inimigo adentra o campo, como a ortodoxia fez, então a dificuldade e o perigo cresceu grandemente.

Há muito tempo atrás, na era das trevas, a ortodoxia abriu seu caminho rumo ao centro da igreja cristã, e lá, por meio da intolerância e proscrição e por todos os meios, se enraizou. E agora, em nosso tempo de maiores luzes, quando os homens começam a descobrir que aquilo não é o Cristianismo, mas um intruso e um inimigo, e está tão fortificado em sua posição que é apenas com a maior das dificuldades que pode ser movido. Na verdade, até grande ponto, capturou a religião cristã. E assim, hoje, onde quer que vamos, encontramos a ortodoxia sendo pregada de forma descarada como sendo o Cristianismo, e que tudo que se oponha a ela não é Cristianismo. É principalmente por essa condição das coisas que aquele grupo de, no geral homens muito inteligentes e sinceros, conhecidos como Religiosos Livres, se posicionaram fora do nome cristão. Tão claramente eles vêem que o nome cristão foi capturado, e que agora se identifica nas mentes da massa da humanidade com a ortodoxia – algo que eles acreditam ser falso e degradante – que eles declaram ser inútil tentar resgatar o nome.

Mas enquanto sinto a força de seu raciocínio, não posso concordar com sua conclusão. Não penso ser inútil tentar resgatá-lo. Levará uma longa e dura batalha para fazê-lo, mas todas as melhores forças de nossa civilização estão se juntando para nos ajudar, e nós, aos poucos, venceremos. As transformações da história são muito estranhas e freqüentemente escuras. Mas, dentre todas elas, isto sabemos -

"A verdade lançada à terra se reerguerá; os eternos anos de Deus são dela”.

E isto também sabemos: "Toda planta que não foi plantada por meu Pai celeste será arrancada” (mais cedo ou mais tarde) [Mateus 15:13].

Mas, ademais, creio que a ortodoxia seja o pior inimigo contra qual o Cristianismo tenha que contender hoje, não apenas por ela ter conseguido para si uma posição interna e clamores de que seja apenas ela o Cristianismo, mas também por ser tão inteiramente anti-cristã em sua natureza. Prestem atenção ao que digo, para que eu não seja mal-entendido, não digo que as pessoas que crêem na ortodoxia não sejam cristãs. Muitas delas, ao menos no que tange ao caráter e à vida prática, são inqüestionavelmente cristãs. Entretanto, seu Cristianismo não está em nenhum sentido em sua ortodoxia. Ao contrário, é algo incomparavelmente mais elevado, mais amplo, mais doce, mais divino, e completamente diferente de sua ortodoxia. Seu Cristianismo permaneceria o mesmo se sua ortodoxia desaparecesse, e, de fato, apenas encontraria um crescimento mais vigoroso e digno se nunca tivesse o íncubo da ortodoxia pesando sobre si.

Então esta é minha posição, considerando que os ortodoxos são, em grande número, sem dúvida alguma verdadeiros cristãos em caráter e vida, apesar de sua teologia, mesmo a ortodoxia como teologia, em tudo o que é particular a ela como ortodoxia, ser essencialmente e eternamente anti-cristã, e tem sempre e em todos os lugares ferido e não ajudado a causa da verdadeira religião na terra.

Mas, movendo do geral ao específico, precisamente em que ela é anti-cristã? Respondo, principalmente em quatro aspectos:

Primeiro. A ortodoxia não é ensinada por Cristo, mas, em vez disso, contradiz muitos de seus ensinos mais claros.

Segundo. Ela é irracional.

Terceiro. Ela é essencialmente imoral.

Quarto. O tempo e maneira de sua usurpação de um lugar na igreja cristã pode ser claramente traçado na história.

1. A primeira acusação específica, então, que faço contra a ortodoxia é de que ela não é ensinada por Jesus, mas, em vez disso, está em clara contradição com muitos de seus ensinamentos mais proeminentes e repetidos com mais freqüência.

Para começar, Jesus em nenhum lugar faz qualquer insinuação de que ele saiba qualquer coisa a respeito de qualquer Trindade; ele expressamente chama seu Pai de Deus único; ele usualmente refere-se a si mesmo como sendo o filho do homem; ele nunca clama para si mesmo qualquer título que mesmo sugira que ele seja Deus; ele declara diretamente que seu Pai é maior do que ele. E, sobre sua unidade com o Pai, ele declara que esta seja do mesmo tipo que sua unidade com seus discípulos, e do mesmo tipo que a unidade de Deus com todos os filhos amorosos e obedientes, a saber, claramente, unidade de espírito, de amor, de propósito, de desejo.

A ortodoxia, por outro lado, declara que há três Deuses em um Deus (não simplesmente um mistério, mas uma declaração auto-contraditória), e que Jesus é o Deus verdadeiro – eterno, onipotente, e o Criador do mundo.

Por outro lado, Jesus ensina que o melhor e mais verdadeiro conceito de Deus que podemos ter é aquele de um Pai, que sempre amou e sempre amará cada um de seus filhos humanos, que sempre deseja o melhor bem-estar de seus filhos, e que nem tem seu coração endurecido contra eles quando eles pecam, de forma que não os deseje salvar, e nem suas mãos estão amarradas por imaginações de leis ou justiça, de forma que ele não os possa salvar, mas, em vez disso, que ele é um Pai que espera todo o dia que seu filho errante retorne a ele, como o pai na parábola do Filho Pródigo espera – pronto, regozijante, feliz em sempre perdoar; ele também não quer que ninguém morra em lugar deles, antes que ele perdoe, da mesma maneira como o pai do Pródigo não queria que alguém sofresse antes que ele perdoasse seu filho errante. Contrário a tudo isso, entretanto, a ortodoxia ensina que Deus sempre esteve enfurecido com seus filhos humanos quando eles pecavam, e ou não podia ou não queria (você pode agarrar qualquer um dos chifres do dilema que você escolher) perdoá-los, não importando o quão profundamente eles se arrependessem, até que uma pessoa inocente tivesse morrido em seu lugar.

