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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Cristianismo Unitarista - William Ellery Channing

William Ellery Channing

Pronunciado na Ordenação do Rev. Jared Sparks, na Primeira Igreja Independente de Baltimore em 5 de maio de 1819.

1 Tessalonicenses 5:21: "Examinem todas as coisas e fiquem com o que é bom."

As circunstâncias peculiares desta ocasião não só justificam, mas parecem exigir um desvio do curso geralmente seguido por pregadores na introdução de um irmão ao ofício sagrado. É costume falar da natureza, da concepção, dos deveres, e das vantagens do ministério cristão; e sobre estes tópicos eu deveria estar feliz agora em insistir, não lembrei que um ministro será dado hoje a uma sociedade religiosa, cujas peculiaridades de opinião têm trazido sobre ela muitas críticas, e devo acrescentar, muita reprovação. Muitas boas mentes, muitos cristãos sinceros, estou ciente, estão apreensivos de que as solenidades deste dia darão um grau de influência a princípios que consideram falsas e prejudiciais. Os medos e anseios desses homens eu respeito, e, acreditando que são fundamentados, em parte, em erro, penso ser meu dever explicar-vos, tão claramente quanto posso, algumas das opiniões distintas daquela classe de cristãos em nosso país, que são conhecidos por simpatizarem com esta sociedade religiosa. Devo pedir vossa paciência, pois tal assunto não pode ser discutido de maneira estreita. Não posso também deixar de pedir-vos que se lembrem, que é impossível expor, em um único discurso, nossos pontos de vista a respeito de cada doutrina da Revelação, muito menos as diferenças de opinião que sabemos subsistirem entre nós. Limitar-me-ei aos temas, sobre os quais os nossos sentimentos foram mal-compreendidos ou, que, mais amplamente, nos distinguem dos outros. Não posso eu esperar ser ouvido com sinceridade? Deus livre-nos de todos os preconceitos e maldades, e encha-nos com o amor à verdade e à virtude.

Há duas divisões naturais sob as quais meus pensamentos serão organizados. Tentarei expor, 1º, os princípios que adotamos na interpretação das Escrituras. E 2º, algumas das doutrinas, que as Escrituras, daquele modo interpretadas, parecem-nos expressar claramente.

I. Consideramos as Escrituras como os registros das sucessivas revelações de Deus à humanidade, e particularmente da última e mais perfeita revelação de Sua vontade por Jesus Cristo. As doutrinas que parecem-nos ser claramente ensinadas nas Escrituras, recebemos sem reserva nem exceção. Não atribuímos, contudo, igual importância a todos os livros nessa coleção. Nossa religião, acreditamos, reside principalmente no Novo Testamento. A dispensação de Moisés, comparada àquela de Jesus, consideramos como adaptado à infância da raça humana, uma preparação para um sistema mais nobre, e principalmente agora útil para confirmar e ilustrar as Escrituras cristãs. Jesus Cristo é o único mestre dos cristãos, e tudo o que ele ensinou, seja durante o seu ministério pessoal, ou por meio de seus Apóstolos inspirados, consideramos como tendo autoridade divina, e professamos torná-lo como regra da nossas vidas.

Essa autoridade, que damos às Escrituras, é uma razão, temos de conceber, para estudá-las com cuidado peculiar, e para estudarmos ansiosamente os princípios de interpretação, por meio dos quais seu verdadeiro significado pode ser alcançado. Os princípios adotados pela classe de cristãos em nome dos quais falo, precisam ser explicados, porque são muitas vezes incompreendidos. Somos particularmente acusados de fazer uso ilimitado da razão na interpretação das Escrituras. Dizem que exaltamos a razão acima da revelação, e que preferimos a nossa própria sabedoria em lugar da sabedoria de Deus. Acusações soltas e indefinidas dessa natureza circulam tão livremente, que pensamos que devemos a nós mesmos, e à causa da verdade, expressar nossos pontos de vista com alguma particularidade.

O nosso princípio orientador na interpretação das Escritura é este, que a Bíblia é um livro escrito por homens, na língua dos homens, e que o seu significado deve ser procurado nos mesmos moldes que de outros livros. Cremos que Deus, quando fala ao gênero humano, coaduna, se podemos falar assim, às regras estabelecidas de conversação e escrita. De que outra forma teriam as Escrituras valor para nós, se fosse comunicada em uma língua desconhecida?

Agora, todos os livros, e todas as conversas, exigem do leitor ou ouvinte o constante exercício da razão, ou a sua verdadeira importação só pode ser obtida por comparação contínua e inferência. A linguagem humana, bem sabeis, admite várias interpretações, e cada palavra, cada frase deve ser modificada e explicada, de acordo com o assunto que é discutido, de acordo com os propósitos, sentimentos, circunstâncias, e princípios do escritor, e de acordo com o gênio e expressões idiomáticas da língua que ele usa. Estes princípios são reconhecidos na interpretação dos escritos humanos, e um homem, cujas palavras devemos explicar sem referência a esses princípios, reprovar-nos-ia com uma acusação de falta de candura, e com a intenção de obscurecer ou distorcer o seu significado.

Se a Bíblia tivesse sido escrita em uma linguagem e estilo próprios, se consistisse de palavras que admitissem um único sentido, e de sentenças totalmente desligadas umas das outras, não haveria lugar para os princípios dos quais agora falo. Não poderíamos raciocinar a respeito delas, como fazemos com outros escritos. Mas tal livro seria de pouco valor, e, talvez, de todos os livros, as Escrituras correspondem menos a essa descrição. A Palavra de Deus ouve o carimbo da mesma mão, que vemos em suas obras. Tem infinitas ligações e dependências. Cada proposição está relacionada a outras, e deve ser comparada a outras; para que seu pleno e preciso sentido seja compreendido. Nada está isolado. O Novo Testamento é construído sobre o Antigo. A dispensação cristã é uma continuação do judaica, a realização de um vasto programa de providência, que exige uma grande medida de visão do leitor. Ainda mais, a Bíblia trata de assuntos sobre os quais recebemos idéias de outras fontes além de si mesma; assuntos tais como a natureza, paixões, relações, e os deveres do homem, e ela espera que retenhamos e modifiquemos sua língua através das verdades conhecidas, que a observação e a experiência fornecem-nos nestes tópicos.

Além das observações já feitas sobre suas infinitas ligações, podemos observar, que o seu estilo em nenhum lugar afeta a precisão da ciência, ou o rigor da definição. Sua linguagem é singularmente brilhante, forte e figurativa, exigindo mais freqüentes desvios do sentido literal, do que a da nossa própria época e país, e conseqüentemente exigindo um exercício mais contínuo do julgamento. -- Pensamos, também, que as diferentes partes deste livro, em vez de serem confinadas às verdades gerais, perpetuamente se referem aos tempos nos quais elas foram escritas, aos estados da sociedade, aos modos de pensar, às controvérsias na igreja, aos sentimentos e práticas que já passaram, e sem o conhecimento dos quais estamos em constante perigo de estender a todos os tempos, e lugares, o que era de aplicação temporária e local. -- Pensamos, também, que alguns desses livros são fortemente marcadas pelo gênio e caráter de seus respectivos autores, que o Espírito Santo não tenha orientado os Apóstolos a ponto de suspenderem as peculiaridades de suas mentes, e que um melhor conhecimento dos seus sentimentos, e das influências sob as quais estavam, é uma das preparações para a compreensão dos seus escritos. Com estes pontos de vista a respeito da Bíblia, sentimos ser nosso sagrado dever exercitar nossa razão sobre ela perpetuamente, para comparar, inferir, buscar o espírito para além da letra, para buscar a natureza do assunto, e o objetivo do escritor, seu verdadeiro sentido; e, em geral, para fazer uso daquilo que é conhecido, para explicar o que é difícil, e para descobrir novas verdades.

Preciso descer aos particulares, para provar que as Escrituras exigem o exercício da razão? Vejamos, por exemplo, o estilo em que elas geralmente falam de Deus, e observemos como habitualmente aplicam a ele paixões e órgãos humanos. Lembrem-se das declarações de Cristo, que veio não para trazer a paz, mas a espada; que, a não ser que comamos de sua carne, e bebamos de seu sangue, não temos vida em nós; que temos de odiar pai e mãe, e arrancar o olho direito; e um grande número de passagens igualmente fortes e ilimitadas. Lembrem-se da maneira inepta como se diz que os cristãos possuem todas as coisas, conhecem todas as coisas, e podem fazer todas as coisas. Lembrem-se da contradição verbal entre Paulo e Tiago, e do aparente confronto de algumas partes dos escritos de Paulo com as doutrinas gerais e as finalidades do cristianismo. Eu poderia prolongar indefinidamente a enumeração, e quem não vê que temos de limitar todas estas passagens pelos conhecidos atributos de Deus, de Jesus Cristo, e da natureza humana, e pelas circunstâncias sob as quais foram escritas, de forma a dar à língua um sentido totalmente diferente do que implicaria, caso tivesse sido aplicado a seres diferentes, ou usadas em diferentes ligações.

O suficiente foi dito para mostrar, em que sentido fazemos uso da razão para interpretar as Escrituras. A partir de uma variedade de interpretações possíveis, selecionamos aquela que está de acordo com a natureza do assunto e com o estado do escritor, com a ligação da passagem, com a cepa geral das Escrituras, com o caráter e a vontade conhecidos de Deus, e com as leis óbvias e reconhecidas da natureza. Em outras palavras, estamos convencidos de que Deus nunca contradiz, em uma parte das escrituras, o que ele ensina em outra; e nunca contradiz, na revelação, o que ele ensina em suas obras e em sua providência. E nós, por isso, desconfiamos de cada interpretação, que, após deliberada atenção, parece repugnante a qualquer verdade estabelecida. Raciocinamos a respeito da Bíblia precisamente como os cidadãos fazem a respeito da constituição sob a qual vivemos,‎ ‏que,‭ ‬vocês sabem,‭ ‬estão acostumados a limitar uma provisão daquele venerável instrumento a outros,‭ ‬e a fixar o preciso sentido de suas partes,‭ ‬apelando para o seu espírito geral,‭ ‬às intenções de seus autores,‭ ‬e aos sentimentos,‭ ‬impressões e circunstâncias predominantes no tempo no qual foi escrita.‭ ‬Sem esses princípios de interpretação,‭ ‬francamente reconhecemos,‭ ‬que não podemos defender a autoridade divina das Escrituras.‭ ‬Neguem-nos essa latitude,‭ ‬e abandonaremos este livro a seus inimigos.

