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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Minha duplicidade identitária e o espírito do Advento

Esta é a época do ano na qual mais tenho de lidar com as dificuldades em minha multiplicidade de identidades religiosas. Vivo num terreno nem sempre muito confortável de contínuas escolhas que, para outras pessoas – alheias a meu universo cultural –, podem parecer problemáticas. Como explicar a essas pessoas que sou um judeu e um cristão ao mesmo tempo? Adentremos a confusão!

Em primeiro lugar, devo enfatizar que não sou nem um judeu nem um cristão tradicionais. Também não sou um “messiânico”. Não sou um judeu que acredita que Jesus de Nazaré seja o Maschiah – o Messias de Israel. Também não sou um cristão judaizante! E, obviamente, não sou um trinitarista – ou seja, não acredito que o homem Jesus de Nazaré (se, de fato, foi um personagem histórico – o que acredito positivamente) fosse divino, no sentido de ser “um” em essência com Deus. Também não sou um teísta sobrenaturalista – não acredito num Deus pessoal que reja o Universo de algum ponto da realidade.

Sou um judeu étnico, herdeiro da tradição Reconstrucionista, e que, como tal, enxerga o Judaísmo como uma civilização religiosa da qual sou parte – e da qual, até certo ponto, escolho ser parte. Essa civilização é, metaforicamente, meu “direito de nascença” e escolho abraçá-la de forma que faça sentido para mim. Logo, vejo o Judaísmo, primariamente, como a (principal?) janela intelectual através da qual vejo o mundo e dou sentido à minha existência.

Ao mesmo tempo, também me considero um cristão, e pelas mesmas razões. Como filho duma família multireligiosa, vejo a tradição cristã que herdei – a tradição Unitarista Anglicana – como a janela religiosa através da qual enxergo representações do divino, filtradas por minha janela intelectual. É um casamento perfeito para mim.

Essa duplicidade cultural – que a maioria dos judeus veriam como assimilação, e a maioria dos cristãos como heresia – é parte de quem sou, e é algo do qual não me envergonho. Essa é, até certo ponto, a experiência de muitos outros judeus e unitaristas no mundo ocidental. Diferentes famílias se juntam, trazendo para a nova que se forma duas diferentes tradições religiosas, e o que resulta disso?... Bem, em minha experiência, uma fidelidade àquilo que é comum a ambas tradições, e uma rejeição daquilo que as separa. Como o Reconstrucionismo (o meu lado judaico) e o Unitarismo (o meu lado cristão) têm tantos pontos comuns, essa ponte não é tão complicada assim de ser construída.

A aparente confusão que se configura – especialmente para os brasileiros, que não estão acostumados a esse tipo de duplicidade identitária, tão comum na América do Norte – torna-se ainda mais escandalosa quando ouso dizer que gosto de pensar em mim mesmo como religiosamente cristão, cultural e intelectualmente judeu, eticamente humanista, e politicamente secularista, além de simpático às espiritualidades budista e muçulmana. Nada mais unitarista que isso!

E agora, ao adentrarmos o Advento, uma dificuldade caracteristicamente minha se apresenta. O que faz um ministro unitarista, que se apoia sobre um território de dupla fidelidade cultural-religiosa, para proclamar o espírito do Advento? Minha resposta: proclama aquilo que, oxalá, caracteriza a todos nós... a humanidade. O espírito que o Advento traz à minha espiritualidade é a de reafirmar a condição de humanos de todos nós – mesmo que para isso, faça uso duma linguagem metafórica acerca da “encarnação” do divino em um homem de Nazaré há dois milênios atrás. Todos nós somos seres humanos – seja lá o que isso queira dizer – e partilhamos o mesmo mundo, devendo, assim, encontrarmos formas de vivermos juntos neste mundo, em paz. Deus – essa metáfora criada por nós para nos referirmos àquilo que não podemos compreender plenamente acerca de nós mesmos e dos mistérios do cosmo – torna-se durante esta época do calendário cristão o canal através do qual damos nome à nossa esperança de convívio pacífico entre nós. Para mim, o nome mais apropriado deveria ser “humanidade”!

Rev. Gibson da Costa

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Música Pop é uma Inutilidade?!

Muitos podem pensar que seja inútil refletir acerca da música pop – uso o termo mais no sentido de música comercial do que num estilo específico –, e, assim, podem pensar que o tempo que tenho gasto escrevendo e discutindo o papel da música como instrumento de busca espiritual seja extravagância. Entretanto, como teólogo, tenho aprendido que refletir sobre o mundo que nos cerca é algo que pavimenta o caminho para descobrirmos um pouco mais acerca de nós mesmos e de nossas crenças e práticas religiosas/espirituais, e nada mais ostensivamente parte de nosso mundo do que a música que embala nossas imaginações e corpos e dá forma às ideias que habitam nossas mentes.