Novamente, Jesus ensinou que a salvação é basicamente e essencialmente salvação do pecar, ou seja, salvação para santidade presente e conseqüente alegria. A ortodoxia, por outro lado, ensina que a grande e toda-importante idéia de salvação é escapar do tormento penal eterno no mundo vindouro, e a entrada num céu distante, no qual, certamente, uma grande parte daqueles que amamos estará impedida de entrar.

Novamente, Jesus ensinou que o reino do céu vem não “com observação”, mas que está “dentro de você” - uma coisa do coração e da consciência e do caráter, silenciosa, escondida, começando nas menores sementes do bem plantadas na mente, e crescendo e se desenvolvendo, silenciosa e naturalmente, como a influência da levedura na comida, ou como o milho que cresce no campo – primeiro a folha, depois a espiga, depois o milho completo na espiga.

A ortodoxia ensina, por outro lado – é muito dizer isso? - que o reino do céu vem com a observância, e veja! Aqui, com multidões, com excitações de pregações e cânticos e exortações, com profissões (de crença) barulhentas, com conversões proclamadas ao mundo, e todo esse tipo de coisa.

Novamente, Jesus ensinou que aqueles que serão aceitos no dia do juízo e que ouvirão as palavras de boas-vindas, “venham abençoados de meu Pai e herdem o reino preparado para vocês desde a fundação do mundo”, não serão aqueles que disseram “Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome?” - mas aqueles que fizeram a vontade do Pai ao alimentar os famintos, vestir os desnudos, visitar os doentes, receber os estrangeiros, ministrar às necessidades e sofrimentos de seus irmãos humanos neste mundo. A ortodoxia, entretanto, ensina que aqueles que serão aceitos no julgamento serão aqueles que simplesmente acreditaram que -

“Nada, grande ou pequeno,
Restou para eles fazerem;
Jesus morreu e pagou por tudo,
Sim, todo o débito deles”.

Finalmente, para não mencionar outros antagonismos entre os dois, Jesus ensinou que o único objeto apropriado de adoração para os seres humanos é Deus, o Pai de todos, editando uma forma de oração que começa: “Pai nosso que estás no céu”, e nunca dando nenhum sinal de encorajamento a qualquer outra coisa que indicasse na direção dele como objeto de adoração. A ortodoxia, entretanto, ou seja, a ortodoxia protestante dos assim chamados evangélicos, que tem sido tão popular na Inglaterra e América de hoje, reverteu tudo isso e elevou Jesus a, não simplesmente um objeto, mas ao principal objeto de adoração humana. A adoração à Virgem Maria é raramente mais visível nos países católicos que a adoração a Jesus está se tornando neste país. Não apenas nas pregações, mas em hinos e orações, Deus tem caído em segundo plano, e Jesus tomou seu lugar.

Outros pontos de antagonismo entre a ortodoxia e os ensinos de Jesus, quase tão importantes quanto esses, continuam, mas eu devo deixá-los de lado. Tenho tempo apenas para uma ou duas palavras de caráter geral.

Não há muito tempo atrás, ao conversar com um irmão ministro a respeito do Sermão na Montanha, ele observou que este sermão de Cristo era muito notável, e por várias razões. E, primeiramente, era notável por não dizer – tão notavelmente por isso como pelo que diz – pois não se pode fugir da verdade, ele realçou, que, naquele mais longo e completo de todos os discursos públicos de Jesus, no qual ele estabeleceu as verdades que tinha a oferecer aos homens mais plenamente que em qualquer outro lugar, o grande Mestre omitiu completamente tudo o que se conhece como sendo as doutrinas da ortodoxia. Ele explicou e anunciou o Cristianismo que ele tinha a oferecer aos homens, com tudo aquilo deixado de fora. E se seguirmos os ensinos de Jesus desde aquele tempo até o fim, não sei como alguém poderia negar que sempre o encontramos anunciando um Cristianismo que tem todas essas doutrinas que são peculiares à ortodoxia persistentemente deixadas de fora. A Trindade, a queda de Adão, a depravação total, o “plano de redenção”, e todas as outras, não estão lá. A única aparente exceção é a doutrina de um inferno eterno. Mas, mesmo quanto a essa, a exceção é mais aparente do que real; pois, naqueles casos nos quais Jesus se refere a uma punição no mundo vindouro, e usa a palavra “eterna” para se referir a ela, em cada caso a palavra grega Αιων ou Αιωνος, traduzida como “eterna(o)”, é a mesma palavra usada repetidamente em outros lugares no Novo Testamento para se referir a coisas que têm um fim.

