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sexta-feira, 14 de abril de 2017

A Páscoa e o Caminho de Jesus: o caminho do amor, da justiça, do serviço, do perdão, da compaixão, da paz


Como um cristão, partilho com outros cristãos a centralidade de Jesus para minha compreensão da dimensão espiritual da existência e de minha relação com Deus. Como um cristão liberal, contudo, enfatizo outros aspectos da narrativa cristã acerca da vida de Jesus de Nazaré: para mim, Jesus é Salvador por conta de seus ensinamentos, de seus exemplos e de sua convocação para vivermos uma vida de compaixão, serviço, amor e paz radicais – ou seja, ele é meu Salvador por causa de sua vida, e não por causa de sua morte. É vivendo como ele – independentemente de os relatos a seu respeito serem factuais ou não – que somos salvos, e não apenas fazendo um esforço intelectual para acreditar em certas coisas a seu respeito.

Somos ensinados a encontrar Jesus e servir a Deus no mundo. Esse ensinamento é repetido todas as vezes em que saímos das celebrações da Eucaristia, quando recitamos aquela benção final – que, pessoalmente, levo muito a sério:


Cristo nasce em nós quando abrimos nossos corações à inocência e ao amor. Cristo vive em nós quando caminhamos a senda do perdão, da reconciliação e da compaixão. Cristo morre em nós quando nos rendemos à nossa própria arrogância, egoísmo e ódio. Cristo ressuscita em nós quando nossas almas se despertam da morte espiritual para se juntarem à comunidade de amor, para entrarem no reino divino no meio do mundo. Saiamos em paz. Amém.


Essas palavras sempre tiveram um poder incrível para me fazer refletir sobre o sentido de minha fé. Elas me relembram que minha fé deve ser expressa por meio de minhas ações, em minha vida com outras pessoas. Elas refletem aqueles dois pequenos trechos da Carta de Tiago, que aprendi a amar ainda na adolescência:


Se alguém pensa que é religioso e não sabe controlar a língua, está enganando a si mesmo, e sua religião não vale nada. Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo. (Tiago 1:26-27)

Assim também é a fé: sem as obras, ela está completamente morta. (Tiago 2:17)


A fé dos seguidores de Jesus, o Cristo, é a fé que deve se materializar no mundo real, dentre outros seres humanos e com toda a Criação. Se é verdade que os seres humanos são “imagem” de Deus, então não há como servirmos a Deus sem servirmos aos outros seres humanos; se os seres humanos foram feitos “à imagem e semelhança” de Deus, então não há como amarmos ao Deus invisível sem amarmos aos seres visíveis, como bem nos ensina aquele trecho neotestamentário:


Se alguém diz: “Eu amo a Deus”, e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é justamente o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também o seu irmão. (1 João 4:20-21)


Apesar disso parecer uma simplificação do que é ser um discípulo de Jesus, posso afirmar – por experiência própria – que é o maior desafio que se pode enfrentar. Ser seguidor de Jesus significa, nesse contexto, tomar o seu “hodos” – o seu “caminho”, a sua “via” (em grego). Significa rejeitar tudo e todos os que oferecem um caminho paralelo que nos afaste desse “hodos” de Jesus.

Assim, nossa liturgia, novamente nos mostra que caminho é esse que nos comprometemos a trilhar quando nos tornamos parte da comunidade cristã – a Igreja. As promessas que fazemos na Aliança Batismal rezam:


Você permanecerá nos ensinamentos dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações?
Sim, com a ajuda de Deus.

Você perseverará na resistência ao mal e, sempre que pecar, se arrependerá e retornará ao Senhor?
Sim, com a ajuda de Deus.

Você proclamará, por meio de palavras e exemplo, as Boas Novas de Deus em Cristo?
Sim, com a ajuda de Deus.

Você buscará e servirá Cristo em todas as pessoas, amando o seu próximo como a si mesmo?
Sim, com a ajuda de Deus.

Você defenderá a justiça e a paz para todas as pessoas, e respeitará a dignidade de cada ser humano?
Sim, com a ajuda de Deus.


Com essas palavras, nos comprometemos a seguir o caminho de Jesus, ao mesmo tempo em que reconhecemos que não somos capazes de fazê-lo sozinhos. Afirmar que o faremos “com a ajuda de Deus” é afirmar que essa ajuda nos é concedida em comunidade, na “comunhão” da comunidade de fé – mas também na comunhão de todas aquelas pessoas que igualmente se comprometem a servir, a cuidar e a defender outros seres humanos.

E o que isso significa, no mundo real? Significa muitas coisas. Se olharmos para o mundo ao nosso redor, e nos lembrarmos das promessas que fizemos quando fomos batizados ou confirmados, e que reafirmamos todas as vezes que partilhamos da Eucaristia/Santa Comunhão, saberemos o que devemos escolher.

Será que virar as costas aos desempregados e mais pobres, supostamente em defesa da economia de mercado, está plenamente de acordo com as promessas que fizemos na Aliança Batismal ou com as passagens das Escrituras que falam sobre o amor e o cuidado para com o próximo?

Será que defender o direito ao porte de armas, apoiar guerras, expor ideias racialistas/racistas, fechar as fronteiras aos mais fracos, submeter-se a ideologias nacionalistas, dar voz à xenofobia, manifestar homofobia, ou discriminar pessoas por quaisquer outras razões está de acordo com os ensinamentos de nossa fé e com a Aliança que fizemos com Deus e com nossa comunidade de fé?

A única resposta que posso encontrar para essas perguntas é um retumbante “Não!”. Nenhuma ideologia política, nenhuma nação, nenhum partido, nenhuma organização (incluindo a própria igreja institucional), nenhuma religião, nenhuma etnia, nenhuma cor de pele, nenhuma orientação emotivossexual, nenhum sistema econômico, nenhum interesse corporativista, etc, é mais importante do que o ser humano e a Criação – que são a “imagem” de Deus.

Se isso soa político demais ao seu ouvido, resta-me reafirmar que a fé cristã é uma fé política. Ela só pode ser praticada em comunidade. Por isso ela é política. Os ensinamentos sobre amar ao próximo só podem ser materializados em nossas relações, na Igreja e no mundo. E todos os que ensinam algo que contradiz esse ensinamento básico da fé cristã, de amor e serviço ao próximo, só podem estar errados – ou, do contrário, eles estão certos e as Escrituras e a tradição cristã estão erradas!

Minha oração é que nesta Páscoa nos lembremos do “caminho” de Jesus. Que nos recordemos das promessas que fazemos na Aliança Batismal. Que nos lembremos que não podemos, coerentemente, “servir a dois senhores” opostos.

Deus nos ajude a seguirmos o caminho do Nazareno: o caminho do amor, da justiça, do serviço, do perdão, da compaixão, da paz.

Feliz Páscoa e bençãos a todas e todos!

+Gibson


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