Como
um cristão, partilho com outros cristãos a centralidade de Jesus
para minha compreensão da dimensão espiritual da existência e de
minha relação com Deus. Como um cristão liberal, contudo, enfatizo
outros aspectos da narrativa cristã acerca da vida de Jesus de
Nazaré: para mim, Jesus é Salvador por conta de seus ensinamentos,
de seus exemplos e de sua convocação para vivermos uma vida de
compaixão, serviço, amor e paz radicais – ou seja, ele é meu
Salvador por causa de sua vida, e não por causa de sua morte. É
vivendo como ele – independentemente de os relatos a seu respeito
serem factuais ou não – que somos salvos, e não apenas fazendo um
esforço intelectual para acreditar em certas coisas a seu respeito.
Somos
ensinados a encontrar Jesus e servir a Deus no mundo. Esse
ensinamento é repetido todas as vezes em que saímos das celebrações
da Eucaristia, quando recitamos aquela benção final – que,
pessoalmente, levo muito a sério:
Cristo nasce em nós quando
abrimos nossos corações à inocência e ao amor. Cristo vive em nós
quando caminhamos a senda do perdão, da reconciliação e da
compaixão. Cristo morre em nós quando nos rendemos à nossa própria
arrogância, egoísmo e ódio. Cristo ressuscita em nós quando
nossas almas se despertam da morte espiritual para se juntarem à
comunidade de amor, para entrarem no reino divino no meio do mundo.
Saiamos em paz. Amém.
Essas
palavras sempre tiveram um poder incrível para me fazer refletir
sobre o sentido de minha fé. Elas me relembram que minha fé deve
ser expressa por meio de minhas ações, em minha vida com outras
pessoas. Elas refletem aqueles dois pequenos trechos da Carta de
Tiago, que aprendi a amar ainda na adolescência:
Se alguém pensa que é
religioso e não sabe controlar a língua, está enganando a si
mesmo, e sua religião não vale nada. Religião pura e sem mancha
diante de Deus, nosso pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas
em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo. (Tiago
1:26-27)
Assim também é a fé: sem
as obras, ela está completamente morta. (Tiago 2:17)
A fé
dos seguidores de Jesus, o Cristo, é a fé que deve se materializar
no mundo real, dentre outros seres humanos e com toda a Criação. Se
é verdade que os seres humanos são “imagem” de Deus, então não
há como servirmos a Deus sem servirmos aos outros seres humanos; se
os seres humanos foram feitos “à imagem e semelhança” de Deus,
então não há como amarmos ao Deus invisível sem amarmos aos seres
visíveis, como bem nos ensina aquele trecho neotestamentário:
Se alguém diz: “Eu amo a
Deus”, e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso;
pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a
Deus, a quem não vê. E este é justamente o mandamento que dele
recebemos: quem ama a Deus, ame também o seu irmão. (1 João
4:20-21)
Apesar
disso parecer uma simplificação do que é ser um discípulo de
Jesus, posso afirmar – por experiência própria – que é o maior
desafio que se pode enfrentar. Ser seguidor de Jesus significa, nesse
contexto, tomar o seu “hodos” – o seu “caminho”,
a sua “via” (em grego). Significa rejeitar tudo e todos os que
oferecem um caminho paralelo que nos afaste desse “hodos”
de Jesus.
Assim,
nossa liturgia, novamente nos mostra que caminho é esse que nos
comprometemos a trilhar quando nos tornamos parte da comunidade
cristã – a Igreja. As promessas que fazemos na Aliança
Batismal rezam:
Você permanecerá nos
ensinamentos dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas
orações?
Sim, com a ajuda de Deus.
Você perseverará na
resistência ao mal e, sempre que pecar, se arrependerá e retornará
ao Senhor?
Sim, com a ajuda de Deus.
Você proclamará, por meio
de palavras e exemplo, as Boas Novas de Deus em Cristo?
Sim, com a ajuda de Deus.
Você buscará e servirá
Cristo em todas as pessoas, amando o seu próximo como a si mesmo?
Sim, com a ajuda de Deus.
Você defenderá a justiça
e a paz para todas as pessoas, e respeitará a dignidade de cada ser
humano?
Sim, com a ajuda de Deus.
Com
essas palavras, nos comprometemos a seguir o caminho de Jesus, ao
mesmo tempo em que reconhecemos que não somos capazes de fazê-lo
sozinhos. Afirmar que o faremos “com a ajuda de Deus” é afirmar
que essa ajuda nos é concedida em comunidade, na “comunhão” da
comunidade de fé – mas também na comunhão de todas aquelas
pessoas que igualmente se comprometem a servir, a cuidar e a defender
outros seres humanos.
E o
que isso significa, no mundo real? Significa muitas coisas. Se
olharmos para o mundo ao nosso redor, e nos lembrarmos das promessas
que fizemos quando fomos batizados ou confirmados, e que reafirmamos
todas as vezes que partilhamos da Eucaristia/Santa Comunhão,
saberemos o que devemos escolher.
Será
que virar as costas aos desempregados e mais pobres, supostamente em
defesa da economia de mercado, está plenamente de acordo com as
promessas que fizemos na Aliança Batismal ou com as passagens das
Escrituras que falam sobre o amor e o cuidado para com o próximo?
Será
que defender o direito ao porte de armas, apoiar guerras, expor
ideias racialistas/racistas, fechar as fronteiras aos mais fracos,
submeter-se a ideologias nacionalistas, dar voz à xenofobia,
manifestar homofobia, ou discriminar pessoas por quaisquer outras
razões está de acordo com os ensinamentos de nossa fé e com a
Aliança que fizemos com Deus e com nossa comunidade de fé?
A
única resposta que posso encontrar para essas perguntas é um
retumbante “Não!”. Nenhuma ideologia política, nenhuma nação,
nenhum partido, nenhuma organização (incluindo a própria igreja
institucional), nenhuma religião, nenhuma etnia, nenhuma cor de
pele, nenhuma orientação emotivossexual, nenhum sistema econômico,
nenhum interesse corporativista, etc, é mais importante do que o ser
humano e a Criação – que são a “imagem” de Deus.
Se
isso soa político demais ao seu ouvido, resta-me reafirmar que a fé
cristã é uma fé política. Ela só pode ser praticada em
comunidade. Por isso ela é política. Os ensinamentos sobre amar ao
próximo só podem ser materializados em nossas relações, na Igreja
e no mundo. E todos os que ensinam algo que contradiz esse
ensinamento básico da fé cristã, de amor e serviço ao próximo,
só podem estar errados – ou, do contrário, eles estão certos e
as Escrituras e a tradição cristã estão erradas!
Minha
oração é que nesta Páscoa nos lembremos do “caminho” de
Jesus. Que nos recordemos das promessas que fazemos na Aliança
Batismal. Que nos lembremos que não podemos, coerentemente, “servir
a dois senhores” opostos.
Deus
nos ajude a seguirmos o caminho do Nazareno: o caminho do amor, da
justiça, do serviço, do perdão, da compaixão, da paz.
Feliz Páscoa e bençãos
a todas e todos!
+Gibson
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