E, se as doutrinas da ortodoxia não são apoiadas, mas, ao contrário, são quase todas elas claramente negadas e combatidas pelos ensinos de Jesus, então também, declaro que estão da mesma maneira rebatidas, em vez de estabelecidas, pela Bíblia como um todo. Eu admito que há mais que parece apoiar essas doutrinas em outras partes da Bíblia do que os Evangelhos. E você percebe que quando alguém vem diante de você, tentando provar quase que qualquer doutrina da ortodoxia, como regra ele vai para suas principais provas, não para o grande Mestre, mas para algum discípulo, ou para algum escritor do Antigo Testamento, cuja luz não era tão clara, e cuja compreensão dessas coisas não era tão perfeita como aquela de Jesus. Em outras palavras, ele lhe leva à luz do candeeiro, e não à luz do sol. Por que ele não lhe leva à luz do sol do Sermão da Montanha, e aos capítulos quatorze, quinze, e dezesseis de João, e aos Evangelhos em geral, para ver como esses temas aparecem lá? Se elas são as grandes doutrinas centrais do Cristianismo, como se afirma, certamente elas se encontrarão nos ensinamentos do Fundador do Cristianismo. Mas, não, em vez de levá-lo lá, ele leva você aos escritos de homens que viveram antes de Jesus, e que tinham apenas a luz do Judaísmo, ou então para os discípulos, que estavam bem abaixo de seu Mestre, e que certamente, durante todo o ministério de Jesus, estavam sempre entendendo-o erroneamente, mesmo quando se tratava dos mais simples de seus ensinos. E mesmo assim, não posso admitir que mesmo seus escritos, interpretados candidamente e à luz de uma ampla cultura, realmente ensinem quaisquer das distintas doutrinas da ortodoxia. E é notável, que aqueles escritores da Bíblia que estão mais avançados, e mais próximos do nível intelectual, moral, e espiritual de Jesus, sempre dão menos do que pelo menos aparente aprovação às doutrinas da ortodoxia, e se harmonizam mais plena e claramente com Jesus no ensino de verdades que antagonizam a ortodoxia em todos os pontos. Mas já me demorei muito nesta parte de meu assunto, apesar de que eu ficaria feliz, se o tempo permitisse, em tocar mais nesse assunto. Sigo agora para meu próximo ponto.

2. A ortodoxia é irracional. Eu a acuso de ser tão antagônica à razão quanto aos ensinos de Cristo. E isso não é algo para se considerar ligeiramente. Ela menospreza a razão, e diz que a razão é do homem natural, e que deve sempre se manter subordinada à fé. A coisa mais importante a ser feita, a coisa mais agradável a Deus, a coisa sem a qual não há nenhuma segurança ou salvação, é crer, simplesmente crer. E a explicação do mistério, de como a velha teologia é capaz de manter seu controle das mentes das pessoas como faz, está, mais do que qualquer outra coisa, neste simples fato, que ela ensina que o homem não deve duvidar, não deve questionar; os homens devem acreditar. Usar sua razão com a religião, além de um certo limite muito estreito, é do diabo.

Jamais esquecerei minha própria longa e amarga experiência com isso. Após dúvidas e receios a respeito de diferentes doutrinas da velha teologia começarem a surgir em minha mente e me perturbarem, fui mantido na trilha da tortura mental por meses e anos por todos aqueles a quem fui em busca de luz me dizerem que minhas dúvidas eram tentações do Maligno. Eu tinha de orar contra elas. Eu tinha que lutar contra elas. Tinha que derrubá-las, pois as gloriosas doutrinas da verdadeira fé eram doutrinas a serem reverente e implicitamente cridas, e não racionalizadas. A razão humana era uma faculdade depravada. Tinha caído com a queda de Adão, e assim deveria ser suspeita.

Bem, claro, uma teologia que uma vez tenha se apoderado da mente popular – e essa teologia se apoderou, devemos lembrar, em eras mais obscuras que a nossa, ela não poderia fazer isso agora – mas tendo uma vez se apoderado da mente popular, logicamente ela estaria muito firme e difícil de mover, pois ela guarda o início – coibindo seus adeptos no memento em que comecem a duvidar, dizendo: “Você não deve duvidar ou questionar ou racionalizar, pois isso é a essência do pecado”.

E, obviamente, também, uma teologia que se defende proibindo ou limitando a busca, e tornando a razão um tabu, deve necessariamente ser uma teologia irracional. Ela se declara ser destituída de razão em sua própria condenação da razão. Se ela mesma fosse racional, não faria nenhuma objeção a ser submetida aos testes da razão e investigação. Coisas nascidas da luz não temem a luz.

Os mais inteligentes apoiadores da ortodoxia sabem muito bem que cada aumento de luz e inteligência tende a mostrar a debilidade de sua teologia. Essa é a razão pela qual essa teologia tem lutado contra a ciência como faz. A ortodoxia parece instintivamente ter percebido desde o início que a ciência é sua inimiga. E assim, mesmo tendo feito barulhentas declarações de amizade com a ciência, e enquanto muitos de seus crentes têm sido verdadeiramente devotos à ciência, e não em poucos casos terem sido eles mesmos os promotores da ciência, como teologia, ela não tem sido amigável, mas hostil à ciência. Raramente qualquer coisa na história da civilização tem sido mais distinto do que foi sua amarga oposição ao sistema copérnico de astronomia, a não ser sua ridícula oposição posterior à ciência da geologia. E hoje se apodera com força de uma larga proporção dos mais importantes cientistas do mundo – especialmente da Alemanha, França, e Grã-Bretanha, e essas são as nações mais científicas do mundo – e amontoando sobre esses homens os epítetos de “céticos”, “infiéis”, e coisas semelhantes. E por que outra razão, apenas por ver que a tendência dessas ciências e das investigações desses homens seria minar o fundamento sobre o qual sua doutrinas mais importantes se baseiam? Ela se torna apreensiva; treme com a chegada de novas luzes, pois não sabe qual de suas outras teorias derreterá diante de si como uma ilusão da noite. Não, as investigações da razão já criaram uma devastação tão assombrosa das doutrinas da ortodoxia que não me surpreendo que os choros soem com mais fervor pelo resto do caminho - “Creia, apenas creia; tenha fé; confie e aceite, mesmo quando não puder ver; e acima de todas as coisas, não ponha sua confiança na razão”. Digo, não me surpreendo que esse clamor soe, com ardor quase desesperado, por toda a linha de frente ortodoxa.

