Esta é a época do ano na qual mais tenho de lidar com as dificuldades em minha multiplicidade de identidades religiosas. Vivo num terreno nem sempre muito confortável de contínuas escolhas que, para outras pessoas – alheias a meu universo cultural –, podem parecer problemáticas. Como explicar a essas pessoas que sou um judeu e um cristão ao mesmo tempo? Adentremos a confusão!
Em primeiro lugar, devo enfatizar que não sou nem um judeu nem um cristão tradicionais. Também não sou um “messiânico”. Não sou um judeu que acredita que Jesus de Nazaré seja o Maschiah – o Messias de Israel. Também não sou um cristão judaizante! E, obviamente, não sou um trinitarista – ou seja, não acredito que o homem Jesus de Nazaré (se, de fato, foi um personagem histórico – o que acredito positivamente) fosse divino, no sentido de ser “um” em essência com Deus. Também não sou um teísta sobrenaturalista – não acredito num Deus pessoal que reja o Universo de algum ponto da realidade.
Sou um judeu étnico, herdeiro da tradição Reconstrucionista, e que, como tal, enxerga o Judaísmo como uma civilização religiosa da qual sou parte – e da qual, até certo ponto, escolho ser parte. Essa civilização é, metaforicamente, meu “direito de nascença” e escolho abraçá-la de forma que faça sentido para mim. Logo, vejo o Judaísmo, primariamente, como a (principal?) janela intelectual através da qual vejo o mundo e dou sentido à minha existência.
Ao mesmo tempo, também me considero um cristão, e pelas mesmas razões. Como filho duma família multireligiosa, vejo a tradição cristã que herdei – a tradição Unitarista Anglicana – como a janela religiosa através da qual enxergo representações do divino, filtradas por minha janela intelectual. É um casamento perfeito para mim.
Essa duplicidade cultural – que a maioria dos judeus veriam como assimilação, e a maioria dos cristãos como heresia – é parte de quem sou, e é algo do qual não me envergonho. Essa é, até certo ponto, a experiência de muitos outros judeus e unitaristas no mundo ocidental. Diferentes famílias se juntam, trazendo para a nova que se forma duas diferentes tradições religiosas, e o que resulta disso?... Bem, em minha experiência, uma fidelidade àquilo que é comum a ambas tradições, e uma rejeição daquilo que as separa. Como o Reconstrucionismo (o meu lado judaico) e o Unitarismo (o meu lado cristão) têm tantos pontos comuns, essa ponte não é tão complicada assim de ser construída.
A aparente confusão que se configura – especialmente para os brasileiros, que não estão acostumados a esse tipo de duplicidade identitária, tão comum na América do Norte – torna-se ainda mais escandalosa quando ouso dizer que gosto de pensar em mim mesmo como religiosamente cristão, cultural e intelectualmente judeu, eticamente humanista, e politicamente secularista, além de simpático às espiritualidades budista e muçulmana. Nada mais unitarista que isso!
E agora, ao adentrarmos o Advento, uma dificuldade caracteristicamente minha se apresenta. O que faz um ministro unitarista, que se apoia sobre um território de dupla fidelidade cultural-religiosa, para proclamar o espírito do Advento? Minha resposta: proclama aquilo que, oxalá, caracteriza a todos nós... a humanidade. O espírito que o Advento traz à minha espiritualidade é a de reafirmar a condição de humanos de todos nós – mesmo que para isso, faça uso duma linguagem metafórica acerca da “encarnação” do divino em um homem de Nazaré há dois milênios atrás. Todos nós somos seres humanos – seja lá o que isso queira dizer – e partilhamos o mesmo mundo, devendo, assim, encontrarmos formas de vivermos juntos neste mundo, em paz. Deus – essa metáfora criada por nós para nos referirmos àquilo que não podemos compreender plenamente acerca de nós mesmos e dos mistérios do cosmo – torna-se durante esta época do calendário cristão o canal através do qual damos nome à nossa esperança de convívio pacífico entre nós. Para mim, o nome mais apropriado deveria ser “humanidade”!
Rev. Gibson da Costa
Rev. Gibson da Costa
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