Não anunciamos esses princípios como se fossem originais,‎ ‏ou peculiares a nós.‭ ‬Todos os cristãos ocasionalmente os adotam,‭ ‬não excluindo aqueles que mais veementemente se opõem a eles,‭ ‬quando esses princípios ameaçam algum artigo favorito de seu credo.‭ ‬Todos os cristãos são compelidos a usá-los em suas controvérsias com os‭ “‬infiéis‭”‬.‭ ‬Todos os grupos os empregam em suas guerras uns com os outros.‭ ‬Todos têm a disposição de usar a razão,‭ ‬quando esta pode ser usada em favor de seu próprio grupo,‭ ‬e apenas reclamam dela quando suas armas os ferem.‭ ‬Ninguém raciocina mais freqüentemente que aqueles de quem diferimos.‭ ‬É impressionante o tecido que fabricam de algumas poucas passagens a respeito da queda de nossos primeiros pais‭; ‬e como ingenuamente extraem,‭ ‬de passagens separadas,‭ ‬doutrinas misteriosas a respeito da natureza divina.‭ ‬Não os culpamos por raciocinarem da forma como fazem,‭ ‬mas por violarem as regras fundamentais do raciocínio,‭ ‬por sacrificarem aquilo que é claro em favor do obscuro,‭ ‬e por sacrificarem o estilo das Escrituras em favor de um número insuficiente de textos isolados.

Opomos-nos fortemente ao modo desdenhoso no qual nossos adversários falam a respeito da razão humana,‎ ‏porque isso leva,‭ ‬cremos,‭ ‬ao ceticismo universal.‭ ‬Se a razão é tão terrivelmente obscurecida pela queda,‭ ‬a ponto de seus raciocínios decisivos a respeito de religião serem indignos de confiança,‭ ‬então o Cristianismo,‭ ‬e até mesmo a teologia natural,‭ ‬deve ser abandonado‭; ‬pois a existência e veracidade de Deus,‭ ‬e a originalidade divina do Cristianismo,‭ ‬são conclusões da razão,‭ ‬e devem permanecer ou cair com ela.‭ ‬Se a revelação estiver em guerra com essa faculdade,‭ ‬ela se subverte,‭ ‬pois a grande questão de sua verdade é deixada por Deus para ser decidida no tribunal da razão.‭ ‬É digno de observação quão semelhantes são as abordagens dos fanáticos e dos céticos.‭ ‬Ambos aniquilariam nossa confiança em nossas faculdades,‭ ‬e ambos atiram dúvida e confusão sobre toda verdade.‭ ‬Honramos muito a revelação para torná-la antagônica à razão,‭ ‬ou para crer que ela nos chame a renunciar nossos maiores poderes.


Reconhecemos que o uso da razão na religião seja acompanhado de perigo. Mas peçamos a qualquer homem honesto para olhar para a história da igreja e dizer se a renúncia à razão não foi ainda mais perigoso.‎ ‏Além disso,‭ ‬é um fato claro que os homens raciocinam tão erroneamente sobre todos os assuntos quanto sobre religião. Quem não conhece as teorias selvagens e sem fundamentação, que têm sido divulgadas nas ciências físicas e políticas? Mas quem chegou a supor que tivéssemos de deixar de exercer a razão a respeito da natureza e da sociedade, por os homens terem cometido erros para explicá-las por eras? Reconhecemos, que as paixões continuamente e, por vezes, fatalmente, perturbam a faculdade racional nas suas investigações a respeito da revelação. Os ambiciosos dão um jeito de encontrar doutrinas na Bíblia que favoreçam seu amor ao poder.‭ ‬Os tímidos e desanimados descobrem lá um sistema sombrio,‭ ‬e os místicos e fanáticos descobrem uma teologia visionária.‭ ‬Os corruptos podem encontrar exemplos ou declarações sob as quais constroem a esperança de um arrependimento tardio,‭ ‬ou de aceitação em termos fáceis.‭ ‬Mas as paixões não distraem a razão nos assuntos religiosos,‭ ‬não mais do que em outros assuntos,‭ ‬que chamam o forte e geral interesse‭; ‬e esta faculdade,‭ ‬conseqüentemente,‭ ‬não deve ser renunciada na religião,‭ ‬a não ser que estejamos preparados para descartá-la universalmente.‭ ‬A verdadeira inferência vinda dos erros quase intermináveis,‭ ‬que puseram a teologia nas trevas,‭ ‬é,‭ ‬não que devamos neglicenciar e depreciar nossos poderes,‭ ‬mas exercê-los mais pacientemente,‭ ‬circunspectamente,‭ seriamente‬. Os piores erros, afinal, depois de terem se espalhado naquela igreja, que condena a razão, e exige de seus membros fé implícita. As mais perniciosas doutrinas são fruto dos tempos mais sombrios, quando a credulidade geral encorajou os homens maus e entusiastas a abordarem seus sonhos e invenções, e a abafarem as fracas manifestações da razão, pelas ameaças de perdição eterna. Digamos o que quisermos, Deus nos deu uma natureza racional, e vai chamar-nos para prestarmos conta dela. Nós podemos deixá-la dormir, mas fazemo-lo por nossa conta e risco. A revelação é dirigido a nós, como seres racionais. Podemos desejar, em nossa preguiça, que Deus tivesse-nos dado um sistema, que não exigisse comparação, limitação, e inferência. Mas tal sistema estaria em desacordo com todo o caráter de nossa existência atual; e é parte da sabedoria tomar a revelação como nos é dada, e interpretá-la com a ajuda das faculdades, que supõe-lo por toda parte, e sobre o qual se assenta.


Para as opiniões dadas agora, uma objeção é comumente feita a partir do caráter de Deus. Somos informados, que Deus sendo infinitamente mais sábio que os homens, suas descobertas ultrapassarão a razão humana. Em uma revelação de tal mestre, devemos esperar proposições, que não podem ser conciliadas umas com as outras, e que podem parecer contradizer verdades estabelecidas, e força-nos a não questioná-las ou explicá-las, mas crer, e adorar, e submeter nossas débeis e carnais razões à Palavra Divina. A esta objeção, temos duas respostas curtas. Dizemos, em primeiro lugar, que é impossível que um mestre de infinita sabedoria expusesse aqueles, a quem ele ensina, ao erro infinito. Mas, uma vez que se admita, que proposições, que em seu sentido literal parecem claramente repugnantes umas às outras, ou a qualquer verdade conhecida, ainda devam ser recebidas e entendidas literalmente, que limite possível podemos estabelecer para a crença em contradições? Que abrigo temos contra o fanatismo selvagem, que sempre pode citar passagens, que, em seu sentido literal e óbvio, dá apoio às suas extravagâncias? Como podem os protestantes escapar da transubstanciação, uma doutrina mais claramente nos ensinada, se a submissão da razão, agora sustentada, é um dever? Como podemos sequer nos apegarmos à verdade da revelação, se uma aparente contradição pode ser verdade, como pode outra, e a proposição, que o cristianismo é falso, embora envolvendo incoerência, ainda pode ser uma verdade?

Respondemos novamente, que, se Deus é infinitamente sábio, ele não pode brincar com os entendimentos de Suas criaturas. Um mestre sábio descobre sua sabedoria adaptando-se às capacidades dos seus alunos, não em perplexa-los com o que é ininteligível, não em angustiá-los com aparentes contradições, e não em preenchê-los com uma desconfiança cética dos seus próprios poderes. Um mestre infinitamente sábio, que conhece a exata medida das nossas mentes e, o melhor método de esclarecê-las, superará todos os outros instrutores trazendo verdade à nossa compreensão, e, mostrando sua beleza e harmonia. Deveríamos, aliás, esperar ocasional obscuridade em um livro como a Bíblia, que foi escrito para séculos passados e futuros, bem como para o presente. Mas a sabedoria de Deus é uma promessa, que o que for necessário para nós, e o que for necessário para a salvação, é revelado muito claramente para não ser mal compreendido, e muito consistentemente para que não seja questionado, por uma mente sã e honesta. Não é a marca da sabedoria usar uma terminologia ininteligível, comunicar o que está acima das nossas capacidades, perturbar e confundir o intelecto pelas aparências da contradição. Honramos muito nosso Mestre Celestial para que lhe atribuamos uma revelação desse tipo. Uma revelação é um dom da luz. Não pode aumentar nossa escuridão, e multiplicar nossas perplexidades.

II. Tendo assim declarado os princípios segundo os quais interpretamos as Escrituras, avanço agora para a segunda parte deste discurso, que é, declarar alguns dos pontos de vista que temos e que derivam daquele livro sagrado, em particular aqueles que nos distinguem de outros cristãos.

1. Em primeiro lugar, cremos na doutrina da unicidade de Deus, ou que há um Deus e um só. A esta verdade damos importância infinita, e sentimo-nos obrigados a dar-lhe atenção, para que nenhum homem nos afaste dela por meio de vã filosofia. A proposição de que há um Deus, parece-nos extremamente clara. Entendemos por isso, que há um ser, uma mente, uma pessoa, um agente inteligente, e apenas um, a quem pertencem perfeição e domínio infinitos. Concebemos que estas palavras poderiam ter transmitido nenhum outro significado ao povo simples e inculto que foram escolhidos para ser os depositários desta grande verdade, e que eram absolutamente incapazes de compreender essas distinções entre ser e pessoa, que a sagacidade de eras posteriores descobriram. Não encontramos nenhuma intimação de que esta linguagem devesse ser tomada em um sentido incomum, ou de que a unicidade de Deus fosse uma coisa completamente diferente da unicidade de outros seres inteligentes.