3. Venho agora ao meu terceiro ponto. A ortodoxia é imoral. Afirmo que não seja apenas, primeiro, contrária aos ensinos de Jesus, e segundo, irracional, mas que é, em terceiro lugar, essencialmente imoral. Note, eu não digo que as pessoas que acreditam na ortodoxia sejam necessariamente pessoas imorais; nem digo que os homens que pregam a ortodoxia nunca pregam em adição a ela, ou, mais acuradamente falando, em oposição a ela, moralidade. Certamente alguns homens de morais irrepreensíveis são homens que consideram indubitavelmente a ortodoxia como verdadeira; e alguns pregadores, que pregam com grande vigor e poder contra o pecado e a favor da retidão, são pregadores das comunhões ortodoxas. O que digo é que a ortodoxia como uma teologia está misturada com idéias que são imorais em sua tendência, e que quase toda doutrina essencial dela está ou fundamentada sobre, ou necessariamente involve, princípios que, quando legitimamente praticados, levam à degradação de Deus e à injúria moral dos homens.

O fato de que essas tendências sejam até certo ponto controladas, e que esses princípios nem sempre fluam para seus legítimos resultados, não muda a natureza do caso de maneira alguma. Se eu puser sobre minha mesa pão no qual haja veneno, e serví-lo à minha família, seria apenas uma desculpa fraca que eu também servisse com ele outra comida que fosse saudável, ou mesmo que eu provesse algum remédio ou antídoto para o veneno. O fato é, veneno é veneno, seja veneno material ou moral, e nunca deveria ser dado nem ao estômago nem ao cérebro, e isso não pode ocorrer impunimente.

Observemos por um momento algumas das mais importantes doutrinas da ortodoxia separadamente.

Por exemplo, a doutrina tão energeticamente pregada da infalibilidade da Bíblia, ou a idéia de que cada palavra da Bíblia seja palavra de Deus, e que o livro deva ser aceito de capa a capa, sem nenhuma reserva. Veja o que essa doutrina envolve. Ela envolve crer que foi certo, por exemplo, que Josué conquistasse Canaã, que expulsasse um povo pacífico, que nunca o ofendera, de suas casas, e mais ainda, que era correto matá-los, não apenas os homens, mas mulheres e crianças indefesas, aos milhares e milhares, já que se dá a entender que tudo isso ocorreu com a aprovação de Deus. E alguns dos mais ultrajantes casos de todos, de crueldade e assassínio indiscriminado de mulheres e crianças, são expressamente declarados terem sido mandamento de Deus. Agora, que tipo de moralidade é essa?

Essa doutrina também envolve crer que fosse certo que Davi fizesse contra seus inimigos as mais vingativas, cruéis e chocantes orações para que eles fossem mutilados, destruídos, tivessem seus ossos quebrados, que a vingança de Deus estivesse sobre eles, que eles nunca fossem perdoados, que suas esposas e filhos passassem necessidade e não encontrassem ninguém para ajudá-los, que seus pequeninos fossem arremessados contra uma rocha. Eu nem preciso perguntar se era correto que Davi orasse por tais coisas. Entretanto, elas aparecem nos Salmos, e se os Salmos são plenamente inspirados de forma que sejam infalivelmente perfeitos, então essas imprecações horríveis e vingativas devem ser aceitas como tendo vindo de Deus.

Você certamente se lembra da conduta de Jacó, de como com a conivência de sua mãe ele enganou seu pai cego e moribundo, e fez com que seu pai pensasse que ele era seu irmão mais velho, Esaú, conseguindo assim a benção de seu pai, que Esaú deveria ter recebido, suplantando seu irmão da maneira mais flagrantemente desonesta, e levando uma vantagem sobre ele em termos da maior vantagem que um homem poderia levar sobre outro naquela época. E nenhuma palavra de condenação é jamais mencionada contra Jacó no relato bíblico, mas, ao contrário, ele é em todo lugar representado como o favorito especial de Deus. Que tipo de moralidade é essa? Mas todo homem que afirma que a Bíblia é infalível, e que ela deve ser aceita como se cada parte e partícula viesse de Deus, e como perfeita, é obrigado a receber todas essas coisas e outras semelhantes (e há incontáveis casos semelhantes no Antigo Testamento) como corretas. Agora, o que faz isso além de minar a moralidade e degradar o caráter de Deus, da maneira mais horrível?

Então, quem negará que a doutrina ortodoxa da infalibilidade da Bíblia seja, definitivamente, uma doutrina imoral?

Mas agora pense a respeito da doutrina da queda da raça humana em Adão. Essa doutrina ensina que por causa do pecado de um homem, toda a raça humana, nenhum deles que tenha nascido, e alguns deles que ainda não existiriam até milhares de anos mais tarde, deva ser considerada culpada, e tão terrivelmente culpada que a punição para eles é o tormento eterno. Pode-se imaginar qualquer outra coisa palpavelmente mais injusta, e moralmente ultrajante?

E agora, a doutrina da eleição e predeterminação. Essa ensina, em essência, que um pai escolhe e aponta desde a eternidade alguns de seus próprios filhos para serem salvos e outros para serem perdidos. Que tipo de paternidade é esta que pode fazer isso? Você poderia fazer isso, ou eu, mesmo sendo os seres pobres, errantes e imperfeitos que somos? E se não, então você pensa que Deus pode, aquele que é o Pai perfeito, infinito em poder e sabedoria, e bondade e amor?

