Sempre
compreendi que uma “economia livre” – isto é, aquela abstração
ideológica que se refere a um sistema econômico no qual os
consumidores podem escolher livremente de quem obter produtos e
serviços, e no qual os produtores/provedores podem concorrer pela
venda de seus produtos/serviços – seja a mais eficiente maneira de
oferecer as melhores oportunidades e mais liberdade democrática aos
cidadãos. Ainda estou convencido disso.
Entretanto,
devo deixar claro que não compreendo a noção de “economia
livre” como sinônimo necessário de “economia de
mercado”. Essa segunda expressão me parece muito mais
conectada à abstração de “mercado” como uma força a-histórica
que regeria as relações sociais – e essa ideia me soa muito mais como um discurso ideológico dogmático do que como um retrato da
realidade. Mais do que acreditar no “mercado” e defendê-lo,
acredito no ser humano e defendo a sua liberdade e os seus interesses
– e o “mercado” mais do que frequentemente não representa os
interesses do ser humano e não corresponde à sua liberdade.
Lendo
e ouvindo os argumentos a favor do tal projeto de reforma trabalhista
em curso no Congresso brasileiro – imposto por um Executivo
moralmente ilegítimo que abertamente tenta controlar o já
desmoralizado Legislativo federal –, reconheço os traços
dogmáticos da religião econômica neoliberal: para a qual o deus
“mercado” é o senhor de tudo e de todos.
Os
apóstolos da tal divindade insistem que “reformar” as leis
trabalhistas – assim como as previdenciárias – é oferecer mais
“liberdade” ao trabalhador. Abolir as leis antiquadas – e, sim,
elas são até certo ponto deveras antiquadas (mas não são
justamente os “conservadores” que pregam que o “antiquado” é
o melhor?!) –, para eles, seria abrir novas oportunidades
econômicas!… Minha pergunta é: Para quem, afinal?!
O
“mercado” – o que é ele, afinal? –, em si, não é capaz de
proteger os interesses dos consumidores, muito menos dos
trabalhadores. É só olhar para as investigações da “Operação
Lava Jato”. Não é justamente o “mercado” – nesse caso
específico representado pelas grandes empreiteiras/construtoras
brasileiras – que está sendo acusado pelo financiamento da
corrupção política brasileira (e internacional)? Os discípulos
crédulos das cartilhas econômicas de think tanks
“direitistas” americanos – e, no Brasil, elas viraram moda
entre um certo grupo de pessoas que tenta compensar seu parco poder
socioeconômico com um ar de superioridade ideológica – dirão que
isso não é o “mercado”, porque o “mercado” é “racional”;
e, em resposta, direi: olhem ao seu redor!
Pense
num/a trabalhador/a qualquer que não aceite as “propostas”
(imposições) da empresa onde trabalha, de acordo com as regras
trabalhistas agora em votação. O que aconteceria com ele/a se não
as aceitasse e não tivesse as proteções da lei?... Ora, sofreria
as consequências do “mercado”: se não quer as condições
“propostas” (leia-se “impostas”), há muitos/as outros/as que
as querem!
O
fato é que, para que uma economia seja relativamente livre –
especialmente no contexto brasileiro –, é indispensável haver
leis de proteção ao trabalhador (e ao consumidor). O “mercado”
sozinho é incapaz de proteger os interesses dos mais fracos (a
saber, os trabalhadores e os consumidores), e isso é claramente
demonstrável na história econômica do mundo contemporâneo – até
porque o “mercado” não é uma entidade, é, antes, um artefacto
humano.
É
também verdade que os pequenos empreendedores sofrem como
consequência duma burocratização excessiva, mas isso não pode ser
desculpa para que o trabalhador comum perca certas proteções. O que
seria desse trabalhador ou trabalhadora se não houvesse limites à
exploração de seu labor por aquele que o/a emprega?... Estão os
brasileiros prontos para viver como os trabalhadores americanos –
em geral com pouquíssima proteção, com quase nenhum direito?...
Pois é exatamente isso que o Executivo moralmente ilegítimo agora
propõe: uma “americanização” (ou seria
“americanalhação”, na linguagem do finado Paulo Francis)
das relações de trabalho no Brasil – em outras palavras: se o
trabalhador não aceita o que o empregador impõe, há outros que o
aceitarão!
É
isso, a propósito, o que pregam as cartilhas dos chamados
“conservadores” americanos. E aqueles brasileiros que citei
anteriormente recitam essas cartilhas como jovens recém-conversos
recitam os livros sagrados de sua mais nova religião. O deus
“mercado”, assim, se torna mais importante do que o ser humano e
a sua condição!
É
importante reconhecer que as leis trabalhistas são, sim,
anacrônicas, e precisam ter certos aspectos atualizados. Mas não é
interessante que os políticos brasileiros pensem no anacronismo das
leis trabalhistas, mas não no anacronismo, por exemplo, das leis que
regulam a vida eleitoral?... Esse, a propósito, é o perfil do
político padrão brasileiro (e dos do resto do mundo): os princípios
que valem para seus interesses não podem ser aplicados aos
interesses da maioria dos cidadãos!
Resta-nos
ver, nos dias que seguem, o que será do trabalhador brasileiro no
império do “mercado”, no processo de “americanalhação” do
ator mais fraco no cenário das relações de trabalho. Restarão os
subempregos a la americana?!
É esperar e ver!
+Gibson
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