Nos opomos à doutrina da Trindade, que, ainda que reconhecendo em palavras, subverte em efeito, a unicidade de Deus. De acordo com esta doutrina, há três pessoas iguais e infinitas, possuindo divindade suprema, chamadas de Pai, Filho e Espírito Santo. Cada uma dessas pessoas, como descrito por teólogos, tem sua própria consciência, vontade, e percepções particulares. Eles amam-se, conversam um com o outro, e deleitam-se mutuamente em sua companhia. Eles desempenham diferentes partes na redenção do homem, cada um com seu ofício adequado, e nenhum fazendo o trabalho do outro. O Filho é mediador e não o Pai. O pai manda o Filho, e ele próprio não é enviado, nem está consciente, tal como o Filho, de tomar carne. Aqui, então, temos três agentes inteligentes, possuidores de diferentes consciências, diferentes vontades, e diferentes percepções, realizando diferentes ações, e mantendo diferentes relações; e se estas coisas não implicam e constituem três mentes ou seres, estamos profundamente perdidos quanto a saber como três mentes ou seres são formados. São as diferenças de propriedades, e ações, e de consciência, que nos levam à crença de diferentes seres inteligentes, e, se esta marca falha-nos, todo o nosso conhecimento desaba; não temos nenhuma prova de que todos os agentes e pessoas no universo não sejam uma única e mesma mente. Quando tentamos conceber três Deuses, não podemos fazer nada mais do que representar para nós mesmos três agentes, distintos um do outro por marcas e peculiaridades semelhantes àquelas que separam as pessoas da Trindade; e quando cristãos comuns ouvem a respeito dessas pessoas como se elas conversassem uma com a outra, amassem-se uma a outra, e realizasse diferentes ações, como podem evitar pensar nelas como sendo diferentes seres, diferentes mentes?

Nós, então, com toda seriedade, mas sem censurar os nossos irmãos, protestamos contra a doutrina da Trindade como sendo irracional e não baseada nas escrituras. "Para nós," como para o Apóstolo e os cristãos primitivos, "existe um Deus, o Pai". Com Jesus, adoramos o Pai, como o único e verdadeiro Deus vivo. Espantamo-nos, que qualquer homem possa ler o Novo Testamento, e evitar a convicção de que apenas o Pai seja Deus. Ouvimos continuamente nosso Salvador apropriar este caráter ao Pai. Encontramos o Pai continuamente distinguido de Jesus por este título. "Deus enviou seu Filho". "Deus ungiu Jesus". Agora, quão singular e inexplicável é essa fraseologia, que preenche o Novo Testamento, se este título pertence igualmente a Jesus, e se um objetivo principal deste livro é revelar-lhe como Deus, como co-participante em pé de igualdade com o Pai na divindade suprema! Desafiamos nossos oponentes a apontarem uma passagem no Novo Testamento, onde a palavra Deus signifique três pessoas, onde não esteja limitada a uma pessoa, e onde, salvo se retirada de seu sentido usual pela conexão, não signifique o Pai. Pode uma prova mais forte ser dada, de que a doutrina das três pessoas na divindade não é uma doutrina fundamental do Cristianismo?

Esta doutrina, se fosse verdadeira, deveria, a partir de sua dificuldade, singularidade e importância, ter sido estabelecida com grande clareza, mantida com muito cuidado, e afirmada com toda precisão possível. Mas onde é que essa afirmação aparece? Das muitas passagens que tratam de Deus, nós pedimos uma, uma só, na qual somos informados, que ele seja um ser triplo, ou que ele seja três pessoas, ou que ele é Pai, Filho e Espírito Santo. Pelo contrário, no Novo Testamento, onde, pelo menos, poderíamos esperar afirmações expressas dessa natureza, declara-se que Deus é um, sem o mínimo esforço para impedir a aceitação das palavras em seu sentido comum; e dele sempre se diz e a ele sempre se dirige no número singular, ou seja, em linguagem universalmente entendida como se referindo a uma única pessoa, e para a qual nenhuma outra idéia poderia ter sido anexado, sem expressar uma admoestação. Tão inteiramente se abstêm as Escrituras de afirmar a Trindade, que quando os nossos adversários colocam-na em seus credos e doxologias, eles são obrigados a abandonar a Bíblia, e a inventar formas de expressão completamente não sancionadas pelo fraseologia das Escrituras. Que uma doutrina tão estranha, tão suscetível a má interpretação, tão fundamental como dizem ser, e que necessita desta cuidadosa exposição, é deixada de modo tão indefinido e desprotegido, a ser definida por inferência, e de ser caçada por meio de partes distantes e desligadas da Escritura, é uma dificuldade, que, pensamos, nenhum engenho pode explicar.

Temos uma outra dificuldade. O Cristianismo, devemos lembrar, foi plantado e cresceu no meio de inimigos, que não negligenciaram nenhuma parte censurável do sistema, e que devem ter se fixado com grande seriedade sobre uma doutrina que envolve contradições tão óbvias como a Trindade. Não podemos conceber uma opinião, contra o qual os judeus, que se orgulhavam de sua adesão à unicidade de Deus, teria levantado um igual clamor. Agora, como acontece, que nos escritos apostólicos, que se referem tanto às acusações contra o cristianismo, e às controvérsias que surgiram desta religião, não se diga uma única palavra, que implique que objeções tenham sido feitas contra o Evangelho por causa da doutrina Trindade, nenhuma palavra é proferida em sua defesa e explicação, nem uma palavra para resgatá-la da recriminação e engano? Este argumento tem quase a força de demonstração. Estamos convencidos que tivessem três pessoas divinas sido anunciada pelos primeiros pregadores do cristianismo, todas iguais, e todos infinitos, um dos quais foi o próprio Jesus que por fim morreu numa cruz, esta peculiaridade do cristianismo teria absorvido quase todos as outras, e o grande labor dos Apóstolos teria sido repelir os ataques contínuos, que isso teria despertado. Mas o fato é, que nem mesmo um sussurro de oposição ao cristianismo, por conta disso, chega a nossos ouvidos da idade apostólica. Nas Epístolas não vemos um rastro de polêmica causada pela Trindade.

Temos outras objeções a esta doutrina, traçadas a partir de sua influência prática. Consideramo-la como desfavorável à devoção, por dividir e distrair a mente em sua comunhão com Deus. É uma grande excelência da doutrina da unicidade de Deus, que ela oferece a nós UM OBJETO de suprema devoção, adoração, e amor, Um Pai Infinito, um Ser de seres, um original e fonte, a quem podemos remeter todo o bem, no qual todos os nossos poderes e afetos podem ser concentrados, e cuja natureza adorável e venerável pode permear todos os nossos pensamentos. A verdadeira piedade, quando dirigida a uma Deidade indivisa, tem uma pureza, uma singeleza, mais favorável ao espírito e amor religiosos. Agora, a Trindade apresenta diante de nós três objetos distintos de adoração suprema; três pessoas infinitas, com igualdade de créditos em nossos corações; três agentes divinos, realizando diferentes ofícios, e que devem ser reconhecidos e adorados em diferentes relações. E é possível, nós perguntamos, que a fraca e limitada mente do homem possa juntar-se a esses com a mesma força e alegria, como o Infinito Pai Único, a única Primeira Causa, em quem todas as bênçãos da natureza e da redenção reúnem-se como seu centro e origem? A devoção não deve ser distraída pela igual e rival exigência de três pessoas iguais, e não deve o culto dos cristãos conscienciosos e compatíveis ser perturbado por tal apreensão, a fim de que não lhe retire um ou outro destes, a sua devida proporção de homenagem?

Pensamos também, que a doutrina da Trindade prejudique a devoção, não só por incluir outros objetos de adoração além do Pai, mas por tomar do Pai o supremo afeto, que é devidamente seu, e transferi-la para o Filho. Este é mais um importante ponto de vista. Que Jesus Cristo, se exaltado à Divindade infinita, deveria ser mais interessante que o Pai, é precisamente o que se poderia esperar da história e dos princípios da natureza humana. Os homens querem um objeto de culto como eles mesmos, e o grande segredo da idolatria reside nesta tendência. Um Deus, revestido de nossa forma, e que partilha de nossos desejos e tristezas, fala a nossa débil natureza mais fortemente que um Pai no céu, um espírito puro, invisível e sem igual, salvo pela mente reflexiva e pura. -- Entendemos, também, que os ofícios peculiares atribuídos a Jesus pela teologia popular, torná-o a mais atraente pessoa na Divindade. O Pai é o depositário da justiça, o defensor dos direitos, o vingador das leis da Divindade. Por outro lado, o Filho, o brilho da misericórdia divina, permanece entre a enraivecida Deidade e a culpada humanidade, expõe sua mansa cabeça às tempestades, e seu compassivo coração à espada da justiça divina, assume toda a nossa carga de punição, e adquire com seu sangue cada bênção que desce do céu. Será preciso indicar o efeito dessas representações, especialmente nas mentes comuns, para quem o cristianismo foi concebido, e que visa trazer ao Pai como sendo o mais belo ser? Cremos que o culto de um Deus que sangra e sofre tende fortemente a absorver a mente e a distraí-la de outros objetos, assim como a ternura humana da Virgem Maria deu-lhe um lugar tão conspícuo nas devoções da Igreja de Roma. Acreditamos, também, que este culto, embora atraente, não seja mais adequado para espiritualizar a mente, que desperta desejos humanos, em vez de profunda veneração das perfeições morais de Deus, que é a essência da piedade.