E a doutrina da expiação como ensinada pela ortodoxia. De acordo com esta doutrina, a humanidade é culpada; Jesus é inocente. O inocente é punido; os culpados saem livres. Que tipo de moralidade é essa? Por que foi o inocente punido, eu pergunto? Para que a justiça fosse satisfeita, é respondido. Mas, eu respondo, essa é precisamente a maneira como a justiça é insatisfeita. A justiça, que é justiça real, e não uma falsidade, nunca encontra satisfação na punição da inocência, não importando se o inocente se oferece, de sua própria vontade, para ser punido. Para satisfazer as exigências da justiça, a culpa deve ser ou punida, ou perdoada, perdoada honesta e diretamente pela boa causa. E em qualquer transação que puna uma pessoa inocente, e que finja que foi a pessoa culpada que foi punida, a justiça não pode tomar parte. Ela lava suas mãos de toda coisa desse tipo.

Finalmente, a doutrina da conversão repentina – o ensino que alguém possa sair de uma condição merecedora do inferno, para uma condição digna do céu, por simplesmente realizar o ato mental de acreditar em algo! Que estranha mudança da ordem moral isso envolve! Suponha um caso como exemplo. Suponha que haja um homem aqui que viveu uma vida tão má quanto seja possível a um homem. Ele se tornou um bruto; ele blasfemou contra Deus, e feriu seu próximo com todo seu poder. Ele é um mentiroso, um ladrão, um adúltero, um assassino. Finalmente, depois de muitas fugas, ele é preso, julgado, sentenciado à morte. Dando-se conta que foi realmente pego, sem nenhuma chance de fuga, ele fica alarmado. Dizem a ele que acredite em Jesus e assim ele será salvo. Ele se converte, é enforcado, e vai para o céu. Eis um outro homem que viveu a vida mais exemplar; ele foi um filho zeloso, um marido amoroso, um pai fiel, um bom cidadão, alguém que sempre cuidou dos pobres e necessitados e dos sofredores, um amigo de toda boa causa, até mesmo alguém que apoiou a igreja e sustentou a religião, e, que de sua própria maneira, de acordo com os ditames de sua própria consciência, adorou a Deus. Mas ele nunca passou pela experiência mental chamada pela ortodoxia de crença em Jesus. Ele morre – e está perdido. O assassino que disse “Eu creio”, ergue seus olhos no céu; o bom homem que omitiu dizer isso, ergue os seus no inferno.

Esse tipo de doutrina é moral? Ou não é ela imoral da pior maneira? De fato, poderia se imaginar qualquer ensinamento que tendesse mais fortemente a dar um prêmio ao vício e ao crime, e desencorajar a virtude e a moralidade do que esse? Se se pudesse, eu não poderia pensar qual seria.

Outras doutrinas da ortodoxia podem se mostrar tão más quanto essas que acabei de mencionar. Mas já citei o suficiente. Se os exemplos já observados não forem suficientes para condenar todo o sistema como sendo, em sua natureza, desonrosos a Deus e destrutivos à virtude nos homens, então sou incapaz de julgar.

4. Eu chego agora à minha quarta e última acusação contra a ortodoxia, ou seja, a de que o tempo pode ser fácil e claramente traçado na história da igreja cristã, quando todas as mais importantes dessas doutrinas surgiram, e a maneira pela qual elas surgiram e se impuseram sobre o Cristianismo.

A doutrina da Trindade surgiu, como bem se sabe, nos séculos III e IV, tendo sua origem, inquestionavelmente, no Neo-Platonismo especulativo e excessivamente místico de Alexandria. Uma batalha teológica ocorreu sobre ela, que se espalhou por toda a Cristandade, despedaçando as igrejas gregas e latinas da maneira mais terrível, e despertando em todo lugar alienação e ódio onde antes houvera paz e harmonia. O Concílio de Nicéia, que a estabeleceu como ortodoxia, e como sendo a partir de então a fé da igreja, por muito tempo impôs um equilíbrio sobre ela; e quando, finalmente, o concílio se pôs a favor da doutrina, foi por uma maioria tão pequena quanto insignificante; enquanto não faltam evidências (e essas de fontes ortodoxas) de que a real influência que virou a balança foi o Imperador Constantino, um homem que moldou todo o seu trajeto pelo que pensava ser política, tendo diferentes épocas em sua vida nas quais mudara entre o Unitarismo e o Trinitarismo. E assim, não fosse a influência do astucioso imperador, que no momento estava sendo treinado pelo partido Trinitarista, o Unitarismo, a crença da igreja até aquele tempo, em vez do Trinitarismo, seria sem dúvida alguma a doutrina predominante na Cristandade hoje em dia.

Avançando um século ou dois, encontramos uma outra nova doutrina, vinda do cérebro sombrio e metafísico de Agostinho, se apresentando à Igreja. Desta vez é a doutrina da depravação total. A controvérsia envolvendo essa doutrina (chamada na história de Controvérsia Pelagiana) desolou a Cristandade por quase um século. No fim, ela favoreceu a especulação de Agostinho, e daquela época em diante a depravação total, com a queda da humanidade em Adão, se tornou parte da fé da igreja cristã.

