Será que aqueles que dizem que vivemos num mundo cada vez mais pós-cristão estariam certos? Esse foi o tema duma conversa que tive esta noite com uma amiga à mesa duma sorveteria. Minha amiga trouxe o assunto à tona, citando Michel de Certeau e Bernard Piettre – autores por quem, bem sabe ela, tenho uma certa simpatia.
Obviamente, tenho minhas resistências a esse tipo de afirmação. Primeiro, perguntei-lhe o que se queria dizer com “cristão” para poder entender a expressão “pós-cristão”; afinal de contas, há uma certa relatividade no que esse termo significa para as diferentes tradições cristãs, e para as diferentes formas de olhar para essas tradições a partir de fora da Igreja. Em segundo lugar, não se pode esperar que a visão de autores europeus – baseada em sua própria experiência num universo cultural acadêmico urbano – represente a experiência de toda a população de seu próprio país, muito menos a de todo o mundo. Certamente, teriam de repensar seu discurso se conhecessem a realidade distinta da experiência religiosa aqui no Brasil.
O que sei, por certo, é que mesmo dentro da própria Igreja (em toda a sua variedade teológica e eclesial: católica, protestante, etc) se conhece cada vez menos a narrativa cristã: menos teologia, menos ética cristã, menos história da igreja, menos tradição. As igrejas de nossa terra desperdiçam muito tempo, esforço, e talentos engalfinhando-se em disputas vergonhosas, esquecendo-se de ensinar seus jovens – seu futuro – a mensagem do Evangelho: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino do céu. Felizes os aflitos, porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:3-9).
O desconhecimento da narrativa cristã pelos próprios cristãos, e a ênfase numa suposta pureza exterior – numa suposta superioridade espiritual (e que não tem nada de “espiritual”, já que só enfatiza o exterior como forma de auto-bajulação) – por parte da Igreja (i.e., daquelas comunidades cristãs variadas) é um testemunho vergonhoso da irrelevância da fé. A fé cristã, se observada na prática daqueles que se identificam como cristãos, torna-se irrelevante para o mundo. Torna-se irrelevante quando se preocupa com detalhes inúteis, como o tamanho da saia que uma mulher usa, ou se um homem tem um brinco na orelha. Torna-se vergonhosamente irrelevante quando não encarna a receptividade que supostamente marcou a vida de Jesus de Nazaré, renunciando a comunhão cristã àqueles(as) que exibam uma orientação emociono-sexual diferente, ou àquelas que se tornaram mães solteiras, por exemplo. Tornando-se ainda irrelevante de tantas outras formas que não consigo pensar agora!
Então, não é o mundo que tem se tornado pós-cristão, é a Igreja (cristã) que se tem tornado, não pós-cristã, mas anti-cristã em sua práxis comunal. Talvez esteja na hora de (re)descobrir o caminho de volta!
+Gibson