Alguns podem pensar que não podemos falar em música pop sem nos referirmos aos interesses comerciais que manipulam a criatividade mecânica de alguns artistas e empresas apenas interessados em lucros. Esses esperam que quando falo sobre música, utilize termos como “capitalismo”, “burgueses”, “manipulação”, “alienação” etc. Para esses, os consumidores da cultura pop – música, cinema, literatura etc – são, na verdade, seres alienados que injetam-se com a droga do mercado. Pode ser que parte disso seja verdade – mas, para mim, os seres humanos são mais racionais que isso. O que consumimos musicalmente tem uma grande relação com nossas necessidades e anseios mais profundos – necessidades e anseios esses que considero “espirituais” (não num sentido usual do termo). “Espirituais” porque se relacionam com uma dimensão mais profunda de nossa personalidade; porque interligam nossa visão do mundo objetivo aos sentimentos mais profundos que moldam nossa existência enquanto humanos.

Não acredito que seja o único a viajar no tempo enquanto ouço uma canção. Ouvimos uma canção especial e ela parece nos levar a uma outra dimensão da realidade – talvez um sentimento semelhante ao que certas pessoas têm ao utilizarem alguma droga, não sei. Às vezes, as letras parecem um conjunto de palavras vazias e sem sentido, mas, na verdade, elas podem revelar muito mais sobre quem somos hoje, ou sobre quem fomos ontem, e sobre as esperanças que temos para o futuro enquanto sociedade. Por essa razão, não sou tão rápido em descartar a cultura pop – a música em particular – tão rapidamente. Meu estudo pessoal da música pop num contexto mais amplo – fazendo uso de História, Psicologia, Antropologia, Linguística, Literatura e Teologia – tem me ensinado muito sobre nós, e não estou disposto a parar só porque alguns não levam isso à sério!

+Gibson

Os artigos de fé do século XXI - Julian Baggini


Julian Baggini, um filósofo britânico, autor de muitos livros sobre filosofia para o público geral, e que escreve para o The Guardian, publicou um artigo no último dia 21 de novembro no qual articula quatro artigos de fé apropriados para o século XXI – artigos que, devo enfatizar, são muito compatíveis como nossa tradição religiosa liberal (em suas mais variadas formas, não apenas o unitarismo)!

Abaixo eis a tradução apenas de seus artigos de fé – e não de todo o artigo do jornal, que se encontra aqui: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/belief/2011/nov/21/articles-of-21st-century-faith?INTCMP=SRCH


“Preâmbulo: Reconhecemos que a religião se apresenta em muitas formas e que, portanto, qualquer tentativa de definir o que a religião “realmente” é seria uma estipulação, e não uma descrição. Todavia, temos uma opinião sobre o que a religião deveria ser, em sua melhor forma, e estes quatro artigos descrevem aspectos que uma religião apropriada para o mundo contemporâneo precisa ter. Esses aspectos não devem ser encarados como completos e eles também não capturam necessariamente o que é mais importante para um dado indivíduo. São, na verdade, um conjunto mínimo de aspectos sobre os quais podemos concordar, independentemente de nossas diferenças, e cremos que outros podem com eles concordar também.

  1. Ser religioso é, basicamente, concordar com um conjunto de valores, e/ou praticar uma forma de vida, e/ou pertencer a uma comunidade que compartilha desses valores e/ou práticas. Quaisquer credos ou alegações factuais associados a essas coisas, especialmente aquelas sobre a natureza e origem do universo natural, são, no máximo, secundárias e frequentemente irrelevantes.
  2. A crença religiosa não exige, e não deveria exigir, a crença de que quaisquer eventos sobrenaturais tenham acontecido aqui na Terra, incluindo milagres que dobrem ou quebrem as leis naturais, a ressurreição dos mortos, ou visitas de deuses ou mensageiros angélicos.
  3. Religiões não são cripto- ou proto-ciências. Elas não deveriam fazer nenhum alegação sobre a natureza física, a origem ou estrutura do universo natural. Aquilo que a ciência pode estudar e explicar empiricamente deve ser deixado para a ciência, e se uma religião faz uma alegação que seja incompatível com nossa melhor ciência, a explicação científica, e não a religiosa, deve prevalecer.
  4. Textos religiosos são a criação do intelecto e imaginação humanos. Nenhum deles deve ser tomado como se expressasse os pensamentos de uma mente divina ou sobrenatural que exista independentemente da humanidade.”


Julian Baggini