Avançando ao século doze, encontramos a doutrina da expiação ou do sacrifício vicário de Cristo surgindo. A antiga igreja não declarava tal doutrina. Por muito tempo depois da morte de Cristo e dos apóstolos, os cristãos estavam contentes com as simples representações e declarações do Novo Testamento. E quando finalmente, com as eras metafísicas surgindo, eles começaram a moldar teorias especulativas, a primeira teoria que moldaram, olhando na direção da doutrina moderna da expiação, foi a de que Jesus morreu, não para pagar nenhum débito para com Deus, ou para diminuir a ira de Deus, ou qualquer coisa desse tipo, mas que ele morreu para pagar um débito para com o diabo. Um pacto havia sido acordado entre Deus e o diabo, que se Deus desse Cristo nas mãos dele (do diabo) para que ele fosse afligido e morto, ele (o diabo) abriria mão da raça humana e permitiria que Deus os salvasse do inferno. E essa doutrina continuou como a doutrina recebida, até o século XII, quando o grande teólogo escolástico Anselmo publicou um livro (Cur Deus Homo, no ano de 1109), contendo uma nova doutrina de que Jesus morreu como um sacrifício exigido pela justiça de Deus. A justiça de Deus exigia a condenação de toda a humanidade por causa de sua queda em Adão, e Cristo morreu em seu lugar, para que eles pudessem ser livres. Bem, essa doutrina, proposta como foi no tempo mais sombrio da noite medieval, e imposta pela grande habilidade intelectual de seu autor, finalmente foi aceita. E assim a temos diante de nós hoje, como uma doutrina que nos pedem que aceitemos, ou percamos a salvação.

Avançando na corrente histórica um pouco mais, encontramos no século XVI a doutrina de Lutero da justificação pela fé surgindo, e um pouco mais adiante, aquele conjunto de doutrinas conhecidas como Calvinismo.

A história do surgimento de todas essas doutrinas foi essencialmente similar. Cada uma delas teve sua origem no cérebro de algum especulador teológico; cada uma delas ganhou aceitação numa era de escuridão comparativa, e algumas em eras de grande escuridão, e somente depois de uma batalha, que durou muito tempo e que dividiu a igreja em facções hostis da maneira mais triste e horrenda.

E agora, em nossos dias, todas essas doutrinas têm a audácia de vir diante de pessoas inteligentes e exigir que sejam aceitas como cristãs. Nascidas no tempo em que nasceram, e tendo entrado na igreja cristã como entraram, nenhuma delas tendo sido apoiada pela igreja em suas primeiras e mais puras eras, elas ainda têm a petulância de afirmarem ser a essência do Cristianismo. Para dizer o mínimo, é estranho, muito estranho! Mas isso é o suficiente.

Já falei muito sobre algumas das razões mais proeminentes que tenho a oferecer como explicação do por quê me encontro compelido a rejeitar a ortodoxia como não sendo cristianismo em nenhum senso real, e de me posicionar como cristão fora dela, de adorar o Deus de meus pais da maneira como tantos chamam de heresia. Um ou dois pensamentos e terminarei.

Freqüentemente ouvimos lamentos a respeito do declínio do Cristianismo, do ceticismo e materialismo de nossa era, da indiferença das classes mais inteligentes e educadas para com a religião. Dizem que físicos são geralmente céticos, que advogados raramente freqüentam igrejas, que nossos mais importantes editores e escritores geralmente manifestam pouco interesse em coisas espirituais, que nossos políticos e estadistas não se importam com a religião cristã, exceto como uma forma de força política com as massas que deve ser usada para sua vantagem pessoal. Também, freqüentemente se diz que os empresários mais importantes de nossas grandes cidades vão cada vez menos à igreja. Agora, o que tudo isso significa? Pois tudo isso tem um significado. Qual é o significado? Ah! Essas coisas que falei esta manhã apenas dizem claramente o que isso significa. Apenas significa que a inteligência desta era e deste país está se afastando de uma religião muito estreita e muito irracional. Coisas são ensinadas como sendo a essência da religião que vastos números desses homens vêem como triviais e absurdas para que eles dêem seu tempo e atenção. Assim, enquanto eles respeitem as instituições do Cristianismo, e em muitos casos contribuam com a construção de igrejas, e que cheguem mesmo a favorecer suas esposas e filhos por irem à igreja, eles evitam ir à igreja o quanto puderem, preferindo ficar em casa e ler Tyndall, e Spencer, e Proctor, e as revistas, e os jornais diários, de onde podem aprender algo que apela à razão e que nutre sua inteligência, em vez de irem a igrejas e ouvirem doutrinas que já ouviram centenas de vezes, e que soa como o mais óbvio absurdo toda vez que as escutam. Não faz muito desde que o Evangelista de Nova York, falando a respeito desse tema, usou essas palavras:

“Dentre todos os jovens inteligentes, que neste momento estou na liderança do pensamento e ação na América, nos aventuramos a dizer que quatro dentre cinco são céticos dos grandes fatos históricos do Cristianismo. O que é ensinado como doutrina cristã pelas igrejas não é considerado por eles, e entre eles há uma desconfiança geral a respeito do clero, como uma classe, e uma repugnância contra o aspecto do Cristianismo moderna e contra a adoração da igreja. Esse ceticismo não é petulante; pouco é dito sobre ele. Não é uma peculiaridade de radicais e fanáticos; muitos dos que o abraçam são homens de mentes calmas e equilibradas. Não é mundano e egoísta. Não, os que duvidam lideram da forma mais corajosa e mais altruísta os nossos dias”.