2. Tendo, pois, dado as nossas opiniões da unicidade de Deus, continuo, em segundo lugar, a observar, que acreditamos na unicidade de Jesus Cristo. Nós acreditamos que Jesus é uma mente, uma alma, um ser, tão único como nós somos, e de igual modo distinto do Deus único. Queixamo-nos da doutrina da Trindade, que, não satisfeita com tornar Deus três seres, torna Jesus Cristo dois seres, e assim introduz confusão infinita em nossas concepções acerca do seu caráter. Esta corrupção do cristianismo, tanto repugnante ao senso comum quanto à linha geral da Escritura, é uma notável prova do poder de uma falsa filosofia em desfigurar a simples verdade de Jesus.

De acordo com essa doutrina, Jesus Cristo, em vez de ser uma mente, um princípio inteligente consciente, a quem podemos compreender, é constituído por duas almas, duas mentes: uma divina, a outra humana; uma fraca, a outra onipotente; uma ignorante, a outra onisciente. Agora, afirmamos que isso é tornar Cristo dois seres. Denominá-lo uma pessoa, um ser, e ainda supor que ele seja constituído de duas mentes, infinitamente diferente uma da outra, é abusar e confundir a língua, e lançar escuridão sobre todas as nossas concepções da natureza inteligente. Segundo a doutrina comum, cada uma dessas duas mentes em Cristo tem a sua própria consciência, a sua própria vontade, suas próprias percepções. Elas não têm, na verdade, nenhuma propriedade comum. A mente divina não sente nenhum dos desejos e tristezas da mente humana, e a humana está infinitamente afastada da perfeição e felicidade da divina. Pode-se conceber dos seres mais distintos no universo? Sempre pensamos que uma pessoa fosse constituída e distinta por uma consciência. A doutrina, que uma e a mesma pessoa tenha duas consciências, duas vontades, duas almas, infinitamente diferentes umas das outras, pensamos ser um enorme imposto sobre a credulidade humana.

Dizemos que, se uma doutrina, tão estranha, tão difícil, tão afastada de todas as anteriores concepções dos homens, é na verdade uma parte e uma parte essencial da revelação, deve ser ensinada com grande distinção, e pedimos aos nossos irmãos que apontem alguma passagem simples e direta, onde se diga que Cristo é composto de duas mentes infinitamente diferente, ainda que constitua uma pessoa. Nós não encontramos nenhuma. Outros cristãos, com efeito, dizem-nos, que esta doutrina é necessária para a harmonia das Escrituras, que alguns textos afirmam ser Jesus Cristo homem, e outras atribuem a ele propriedades divinas, e que para conciliá-las, devemos supor duas mentes, às quais estas propriedades possam ser submetidas. Em outras palavras, com o objetivo de conciliar certas passagens difíceis, que só uma crítica justa pode, em grande grau, se não na totalidade, explicar, temos de inventar uma hipótese muito mais difícil, envolvendo bruto absurdo. Temos de encontrar o nosso caminho para sair de um labirinto, por uma pista que conduz-nos em labirintos infinitamente mais inextricáveis.

Certamente, se Jesus Cristo pensava que ele consistia de duas mentes, e que esta era uma característica principal de sua religião, sua fraseologia a respeito de si mesmo teria sido colorida por esta particularidade. A linguagem universal dos homens está enquadrada na idéia de que uma pessoa é uma pessoa e uma alma; e quando a multidão ouviu esta linguagem vinda dos lábios de Jesus, eles devem tê-la entendido em seu senso comum, e devem ter entendido tudo o que ele disse como se referindo a uma única alma, a menos que expressamente instruídos a interpretá-lo de maneira diferente. Mas onde encontramos tal instrução? Onde se encontra, no Novo Testamento, a fraseologia que abunda nos livros trinitaristas, e que necessariamente vem da doutrina das duas naturezas em Jesus? Onde esse mestre divino diz: "Isto eu falo como Deus, e isto como homem; isto é verdade apenas a respeito de minha mente humana, isto apenas de minha mente divina"? Onde encontramos nas Epístolas traços desta estranha fraseologia? Em lugar nenhum. Não foi necessário naqueles dias. Foi exigida pelos erros de uma era posterior.

Cremos, então, que Cristo é uma mente, um ser, e, adiciono, um ser distinto do Deus único. Esse Cristo não é o Deus único, não é o mesmo ser com Deus, é uma inferência necessária de nosso ponto anterior, no qual vimos que a doutrina das três pessoas em Deus é uma ficção. Mas a respeito de um tema tão importante, adiciono algumas observações. Desejamos que aqueles de quem diferimos, levassem em consideração um fato importante. Jesus, em sua pregação, continuamente falou de Deus. Essa palavra esteve sempre em sua boca. Perguntamos, ele, com essa palavra, refere-se a si mesmo? Respondemos: nunca. Ao contrário, ele claramente distingue entre Deus e si próprio, e da mesma maneira o fazem seus discípulos. Como podemos reconciliar isso com a idéia de que a manifestação de Cristo, como Deus, fosse um objetivo básico do Cristianismo, nossos adversários devem determinar.

Se examinamos as passagens nas quais Jesus é distinto de Deus, veremos, que elas não só falam dele como sendo outro ser, mas parecem expressar sua inferioridade. Continuamente fala-se dele como sendo o Filho de Deus, enviado por Deus, recebendo todo o seu poder de Deus, realizando milagres porque Deus estava com ele, julgando justamente porque Deus o ensinara, recebendo nossa crença porque foi ungido e selado por Deus, e não tinha a capacidade em si mesmo de fazer nada. O Novo Testamento está repleto desta linguagem. Agora perguntamos, que impressão esta linguagem intencionava dar? Poderia qualquer um que a ouviu ter imaginado que Jesus fosse o mesmo Deus de quem ele tão industriosamente declarava ser inferior; o mesmo Ser por quem ele foi enviado, e de quem professava ter recebido sua mensagem e poder? Lembremo-nos que o nascimento humano, e forma corporal, e circunstâncias humildes, e sofrimentos mortais de Jesus, devem todos ter preparado os homens para interpretarem, da maneira mais desqualificada, a linguagem na qual sua inferioridade para com Deus foi declarada. Por que, então, foi essa linguagem usada tão continuamente, e sem limitação, se Jesus era a Deidade Suprema, e se esta verdade era uma parte essencial de sua religião? Eu repito, a condição humana e os sofrimentos de Cristo tendiam fortemente a excluir das mentes dos homens a idéia de sua Divindade; e, claro, deveríamos esperar encontrar no Novo Testamento um cuidado e esforço perpétuos para neutralizar esta tendência, de declará-lo como o mesmo ser com o Pai, se esta doutrina fosse, como fingem ser, a alma e base de sua religião. Deveríamos esperar encontrar a fraseologia das Escrituras moldadas por essa doutrina, ouvir familiarmente a respeito de Deus o Filho, de nosso Senhor Deus Jesus, e ouvir que para nós há um Deus, Jesus. Mas, em vez disso, a inferioridade de Cristo se difunde pelo Novo Testamento. Não é apenas implícita na fraseologia geral, mas repetida e decididamente expressa, e não acompanhada de qualquer admoestação que previna sua aplicação a toda a sua natureza. Poderia, então, ter sido a intenção dos autores sagrados exibir Jesus como o Supremo Deus?

Estou ciente de que essas observações serão contrapostas a dois ou três textos, nos quais Cristo é chamado de Deus, e por uma classe de passagens, não muito numerosas, nas quais propriedades divinas são atribuídas a ele. A essas oferecemos uma resposta simples. Dizemos que um dos mais estabelecidos e evidentes princípios de crítica é que a linguagem deve ser explicada de acordo com as propriedades conhecidas do assunto ao qual é aplicada. Todos sabem que as mesmas palavras expressam idéias muito diferentes, quando usadas em relação a diferentes seres. Assim, Salomão CONSTRÓI o templo de maneira diferente da do arquiteto que ele empregou; e Deus ARREPENDE-SE de maneira diferente do homem. Afirmamos que as propriedades e circunstâncias conhecidas de Cristo, seu nascimento, sofrimentos, e morte, seu constante hábito de falar de Deus como um ser distinto de si mesmo, o fato de ele orar a Deus, o fato de ele atribuir a Deus todo o seu poder e ofícios, essas propriedades reconhecidas de Cristo, dizemos, obrigam-nos a interpretar as comparativamente poucas passagens que são usadas para torná-lo o Deus Supremo, de uma maneira consistente com sua natureza distinta e inferior. É nosso dever explicar tais textos pela regra que aplicamos a outros textos, nos quais seres humanos são chamados de deuses, e onde é dito que partilham da natureza divina, que sabem e possuem todas as coisas, e que estão repletos da plenitude de Deus. Essas últimas passagens não hesitamos em modificar, restringir, e desviar de seu sentido mais óbvio, porque esse sentido é oposto às propriedades conhecidas dos seres aos quais se referem; e afirmamos que aderimos ao mesmo princípio, e não usamos uma latitude maior, ao explicar, como fazemos, as passagens que pensam apoiar a divindade de Cristo.

Os trinitaristas professam derivar importantes vantagens de sua maneira de ver Cristo. Ela oferece-lhes, eles dizem, uma expiação infinita, pois mostra-lhes um ser infinito sofrendo por seus pecados. A confiança com a qual esta falácia é repetida nos assombra. Quando pressionados pela pergunta, de se eles realmente acreditam que o Deus infinito e imutável sofreu e morreu na cruz, eles reconhecem que isso não seja verdade, mas que apenas a mente humana de Cristo passou pelas dores da morte. Como temos, então, um sofredor infinito? Esta linguagem nos parece uma imposição sobre mentes comuns, e muito derrogatória à justiça de Deus, como se esse atributo pudesse ser satisfeito por um sofisma e uma ficção.

