Um
dos problemas mais presentes na vida de qualquer ministro religioso e
professor de Teologia, como eu, é o problema da morte. Isso porque a
morte, mais até do que o nascimento, se faz presente na vida de
qualquer família, de qualquer comunidade, e a religião sempre
serviu como uma forma de lidar tanto com o mistério como com a dor
da morte.
Frequentemente
me perguntam se acredito em vida após a morte – se acredito em "céu"
e "inferno" –, e alguns dos que me questionam parecem se perturbar ou
surpreender com o fato de eu, mesmo sendo um ministro religioso,
dizer que o assunto me é indiferente. Hoje, gostaria de responder a
alguns questionamentos feitos por um leitor de São Paulo – que,
infelizmente, não assinou sua mensagem, mas indicou sua cidade.
Realmente,
não me importo com questões referentes a uma suposta vida após a
morte (o que inclui temas como “céu” e “inferno”). Minha
tradição religiosa tende a se centrar numa ética [judaico]cristã,
e não em dogmas teológicos sobre temas específicos. Assim, minha
preocupação religiosa é com a vida, com as relações humanas e
com a Criação, relações através das quais encontro o Divino
(Deus). Meu Cristianismo está focado na prática duma eticidade
ensinada nas Escrituras: amor ao próximo – através do qual se
demonstra amor a Deus –, serviço, compaixão, perdão, a
construção do “shalom” de Deus aqui e agora.
Tendo
a encarar “céu” e “inferno” não como realidades objetivas,
mas, antes, como metáforas que apontam para esperanças e/ou
desesperos humanos. São parte duma linguagem teológica que reflete
uma visão de mundo que não se concilia com minha compreensão do
Universo. Por isso, são temas que não me interessam – com os
quais não gasto meu tempo (a não ser que seja para discutir a
história desses conceitos, como se desenvolveram e se tornaram parte
do repertório teológico cristão).
O
que ocorre após a morte não pode ser conhecido por nós – pode,
apenas, ser especulado. E, entre especular sobre algo que não pode
ser desvendado e saber como lidar com o conhecível, prefiro este
último. Quando nos centramos em reflexões teológicas acerca da
vida em sociedade, acerca de como nos relacionarmos com a Criação,
sobre como a prática religiosa pode contribuir para construir paz e
justiça no mundo agora, isso é saber lidar com o conhecível
(aquilo que temos a capacidade de conhecer).
Portanto,
se alguma vez eu falei/escrevi sobre “céu” ou “inferno” –
o que não me lembro de ter feito até hoje, a não ser em estudos
históricos –, o fiz unicamente em linguagem metafórica,
simbólica, provocadora, e não como uma realidade objetiva.
Alguém
poderia apontar trechos da Bíblia nos quais são feitas referências
ao “céu” ou “inferno”. É verdade, estão lá. Mas, para
minha tradição, Bíblia e Cristianismo não são sinônimos. A
Bíblia é (apenas) uma das fontes teológicas do Cristianismo; além
dela, temos a Razão, a Tradição e a Experiência. Quando analiso o
tema na Bíblia à luz das demais fontes teológicas, o considero
irrelevante.
Além
disso, é importante ressaltar que não há, no Novo Testamento
cristão, nenhuma visão coerente e amplamente compartilhada em todos
os escritos sobre “céu” ou “inferno”. O que podemos
encontrar são apenas pequenos fragmentos duma descrição do que
seriam esses dois; não há nenhuma passagem longa onde “céu” ou
“inferno” sejam descritos de forma clara e dogmática. A visão
cristã da vida pós-mortal se desenvolveu a partir do contato entre
o judaísmo rabínico, dos escritos canônicos cristãos, e da
cultura greco-romana – e é por isso que é mais ampla a
preocupação com o tema por parte dos Padres da Igreja do que dos
próprios escritos canônicos do Novo Testamento.
Isso
explica porque há compreensões tão distintas sobre o que acontece
após a morte em cada uma das tradições cristãs do mundo. Cristãos
ortodoxos, católicos romanos, luteranos, reformados, anglicanos,
unitaristas, universalistas, restauracionistas, pentecostais, etc,
abraçam visões diferentes sobre o que acontece após a morte e
como. E essa variação de visões tem existido desde a origem do(s)
Cristianismo(s).
Por
essas e por outras razões, não posso afirmar absolutamente nada
sobre uma suposta vida pós-mortal. Pessoalmente, não me preocupo
com isso; não é um tema “essencial”. Isso não me torna uma
pessoa “sem esperança” ou “perdido”. Para mim, é suficiente
crer que a vida dos que morreram, de alguma forma, continua na terra.
É nesse sentido que a vida pós-mortal funciona como uma metáfora.
Acreditar que irei para o céu ou o inferno não influenciaria em
absolutamente nada a minha vida: minha compreensão de Deus, de
ética, da teologia cristã, da minha relação com os demais seres
humanos e com a Criação, da dignidade e valor humanos é o que guia
minhas ações – não uma [des]crença em punição ou recompensa
eternas.
Respeito
a opinião dos que aceitam esses aspectos especulativos da teologia
cristã, mas, para mim, eles não possuem nenhuma relevância para
minha relação com o Divino e/ou com o mundo social.
+Gibson
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