Disse o Rev. Newman, em um recente discurso veiculado em um jornal secular: “Na próxima década, e nos próximos cinco anos, o Cristianismo será julgado como nunca foi julgado antes. Há homens na Inglaterra e na América hoje, que atacarão com seu conhecimento acadêmico, com o poder do intelecto, e com uma amplitude de opiniões, inigualável no passado, e há homens e mulheres diante de mim esta noite que estão destinados a ter sua fé terrivelmente abalada”.

Não faz muito que o Bispo Simpson declarou publicamente que o tempo havia passado no qual a igreja cristã (significando, claro, a igreja cristã ortodoxa) podia recrutar homens adultos; a única esperança que lhes restava eram os jovens, especialmente as crianças. Portanto, ele exortou seus partidários religiosos a duplicar sua diligência nos esforços de assumir o controle de seus filhos antes que eles crescessem, e, claro, ficassem tão inteligentes (apesar de ele não ter se expressado exatamente com essas palavras) a ponto de virarem as costas às igrejas.

O que tudo isso significa? Alguém é tão cego a ponto de não poder ver? Pois bem! Pois bem! Significa que esses homens, cujas palavras citei, estão começando a discernir que o Cristianismo está entrando em uma crise tal que nunca foi vista antes, nem mesmo nas perseguições do século II, ou nos arremessos da Reforma alemã. Mas significa muito mais que isso; e o estranho é que esses homens não o vêem. Significa que a ocasião e causa da crise é basicamente a imensa bobagem e cegueira da própria igreja cristã em continuar, em face de toda a luz e inteligência de nossa era, a se prender a uma teologia que aquela luz e inteligência estão descobrindo tão rapidamente ser falsa.

A inteligência de nossa era realmente se afasta do ensino das igrejas desta era, porque tem que; e continuará a fazê-lo, cada vez mais, tão certo quanto a verdade é verdade, e tão certo quanto Deus reina, até que chegue uma época na qual as igrejas cristãs tenham uma teologia a oferecer aos homens que não se oponha aos ensinos mais claros do Fundador do Cristianismo; que não ataca a razão e o senso comum, que não viola o senso mais profundo de justiça do homem, e que não se impôs ao Cristianismo vindo de fora, como fez a ortodoxia.

Eu vos digo que os homens que se levantam nesta época iluminada e neste país para reafirmarem as doutrinas da ortodoxia, estão apenas bombardeando os melhores cérebros e cultura deste país diretamente de suas igrejas. Não importa se esses homens lotam auditórios e ganham momentaneamente o que parece ser sucesso. É sempre o mesmo. Seu sucesso é um relâmpago. Um simples vento de razão sóbria os vence. A longo prazo, no efeito profundo e permanente e real que produzem, eles afastam os melhores cérebros e inteligências do Cristianismo e, triste como é, em direção à descrença de toda religião. A única coisa que pode segurar a inteligência dessa era, sem falar das inteligências maiores das eras vindouras, é um Cristianismo que seja puro, racional, claro e limpo do que sobreviveu dos séculos das trevas – em uma palavra, cristão. Tal Cristianismo, uma vez mantido em sua beleza divina, não pode falhar em se recomendar às mentes honestas e devotas desta e de todas as eras.

E, creiam em mim, amigos e irmãos, tal Cristianismo é o herdeiro certo do futuro. Podemos não viver para ver o dia no qual ele prevalecerá, mas ele prevalecerá com certeza, pouco a pouco.

(Sermão pregado pelo Rev. Jabez T. Sunderland em Northfield, Massachusetts. Outubro de 1875.)

Citação Unitarista 2

Entre 1735 e 1805, duas gerações de religiosos liberais, comumente chamados de Arminianos, rejeitaram os padrões tradicionais calvinistas de pensamento e desenvolveram um novo conjunto de teorias a respeito da natureza humana e do destino humano.

A posição doutrinária dos liberais combinou três tendências que podem ser logicamente distinguidas: o Arminianismo, o racionalismo sobrenatural, e o anti-trinitarismo. O Arminianismo afirmava que os homens nasceram com a capacidade tanto para cometer o pecado quanto para praticar a retidão; que eles podem responder ao impulso para a santidade e ceder à tentação para fazer o mal; e que a vida é um processo de teste e disciplina pelo qual, com a assistência que Deus dá a todos, a escravidão ao pecado pode ser gradualmente vencida. Essa afirmação da habilidade humana contrasta com a crença calvinista de que a natureza inata humana seja pecaminosa, que Deus decretou felicidade infindável para alguns e tormento eterno para outros, e que a salvação vem como um presente imerecido do Espírito Santo de Deus.

O racionalismo sobrenatural, aceito por muitos calvinistas além dos liberais, foi virtualmente a teologia ortodoxa da Era da Razão. Afirmava que a razão não-auxiliada pode estabelecer o essencial da religião natural: a existência de Deus, as obrigações da moralidade, e uma ordem divina de recompensas e punições. Mas diferentemente do Deísmo, insistia que a religião natural devesse ser suplementada por uma revelação especial da vontade de Deus. A Bíblia é tal revelação, que reforça a religião natural, declarando suas obrigações mais clara e impressivamente; e proclama o evangelho da redenção por meio da perfeita obediência de Cristo, que a razão não-auxiliada jamais poderia ter descoberto...

Finalmente, os liberais tendiam a ser anti-trinitários, principalmente por não estarem convencidos de que a doutrina da Trindade estivesse nas escrituras. A maioria deles eram arianos, crendo que Cristo, enquanto não parte da Divindade, fosse um ser de nível mais elevado na Criação que um mero homem.

- Conrad Wright, The Beginnings of Unitarianism in America, Beacon Press, 1966.