Também nos dizem que Cristo é um objeto mais interessante, que seu amor e misericórdia são mais sentidos, quando ele é visto como o Deus Supremo, que deixou sua glória para tomar a forma humana e para sofrer pelo homem. Não negamos que os trinitaristas sejam fortemente movidos por esta representação; mas pensamos que suas emoções se baseiem numa compreensão errônea de suas próprias doutrinas. Eles falam da segunda pessoa da Trindade deixando sua glória e o seio do Pai, para visitar e salvar o mundo. Mas essa segunda pessoa, sendo o Deus imutável e infinito, foi evidentemente incapaz de abandonar sua perfeição e felicidade. No momento no qual tomou carne, ele era tão intimamente presente com seu Pai quanto antes, e igualmente com seu Pai preenchia o céu, a terra, e a imensidão. Esses trinitaristas reconhecem, e ainda proferem ser tocados pela surpreendente humilhação deste ser imutável! Mas não apenas sua doutrina, quando plenamente explicada, reduz a humilhação de Cristo a uma ficção, ela quase que completamente destrói as impressões com as quais sua cruz deveria ser vista. De acordo com sua doutrina, Cristo comparativamente não foi sofredor de maneira alguma. É verdade, sua mente humana sofreu; mas essa, eles dizem, era uma parte infinitamente pequena de Jesus, não representando uma proporção maior em sua natureza plena, que um fio de cabelo de nossas cabeças comparado ao todo de nossos corpos. A mente divina de Cristo, aquela que era mais propriamente ele, era infinitamente feliz, no próprio momento do sofrimento de sua natureza humana. Enquanto pendurado na cruz, ele era o ser mais feliz do universo, tão feliz quanto o Pai eterno, a ponto de suas dores, comparadas a sua felicidade, serem nada. Isso os trinitaristas reconhecem, e devem fazê-lo. Deriva necessariamente da imutabilidade da natureza divina, que eles atribuem a Cristo; então seu sistema, quando visto justamente, rouba o interesse de sua morte, enfraquece nossa simpatia para com seu sofrimento, e é, acima de tudo, muito desfavorável a um amor a Cristo, fundamentado num senso de seus sacrifícios pela humanidade. Estimamos nossas próprias opiniões como sendo vastamente mais comoventes. É nossa crença que a humilhação de Cristo foi real e plena, que o Salvador por inteiro, e não uma parte dele, sofreu, que sua crucificação foi uma cena de profunda e inconfundível agonia. Enquanto estamos ao reder de sua cruz, nossas mentes não são distraídas, nem nossa sensibilidade enfraquecida por contemplá-lo como se fora composto por mentes inconsistentes e infinitamente diferentes, e como se tivesse felicidade infinita. Reconhecemos no Jesus mortal apenas uma mente. Isto, pensamos, rende aos seus sofrimentos, e à sua paciência e amor em suportá-los, incomparavelmente mais impressão e comoção que o sistema ao qual nos opomos.

3. Tendo dado nossa crença a respeito de dois grandes pontos, nomeadamente, de que há um Deus, e que Jesus Cristo é um ser distinto de, e inferior a, Deus, agora prossigo a outro ponto, sobre o qual pomos ainda mais ênfase. Cremos na PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS. Não consideramos nenhuma parte da teologia tão importante quanto aquela que trata do caráter moral de Deus; e valorizamos nossa visão do Cristianismo principalmente por afirmar seus amáveis e veneráveis atributos.

Pode-se dizer que, a respeito deste assunto, todos os cristãos concordam, que todos atribuem ao Ser Supremo justiça, bondade, e santidade infinitas. Respondemos que é muito possível falar de Deus magnificentemente, e pensar nele desprezivelmente; aplicar a sua pessoa epítetos elevados, e a seu governo, princípios que o tornam odioso. Os pagãos chamavam Júpiter de o maior e melhor, mas sua história era obscurecida com crueldade e luxúria. Não podemos julgar as reais idéias do homem a respeito de Deus por causa de sua linguagem geral, pois em todas as eras têm esperado acalmar a Deidade por meio de adulação. Temos de explorar suas opiniões particulares de seus propósitos, dos princípios de seu governo, e de sua disposição para com suas criaturas.

Entendemos que os cristãos têm geralmente se voltado a uma visão muito injuriosa do Ser Supremo. Eles têm freqüentemente sentido como se Deus tivesse se elevado, por causa de sua grandeza e soberania, acima dos princípios de moralidade, acima daquelas eternas leis de eqüidade e retidão, às quais todos os outros seres estão sujeitos. Cremos que em nenhum ser haja um senso de retidão tão forte, tão onipotente, quanto em Deus. Cremos que sua onipotência esteja inteiramente submissa a suas percepções de retidão; e esta é a base de nossa piedade. Não é porque ele é meramente nosso Criador, mas porque ele nos criou para propósitos bons e santos; não é por sua vontade ser irresistível, mas por sua vontade ser a perfeição da virtude, que rendemos-lhe lealdade. Não podemos nos prostrar diante de um ser, independentemente de quão grande e poderoso seja, que governe tiranicamente. Não respeitamos nada mais além da excelência, seja na terra ou no céu. Veneramos não a pompa do trono de Deus, mas a eqüidade e bondade sobre a qual está estabelecido.

Cremos que Deus é infinitamente bom, gentil, benevolente, no sentido próprio dessas palavras; bom em disposição, assim como em ação; bom, não para com poucos, mas para com todos; bom para com cada indivíduo, assim como para com o sistema geral.

Cremos, também, que Deus é justo; mas nunca esquecemos que sua justiça é a justiça de um ser bom, habitando na mesma mente da, e agindo em harmonia com, a perfeita benevolência. Por esse atributo, entendemos o respeito infinito de Deus à virtude ou dignidade moral, expressa em um governo moral; ou seja, dando leis excelentes e justas, e conferindo tais recompensas, e infligindo tais punições, que sejam melhor apropriadas para garantir sua observação. A justiça de Deus tem como seu fim a mais elevada virtude da criação, e pune apenas com esse objetivo, e assim coincide com a benevolência; pois virtude e felicidade, apesar de não serem o mesmo, estão inseparavelmente associadas.

A justiça de Deus vista assim, parece para nós estar em perfeita harmonia com sua misericórdia. De acordo com os sistemas de teologia predominantes, esses atributos são tão discordantes e chocantes que reconciliá-los é a tarefa mais difícil, e a conquista mais maravilhosa, de infinita sabedoria. Para nós parecem ser amigos íntimos, sempre em paz, respirando o mesmo espírito, e buscando o mesmo fim. Pela justiça de Deus, entendemos não uma compaixão instintiva e cega, que perdoa sem reflexão, e sem respeitar os interesses da virtude. Isso, reconhecemos, seria incompatível com a justiça, e também com a benevolência iluminada. A misericórdia de Deus, como a entendemos, deseja fortemente a felicidade do culpado, mas apenas por meio de sua penitência. Ela leva em consideração o caráter tão verdadeiramente quanto sua justiça. Ela finaliza a punição, e muito sofre, para que o pecador volte aos seus deveres, mas deixa o impenitente e o inflexível com a temerosa punição prometida na Palavra de Deus.

Para dar nossas visões de Deus em uma palavra, cremos em seu caráter Paternal. Atribuímos-lhe não apenas o nome, mas as disposições e princípios de um pai. Cremos que ele tenha uma preocupação de pai com suas criaturas, um desejo de pai com sua melhora, a eqüidade de um pai em proporcionar seus comandos aos poderes deles, a alegria de um pai com seu progresso, a disposição de um pai em receber o penitente, e a justiça de um pai com o incorrigível. Olhamos para este mundo como um lugar de educação, no qual ele treina os homens por meio da prosperidade e adversidade, por meio de ajudas e obstruções, conflitos entre razão e paixão, motivação para o dever e tentações para o pecado, por uma disciplina variada adequada a seres livres e morais para união com ele, e para uma sublime e crescente virtude no céu.

Agora, opomos-nos aos sistemas de religião que prevalecem entre nós, que são antagônicos, em grau maior ou menor, a essas visões purificantes, confortantes, e honráveis de Deus; que tomam de nós nosso Pai celestial, e o substituem com um ser, que não podemos amar se quisermos, e não devemos amar se pudermos. Particularmente nos opomos àquele sistema que usurpa para si mesmo o nome de Ortodoxia, e que está agora industriosamente propagado em todo o nosso país. Este sistema, de fato, toma várias formas, mas em todas elas lança desonra sobre o Criador. De acordo com sua forma antiga e genuína, ensina que Deus nos traz à vida completamente depravados, sendo assim, abaixo dos traços inocentes de nossa infância se esconde uma natureza avessa a tudo o que é bom e propensa a tudo o que é mal, uma natureza que nos expõe ao desagrado e à ira de Deus, mesmo antes de termos adquirido o poder de entender nossos deveres, ou de refletir sobre nossas ações. De acordo com uma exposição mais moderna, ensina que viemos das mãos de nosso Criador com uma constituição tal, e que somos postos sob influências e circunstâncias tais, que tornam certa e infalível a depravação total de cada ser humano, desde o primeiro momento de sua liberdade moral; e também ensina, que a ofensa da criança, que traz à vida esta incessável tendência ao crime, a expõe à sentença de condenação eterna. Agora, de acordo com os mais simples princípios de moralidade, afirmamos, que uma constituição natural da mente, infalivelmente dispondo-a ao mal e ao mal somente, a absolveria da culpa; que dar existência sob tal condição seria uma crueldade impronunciável; e que punir o pecado desta infeliz criança com a ruína eterna, seria um mal incomparável ao despotismo mais impiedoso.

Esse sistema também ensina que Deus seleciona dentre esta massa corrupta um número para ser salvo, e os tira, por meio de uma influência especial, da ruína comum; que o resto da humanidade, apesar de ser deixada sem aquela graça especial que sua conversão exige, é ordenada a se arrepender, sob a pena de agravada punição; e que o perdão é prometido a ela, sob condições que sua própria constituição infalivelmente os dispõe a rejeitar, e ao rejeitar pioram ainda mais as punições do inferno. Estas ofertas de perdão e exortações de correção, a seres nascidos sob uma maldição arruinante, enche nossas mentes de um terror que não temos palavras para expressar.