Citação Unitarista 1

O Cristianismo Unitarista afirma Jesus como a figura central na história humana, e sua vida, morte e vitória como seu evento básico. Afirma a vida em seus altos e baixos, sua amplitude e vivacidade. Afirma o homem como tendo nascido de Deus e lutando contra o medo, desprezo e orgulho, para ser digno de renascer em amor abrangente. Afirma o caráter pessoal da fé, e a difícil estrada da justificação. Afirma a personalidade como dada à imagem de Deus, e se esforça para que essa personalidade possa existir livre e incorrupta. Afirma a universalidade da idolatria e da alienação, e perdoa o ódio e paga o mal com o bem. Afirma Deus como um espírito reconciliador, Jesus como Seu instrumento, e o homem como consumação. Afirma o passado como revelação, o presente como liberdade, o futuro como esperança frágil. Afirma a grandiosidade da alma humana, viva ou morta, e crê na herança e retorno como sendo semelhante à imortalidade. Afirma a Divindade nos olhos brilhantes das crianças, no... sacrifício simples e heróico, no silêncio, na música e na dança, e no sonho de ordem que une os homens. Afirma o amor em todas as suas formas, renuncia a gritante violência da guerra, dá paz e alegria infindáveis. Afirma não a si mesmo, mas Deus, na misericórdia de cujo cuidado e na glória de cuja presença é santificado e curado. Afirma o próximo momento como tempo suficiente para que a luz ilumine a escuridão, e para que a alma do homem seja liberta.

- David B. Parke, “A Integridade do Unitarismo”, Fé e Liberdade, Outono, 1960.

A Aliança Unitarista de 1870

"Cremos:
Na Paternidade de Deus;
Na Irmandade do Homem;
Na Liderança de Jesus;
Na Salvação pelo Caráter;
No Progresso da Humanidade."



(Essa foi uma declaração de fé unitarista muito comum de 1870 até meados do século XX em muitas igrejas unitaristas dos EUA, e foi adotada pela Congregação Unitarista de Pernambuco em 1933.)

Aliança de Ames

"Na liberdade da verdade, e no espírito de Jesus Cristo, unimo-nos para adorar a Deus e servir a humanidade."


- “A Aliança de Ames”, escrita por Charles Gordon Ames para a Sociedade Unitarista de Spring Garden na Filadélfia, em 1880, e posteriormente adotada por muitas igrejas unitaristas.

Afirmações do Cristianismo Unitarista

1. Compreensão Cristã de Deus. O Cristianismo Unitarista, fiel à ampla tradição do Cristianismo universal (ou católico) no qual surgiu, e em favor do qual tem trabalhado, e ao qual tem servido desde o início, afirma seu compromisso livre e racional com aquela revelação do significado de Deus, que é manifesto e simbolizado em Jesus Cristo, sua vida, obra, ensinamentos, paixão, e morte, como esta vida tem sido exposta no Novo Testamento, e como foi simbolizada naquela experiência da ressurreição da qual a Igreja presta testemunho.

2. Dignidade Humana. O Cristianismo Unitarista afirma aquela compreensão cristã da natureza humana que reconhece os seres humanos como personalidades livres e sagradas, abençoadas com consciência, razão, e emoções, e capazes, na liberdade de sua vontade, tanto de aceitarem a graça de Deus e de se completarem em união com Deus, quanto de se destruírem em alienação de Deus. Mas Deus, reconhecemos, como o Senhor da Vida, é o único juiz da existência, e somente na providência de Deus está o destino último da humanidade, que não está sujeito nem à decisão da Igreja nem de qualquer outra instituição humana.

3. Liberdade de Espírito. O Cristianismo Unitarista afirma como seu dever básico, e como seu lugar no desenvolvimento histórico do cristianismo institucional, a delicada tarefa de preservar a liberdade do espírito dentro da comunidade cristã, e reconhece as afirmações legítimas de uma pluralidade de interpretações religiosas e suas expressões dentro da unidade essencial e vida comum da Igreja.

4. A Aliança Congregacional como Base da Igreja Livre. O Cristianismo Unitarista afirma o valor e a necessidade da congregação cristã, reunida por aliança voluntária, onde Deus é adorado, e as pessoas se unem nos laços da fé, esperança, e amor: essa união sendo entendida como a presença redentora do Espírito de Cristo no mundo através da ação da Igreja.

5. Liberdade Cristã e Integridade Intelectual. O Cristianismo Unitarista, em sua defesa da liberdade cristã, busca interpretar a mensagem cristã no contexto do tempo e lugar, e, portanto, recusa-se a endorsar qualquer credo particular da Igreja histórica como sendo final e suficiente, que sendo relativo às condições de uma situação histórica, foi, está ou será no futuro superado. Assim, os cristãos unitaristas recusam-se a impor um credo expressivo deste tempo a gerações futuras, da mesma forma como por meio da sabedoria de nossos ancestrais, crescemos em liberdade para descobrir a verdade cristã de uma nova maneira nesta era.

6. Ação Social e a Ética do Amor. O Cristianismo Unitarista afirma por meio de ação social os valores éticos inerentes ao evangelho cristão, e sempre tenta relacionar esse evangelho a todas as esferas do pensamento e existência humanos.

7. Tolerância Religiosa Universal. O Cristianismo Unitarista, enquanto insistindo no valor e integridade básicos da mensagem cristã como um poder de redenção, busca promover uma compreensão e apreciação de tradições religiosas diferentes daquelas presentes na herança cristã, e assim, ativamente esposa todos os verdadeiros esforços ecumênicos para unir as pessoas em amor, respeito mútuo, paz, e boa-vontade.


(Congregação Unitarista de Pernambuco)