Que esse sistema religioso não produz todos os efeitos no caráter, que podem ser esperados, alegremente admitimos. É freqüentemente, muito freqüentemente, contrabalançado pela natureza, consciência, senso comum, pela tendência geral da Escritura, pelos exemplos e preceitos leves de Cristo, e pelas muitas declarações positivas a respeito da bondade universal e da perfeita eqüidade de Deus. Mas ainda assim, pensamos ver sua infeliz influência. Tende a desencorajar o tímido, dar desculpas ao mau, alimentar a vaidade do fanático, e a oferecer abrigo aos maus sentimentos do maligno. Ao chocar, como faz, os princípios fundamentais da moralidade, e ao exibir uma Deidade severa e parcial, tende fortemente a perverter a faculdade moral, tende a formar uma religião sombria, proibitiva, e servil, e tende a levar os homens a substituírem a caridade imparcial e terna com a censura, amargura, e perseguição. Pensamos, também, que esse sistema, que começa degradando a natureza humana, pode terminar em orgulho; pois o orgulho emerge de uma consciência de altas distinções, seja lá como forem obtidas, e nenhuma distinção é tão grande quanto aquela feita entre os eleitos e os abandonados por Deus.

As opiniões falsas e desonrosas a respeito de Deus, que agora foram declaradas, sentimos-nos obrigados a resistir incessantemente. Outros erros podemos ignorar com comparativa indiferença. Mas pedimos a nossos oponentes que nos deixem um DEUS, digno de nosso amor e confiança, em quem nossos sentimentos morais possam se regozijar, em quem nossas fraquezas e tristezas possam encontrar refúgio. Abraçamos as perfeições Divinas. Nós as encontramos em toda a criação, as lemos nas Escrituras, vemos uma imagem amável delas em Jesus Cristo; e gratidão, amor, e veneração convidam-nos a afirmá-las. Reprovados, como freqüentemente somos, pelos homens, é nosso consolo e alegria que uma de nossas ofensas principais seja o zelo com o qual defendemos a bondade e retidão de Deus.

4. Tendo assim falado da unicidade de Deus; da unidade de Jesus, e de sua inferioridade com relação a Deus; e das perfeições do caráter Divino; agora prossigo para dar nossas opiniões a respeito da mediação de Cristo, e dos propósitos de sua missão. A respeito do grande objetivo que Jesus veio realizar, parece não haver nenhuma possibilidade de engano. Cremos que ele foi enviado pelo Pai para efetuar a libertação moral ou espiritual da humanidade; ou seja, para resgatar os homens do pecado e de suas conseqüências, e para trazê-los a um estado de eterna pureza e felicidade. Cremos, também, que ele alcança este objetivo sublime por meio de uma variedade de métodos; por suas instruções a respeito da unicidade, do caráter paternal, e do governo moral de Deus, que são admiravelmente apropriadas para chamar o mundo da idolatria e da impiedade, ao conhecimento, amor, e obediência do Criador; por suas promessas de perdão ao penitente, e de ajuda divina àqueles que trabalham pelo progresso em excelência moral; pela luz que lançou no caminho do dever; por seu próprio exemplo imaculado, no qual a beleza e sublimidade da virtude brilham para aquecer e animar, assim como nos guiam rumo à perfeição; por suas ameaças contra a culpa incorrigível; por suas gloriosas descobertas da imortalidade; por seus sofrimentos e morte; por aquele importante evento, a ressurreição, que poderosamente testifica de sua missão divina, e trouxe para os sensos dos homens uma vida futura; por sua contínua intercessão, que obtém para nós ajuda e bençãos espirituais; e pelo poder com o qual ele é investido para erguer os mortos, julgar o mundo, e conferir as recompensas eternas prometidas aos fiéis.

Não temos o desejo de esconder o fato de que existe uma diferença de opinião entre nós, a respeito de uma interessante parte da mediação de Cristo; quero dizer, a respeito da precisa influência de sua morte em nosso perdão. Muitos supõem, que este evento contribui para o nosso perdão, já que foi um meio principal de confirmar sua religião, e de dar a ela um poder sobre a mente; em outras palavras, que ela consegue o perdão ao levar ao arrependimento e virtude, que é a grande e única condição sobre com a qual o perdão é conferido. Muitos de nós estão insatisfeitos com esta explicação, e pensão que as Escrituras atribuem a remissão do pecado à morte de Cristo, com uma ênfase tão peculiar, que devemos considerar este evento como tendo uma influência especial na remoção da punição, apesar de as Escrituras não revelarem a maneira como a morte de Cristo contribui para este fim.

Ainda assim, seja lá como diferimos em explicar a conexão entre a morte de Cristo e o perdão da humanidade, uma conexão que todos nós gratamente reconhecemos, concordamos na rejeição de muitos sentimentos que prevalecem a respeito de sua mediação. A idéia, que é trazida às mentes comuns pelo sistema popular, que a morte de Cristo tenha uma influência em tornar Deus manso, ou misericordioso, em despertar sua bondade para com os homens, rejeitamos com forte reprovação. Estamos felizes em ver que esta noção deveras desonrada é repudiada por cristãos inteligentes daquela classe da qual diferimos. Lembramos, entretanto, que, não há muito tempo atrás, era comum ouvir a respeito de Cristo, como se tivesse morrido para aplacar a ira de Deus, e para pagar o débito dos pecadores para com sua justiça inflexível; e temos uma forte persuasão de que a linguagem dos livros religiosos populares, e o modo comum de declarar a doutrina da mediação de Cristo, ainda comuniquem visões muito degradantes do caráter de Deus. Dão a multidões a impressão de que a morte de Jesus produza uma mudança na mente de Deus com relação ao homem, e que nisto consista sua eficácia. Nenhum erro para nós parece mais pernicioso. Não toleramos nenhuma sombra sobre a pura bondade de Deus. Nós sinceramente afirmamos que Jesus, em vez de trazer à tona, em qualquer grau, a misericórdia do Pai, foi enviado por essa misericórdia para ser nosso Salvador; que ele não é nada para a raça humana, a não ser aquilo que é pela nomeação de Deus; que ele não comunica nada, a não ser aquilo que Deus lhe dá o poder de comunicar; que nosso Pai celestial é original, essencial, e eternamente aplacável, e disposto a perdoar; e que seu amor imutável é a única fonte da qual flui para nós por meio de seu Filho. Entendemos que Jesus seja desonrado, e não glorificado, ao atribuirmos a ele uma influência que encobre o esplendor da benevolência Divina.

Também concordamos na rejeição, como não sendo baseada nas Escrituras e como sendo absurdo, da explicação dada pelo sistema popular da maneira na qual a morte de Cristo garanta perdão aos homens. Este sistema estava acostumado a ensinar como seu princípio fundamental que o homem, tendo pecado contra um Ser infinito, contraiu culpa infinita, e está conseqüentemente exposto a uma pena infinita. Cremos, entretanto, que este modo de raciocinar, se é que pode ser chamado de raciocínio, que ignora a máxima óbvia, que a culpa de um ser deve ser proporcional a sua natureza e poderes, caiu em desuso. Ainda assim, o sistema ensina que o pecado, seja qual for seu grau, exponha à punição eterna, e que toda a raça humana, estando infalivelmente envolvida por sua natureza em pecado, deva esta horrível pena à justiça de seu Criador. Ensina que esta pena não pode ser cancelada, em consistência com a honra da lei divina, a não ser que um substituto seja encontrado para suportá-la ou para sofrer o equivalente. Também ensina que da natureza do caso, nenhum substituto seja adequado para este trabalho, a não ser o próprio infinito Deus; e assim, Deus, em sua segunda pessoa, tomou a natureza humana, para que pudesse pagar à sua própria justiça o débito de punição ao qual os homens estão sujeitos, para que pudesse assim reconciliar o perdão com as exigências e ameaças de sua lei. Tal é o sistema predominante. Agora, para nós, esta doutrina parece carregar em sua testa fortes marcas de absurdo; e afirmamos que o cristianismo não deva ser sobrecarregado com ela, a não ser que ela esteja presente no Novo Testamento plena e expressamente. Pedimos a nossos adversário, então, que apontem algumas passagens claras onde ela seja ensinada. Pedimos um texto, no qual se nos diga que Deus tomou a natureza humana para que cumprisse uma satisfação infinita à sua própria justiça; um texto que nos diga que a culpa humana exige um substituto infinito; que os sofrimentos de Cristo devam sua eficácia ao fato de terem sido suportados por um ser infinito; ou que sua natureza divina dê infinito valor aos sofrimentos da humana. NENHUMA PALAVRA desta descrição pode ser encontrada nas Escrituras; nenhum texto, que dê pelo menos uma dica a respeito dessas estranhas doutrinas. Elas são completamente, cremos, ficções de teólogos. O Cristianismo, em nenhum grau, é responsável por elas. Espantamo-nos com seu predomínio. O que pode ser mais claro do que Deus não poder, de forma alguma sofrer ou receber a pena em lugar de suas criaturas? Quão desonrosa para ele é a suposição que sua justiça é agora tão grave, a ponto de impor castigo infinito pelos pecados de homens frágeis e débeis, e agora tão fácil e flexível, a ponto de aceitar as limitadas dores da alma humana de Cristo, como um equivalente pleno às intermináveis desgraças devidas do mundo? Quão evidente também é que, de acordo com esta doutrina, Deus, em vez de ser pleno de perdão, nunca perdoa; pois parece absurdo falar de homens como tendo sido perdoados, quando a totalidade de sua punição, ou um equivalente dela, é suportada por um substituto? Um esquema mais adequado para obscurecer o brilho do Cristianismo e da misericórdia de Deus, ou menos adequado para dar conforto a uma mente culpada e perturbada, não poderia, pensamos, ser facilmente enquadrado.



Cremos, também, que este sistema seja desfavorável ao caráter. Ele naturalmente leva os homens a pensarem que Cristo veio para mudar a mente de Deus, em vez de vir para mudar a mente deles; que o objetivo maior de sua missão era o de impedir a punição, em vez de comunicar a santidade; e que uma grande parte da religião consiste em menosprezar as boas obras e a virtude humana, pelo propósito de magnificar o valor dos sofrimentos vicários de Cristo. Desta maneira, um senso da infinita importância e da indispensável necessidade do aperfeiçoamento pessoal é enfraquecido, e o louvor da cruz de Cristo parece freqüentemente substituir a obediência a seus preceitos. Para nós, não aprendemos Jesus dessa maneira. Ao mesmo tempo que reconhecemos gratamente, que ele veio para salvar-nos do castigo, acreditamos, que ele foi enviado em uma missão ainda mais nobre, a saber, livrar-nos do próprio pecado, e para nos moldar para uma sublime e celestial virtude. Consideramos-lhe como um Salvador, principalmente porque ele é a luz, médico, e guia da mente escura, doente, e errante. Nenhuma influência no universo parece-nos tão gloriosa, quanto aquela que está sobre o caráter; e nenhuma redenção tão digna de agradecimento, quanto a restauração da alma à pureza. Sem isso, o perdão, se possível, seria de pouco valor. Por que retirar o pecador do inferno, se um inferno é deixado em seu próprio peito? Porque elevá-lo ao céu, se ele permanece como um estranho para a sua santidade e amor? Com essas impressões, estamos acostumados a valorizar o Evangelho principalmente como ele abunda em ajudas, motivações, emoções efetivas para uma generosa e divina virtude. Nesta virtude, como em um centro comum, vemos todas as suas doutrinas, preceitos, e promessas se encontrarem; e nós acreditamos, que a fé nesta religião não vale nada, e nada contribui para a salvação, a não ser que use essas doutrinas, preceitos, promessas, e toda a vida, caráter, sofrimentos, e triunfos de Jesus, como o meio de purificar a mente, de mudá-la para a semelhança de sua excelência celeste.



5. Tendo assim declarado nossos pontos de vista a respeito do objetivo mais alto da missão de Cristo, que é a recuperação dos homens à virtude, ou santidade, darei agora, em último lugar, nossa opinião sobre a natureza da virtude cristã, ou verdadeira santidade. Cremos que toda virtude tenha sua base na natureza moral do homem, isto é, em sua consciência, ou seu senso de dever, e no poder de formar seu temperamento e vida de acordo com a consciência. Acreditamos que essas faculdades morais sejam o fundamento da responsabilidade, e as mais elevadas distinções da raça humana, e que nenhum ato seja louvável, a não ser que emerja de seus empenhos. Acreditamos que nenhuma disposição infundida em nós, sem nossa própria atividade moral, seja da natureza virtuosa, e, portanto, rejeitamos a doutrina da divina influência irresistível sobre a mente humana, moldando-a para o bem, assim como o mármore é moldado em uma estátua. Tal bondade, se esta palavra pode ser utilizada, não seria objeto de aprovação moral, mais do que qualquer dos afetos instintivos de animais inferiores, ou o amabilidade constitucional dos seres humanos.



Com estas observações, não queremos negar a importância da ajuda ou do Espírito de Deus; mas por seu Espírito, queremos dizer uma influência moral, esclarecedora, e persuasiva, não física, não obrigatória, não envolvendo a necessidade de força. Nós opomos, fortemente, a idéia de muitos cristãos a respeito da impotência do homem e da irresistível influência de Deus sobre o coração, crendo que elas subvertam nossa responsabilidade e as leis de nossa natureza moral, que elas tornem os homens em máquinas, que elas culpem Deus por todas as maldades, que elas desencorajem boas mentes, e inflamem os fanáticos com conceitos selvagens de inspiração imediata e sensata.



Entre as virtudes, damos o primeiro lugar ao amor de Deus. Cremos que este princípio seja a verdadeira felicidade e o fim do nosso ser, que nós fomos feitos para a união com o nosso Criador, que a sua infinita perfeição seja o único objetivo suficiente e verdadeiro lugar de descanso para os desejos insaciáveis e ilimitadas capacidades da mente humana, e que, sem ele, os nossos sentimentos, admiração, veneração, esperança e amor mais nobres, murchariam e decairiam. Cremos, também, que o amor de Deus não seja apenas essencial para a felicidade, mas para a força e perfeição de todas as virtudes; que a consciência, sem a sanção da autoridade e justiça retributiva de Deus, seria um fraco guia; que a benevolência, a não ser que alimentada pela comunhão com sua bondade, e encorajada por seu sorriso, não poderia prosperar em meio ao egoísmo e ingratidão do mundo, e que o auto-governo, sem um senso da divina inspeção, dificilmente se estenderia além de uma pureza parcial. Deus, como ele é essencialmente bondade, santidade, justiça, e virtude, então ele é a vida, motivação, e sustentador da virtude na alma humana.



Mas, embora fervorosamente inculquemos o amor de Deus, cremos que um grande cuidado é necessário para distingui-lo de farsas. Pensamos que muito do que chamam de piedade seja inútil. Muitos têm caído no erro, que não pode haver excesso em sentimentos que tenham Deus como o seu objeto; e, desconfiando como frieza daquela auto-posse, sem a qual a virtude e a devoção perderiam toda a sua dignidade, têm se abandonado a extravagâncias, que têm trazido desprezo à piedade. E certamente, se o amor de Deus for aquele que muitas vezes recebe esse nome, quanto menos tivermos dele melhor. Se a religião for o naufrágio da compreensão, não podemos nos manter longe o suficiente. Sobre este assunto, sempre falamos claramente. Não podemos sacrificar a nossa razão pela reputação de zelo. Devemos à verdade e à religião, afirmar que o fanatismo, loucura parcial, súbitas impressões, e impulsos ingovernáveis, são qualquer outra coisa menos piedade.



Nós concebemos que o verdadeiro amor de Deus é um sentimento moral, fundado sobre uma clara percepção, e que consiste em uma grande estima e veneração, de suas perfeições morais. Desta forma, coincide perfeitamente, e é na verdade a mesma coisa, que o amor da virtude, retidão, e bondade. Pode-se facilmente julgar, então, que o que estimamos seja o sinal correto e unicamente decisivo de piedade. Não pomos nenhuma ênfase em emoções fortes. Estimamos unicamente um homem piedoso, que praticamente se conforme às perfeições morais e ao governo de Deus; que mostre seu deleite na benevolência de Deus, amando e servindo seu próximo; seu deleite na justiça de Deus, sendo resolutamente reto; seu senso da pureza de Deus, regulando seus pensamentos, imaginação e desejos; e cuja conversa, negócios, e vida doméstica sejam influenciados pela presença e autoridade de Deus. Em todas as outras coisas os homens podem enganar a si próprios. Nervos desordenados podem dar-lhes visões, e sons, e impressões estranhas. Textos da Escritura podem vir a eles como se viesse do Céu. Toda a sua alma pode ser movida, e sua confiança no favor de Deus ser indubitável. Mas em tudo isto, não há religião. A pergunta é: Eles amam os mandamentos de Deus, nos quais seu caráter é plenamente expresso, e abandonam esses hábitos e paixões suas? Sem isso, o êxtase é um escárnio. Não julgamos as inclinações das mentes dos homens por causa de seus êxtases, não mais do que julgamos a direção natural de uma árvore durante uma tempestade. Muito suspeitamos de declarações de fé barulhentas, já que temos observado que o sentimento profundo é geralmente silencioso, e procura se mostrar o mínimo possível.



Não deveriam, por conta dessas observações, entender que nós desejamos excluir da religião o calor, e até mesmo o ânimo. Honramos, e muito valorizamos, a verdadeira sensibilidade religiosa. Cremos que o cristianismo é destinado a agir vigorosamente sobre toda a nossa natureza, sobre o coração, bem como sobre a compreensão e a consciência. Concebemos o céu como um estado onde o amor de Deus será exaltado em um infinito fervor e alegria; e nós desejamos, em nossa peregrinação aqui, beber do espírito daquele mundo melhor. Mas pensamos, que o calor religioso apenas deva ser valorizado quando nasce naturalmente de um caráter aperfeiçoado, quando vem sem que seja forçado, quando é a recompensa da obediência, quando é o calor de uma mente que entende Deus sendo como ele é, e quando, em vez de desordenar, exalta o entendimento, revigora a consciência, dá prazer aos deveres comuns, e é visto como existindo em relação à alegria, sabedoria, e um estado mental razoável. Quando observamos um fervor, chamado religioso, em homens cujo caráter geral manifesta pouco refinamento e elevação, e cuja piedade parece estar em guerra com a razão, prestamos-lhe pouco respeito. Honramos muito a religião para dar o seu sagrado nome a um zelo febril, forçado, flutuante, que tem pouco poder sobre a vida.



Outro ramo importante da virtude, acreditamos ser o amor a Cristo. A grandeza da obra de Jesus, o espírito com o qual ele a executou, e os sofrimentos que ele suportou para nossa salvação, sentimos exigir nossa gratidão e veneração. Não vemos na natureza nenhuma beleza que possa ser comparada com a beleza de seu caráter, nem encontramos sobre a terra um benfeitor com quem tenhamos uma dívida igual. Lemos sua história com deleite, e aprendemos com ela a perfeição de nossa natureza. Somos particularmente tocados por sua morte, que foi suportada por nossa redenção, e pela força da caridade que triunfou sobre suas dores. Sua ressurreição é o fundamento da nossa esperança de imortalidade. Sua intercessão nos dá a ousadia de nos aproximarmos do trono da graça, e olhamos para o céu com uma nova vontade, quando pensamos que, se nós o seguirmos aqui, lá veremos o seu semblante benigno, e desfrutaremos de sua amizade eternamente .



Não preciso expressar-lhes nossa opinião a respeito do tema das virtudes benevolentes. Nós atribuímos-lhes tanta importância que somos acusados algumas vezes de exaltá-las acima da piedade. Consideramos o espírito de amor, caridade, mansidão, perdão, generosidade, e beneficência, como o distintivo dos cristãos, como a imagem mais brilhante de Deus que podemos carregar, como a melhor prova de devoção. Sobre este assunto, eu não preciso, e não posso ampliar; mas há um ramo da benevolência que eu não devo passar sem comentar, porque pensamos que o consideramos mais elevada e justamente do que muitos de nossos irmãos. Refiro-me ao dever de imparcialidade, de julgamento caridoso, especialmente para com aqueles que divergem em opinião religiosa. Pensamos, que em nada têm os cristãos tão amplamente se afastado de sua religião como neste particular. Lemos com espanto e horror, a história da igreja; e às vezes quando olhamos para os fogos da perseguição, e para o zelo dos cristãos em construir muros de separação, e em condenar uns aos outros à perdição, sentimos como se estivéssemos lendo os registros de um reino infernal, em vez de um reino celestial. Um inimigo de toda religião, se lhe fosse pedido para descrever um cristão, o descreveria, com alguma razão, como um idólatra de suas próprias distintas opiniões, coberto com emblemas de seu partido, fechando os olhos para as virtudes, e seus ouvidos para os argumentos, dos seus adversários, arrogando toda a excelência para sua própria seita e todo o poder salvador para o seu próprio credo, abrigando sob o nome de zelo piedoso o amor ao poder, a presunção de infalibilidade, e o espírito de intolerância, e pisando os direitos dos homens sob o pretexto de salvar suas almas.



Não podemos conceber uma obrigação mais clara de seres de nossa natureza frágil e falível, que são instruídos quanto ao dever de julgamento imparcial, que o de se abster de condenar homens da aparente seriedade e sinceridade, que não são imputáveis de crime algum a não ser aquele de diferir de nós na interpretação das Escrituras, e diferindo, também, sobre temas de grande e reconhecida obscuridade. Admiramo-nos com a dureza daqueles que, com as advertências de Cristo soando em seus ouvidos, tomam para si a responsabilidade de fazer credos para a igreja de Cristo, e expulsam professores que possuem vidas virtuosas por conta de erros imaginários, pela culpabilidade de pensarem por si mesmos. Sabemos que o zelo pela verdade é a cobertura para esta usurpação da prerrogativa de Cristo; mas pensamos que o zelo da verdade, como é chamado, é muito suspeito, exceto nos homens, cujas capacidades e vantagens, cuja paciente deliberação, e cujas melhorias na humildade, benignidade, e franqueza, dá-lhes o direito à esperança de que suas opiniões sejam mais justas do que as dos seus próximos. Muito do que passa por um zelo da verdade, olhamos com pouco respeito, pois muitas vezes parece prosperar mais viçosamente onde outras virtudes são mais fracas; e não temos nenhuma gratidão por aqueles reformadores, que nos forçariam uma doutrina que não tenha adoçado seu próprio temperamento, ou os tenha tornado homens melhores que seus vizinhos.



Estamos acostumados a pensar muito sobre as dificuldades presentes nos inquéritos religiosos; dificuldades que emergem do lento desenvolvimento de nossas mentes, do poder de impressões anteriores, do estado da sociedade, da autoridade humana, da negligência geral dos poderes do raciocínio, da necessidade de princípios justos de crítica e de importantes auxílios na interpretação das Escrituras, e de várias outras causas. Achamos, que em nenhum outro assunto, têm os homens, e mesmo os bons homens, enxertado tantos conceitos estranhos, teorias selvagens, e ficções de fantasia, como na religião; e lembrando, como fazemos, que nós mesmos partilhamos da fragilidade comum, não ousamos presumir infalibilidade no tratamento de outros cristãos, ou incentivar em cristãos comuns, que têm pouco tempo para a investigação, o hábito de denunciar e condenar outras denominações, talvez mais esclarecidas e virtuosas do que as suas próprias. Caridade, paciência, um deleite nas virtudes das diferentes seitas, uma recusa em censurar e condenar, estas são virtudes, que, mesmo sendo imperfeitamente praticadas por nós, admiramos e recomendamos; e é preferível juntar-nos à igreja na qual elas abundam, que a qualquer outra comunhão, independentemente de quão orgulhosa com a crença em sua própria ortodoxia, independentemente de quão estrita em guardar seu credo, independentemente de quão zelosa contra erros imaginários.



Tenho, assim, dado os distintos pontos de vista daqueles cristãos, em cujo nome falo. Temos abraçado este sistema, não apressada ou levemente, mas depois de muita ponderação; e nos apegamos a esse sistema, não apenas porque acreditamos que seja verdade, mas porque o consideramos verdade purificadora, como uma doutrina segundo a piedade, como capaz de "trabalhar poderosamente" e de "fazer brotar frutos" naqueles que crêem. Que queremos difundi-lo, não temos nenhum desejo de esconder; mas pensamos, que desejamos sua difusão, porque o consideramos mais amigável à piedade prática e à moral pura do que as doutrinas contrárias, pois dá visões mais claras e nobres de dever, e motivações mais fortes para o seu desempenho, porque recomenda a religião de uma vez ao entendimento e ao coração, porque afirma os adoráveis e veneráveis atributos de Deus, porque tende a restaurar o espírito benevolente de Jesus à sua igreja dividida e aflita, e porque corta todas as esperanças do favor de Deus, exceto aquela que emerge da conformidade prática com a vida e preceitos de Cristo. Não vemos nada em nossas opiniões que ofenda, a não ser sua pureza, e é a sua pureza que nos faz procurar e esperar sua extensão por todo o mundo.



Meu amigo e irmão - Tomas hoje sobre ti funções importantes; ser revestido com um ofício, que o Filho de Deus não desdenhou; dedicar-se àquela religião, que os lábios mais abençoados pregaram, e o mais precioso sangue selou. Estamos confiantes de que trarás para este trabalho uma mente disposta, um firme propósito, um espírito de mártir, uma disponibilidade para trabalhar duro e sofrer pela verdade, uma devoção de teus melhores poderes para os interesses da piedade e virtude. Falei das doutrinas que provavelmente pregarás, mas não quero dizer que devas dar-te a controvérsias. Lembrarás que a boa prática é o fim da pregação, e te esforçarás para tornar o teu povo em pessoas de vidas santas, em vez de hábeis oponentes. Tenhas cuidado, para que o desejo de defender aquilo que consideras verdade, e de repelir a recriminação e a deturpação, não te afaste de tua grande obra, que é fixar na mente dos homens uma viva convicção da obrigação, nobreza, e felicidade da virtude cristã. A melhor forma de defender teus sentimentos, é mostrar, em tua pregação e vida, a sua íntima relação com a moral cristã, com um elevado e delicado senso de dever, com lisura para com os teus oponentes, com integridade inflexível, e com uma reverência habitual por Deus. Se alguma luz pode atravessar e dispersar as nuvens do preconceito, é aquela de um puro exemplo. Meu irmão, possa a tua vida pregar mais alto que teus lábios. Seja para estas pessoas um modelo de todas as boas obras, e possam tuas instruções derivar sua autoridade de uma crença muito bem fundamentada em teus ouvintes, que fales do coração, que pregues a partir da experiência, que a verdade que dispensas tenha trabalhado poderosamente em teu próprio coração, que Deus, e Jesus, e o céu, não sejam meramente palavras em teus lábios, mas realidades muito poderosas em tua mente, e fontes de esperança e consolo, e força, em todas as tuas tribulações. Trabalhando assim, que possas colher abundantemente, e ter um testemunho de tua fidelidade, não apenas em tua própria consciência, mas na estima, amor, virtudes, e desenvolvimentos de teu povo.



Para todos os que me ouvem, eu diria, com o Apóstolo: "Examinem todas as coisas, e fiquem com o que é bom". Não se esquivem, irmãos, do dever de buscar a Palavra de Deus sozinhos, por medo da censura e acusação humanas. Não pensem que podem inocentemente seguir as opiniões que prevalecem ao redor de vocês, sem investigação, no campo, que o cristianismo seja agora tão purificado de erros, a ponto de não necessitar de nenhuma investigação trabalhosa. Há muita razão para acreditar que o cristianismo esteja, neste momento, desonrado por corrupções grosseiras e acarinhadas. Se lembrarem-se da escuridão que pairou sobre o Evangelho por eras; se considerarem a união impura, que ainda subsiste em quase todos os países cristãos, entre a Igreja e o Estado, e que alista o egoísmo e ambição dos homens ao lado do erro estabelecido; se lembrarem o quanto o espírito de intolerância impediu a livre busca, não apenas antes, mas desde a Reforma; verão que o cristianismo não pode ter se libertado de todas as invenções humanas, que o desfigurou sob a tirania papal. Não. Muito restolho ainda está para ser queimado; muito lixo a ser removido; muitas decorações de mau gosto, que um falso gosto pendurou ao redor do cristianismo, devem ser varridos; e as neblinas vindas da terra, que há muito o envolvem, devem ser espalhada, antes que esse tecido divino suba até nós em sua majestade nativa e magnífica, em sua harmoniosas proporções, na seus esplendores suaves e celestiais. Esta gloriosa reforma na igreja, esperamos, sob a benção de Deus, do progresso do intelecto humano, do progresso moral da sociedade, do conseqüente declínio do preconceito e da intolerância, e, da subversão da autoridade humana em matéria de religião, da queda daquelas hierarquias, e outras instituições humanas, pelas quais as mentes dos indivíduos são oprimidas sob o peso dos números, e um reino papal é perpetuado na igreja protestante. A nossa fervorosa oração a Deus é, que ele derrube, e destrua o forte da usurpação espiritual, até que venha aquele, cujo direito é guiar as mentes dos homens; que a conspiração das eras contra a liberdade dos cristãos possa ser finalizada; que a afirmação servil, há tanto tempo ligada a credos humanos, possa dar lugar a honesta e devota busca nas Escrituras; e que o Cristianismo, assim purificado do erro, possa afirmar sua onipotente energia, e provar que é, ao enobrecer sua influência sobre a mente, verdadeiramente "o poder de Deus para salvação".

William Ellery Channing

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