Um
amigo me perguntou se eu votaria no candidato à Presidência que se
identifica como “liberal” (Jair Bolsonaro). A lógica por trás
de sua pergunta era a de que já que eu me identifico como um
“liberal democrata” (de persuasão “social”), e
como “religioso liberal”, provavelmente votaria num candidato
filiado a um partido com “social liberal” no nome e que diz
defender uma política econômica “liberal”. Esse é um equívoco
nominalista que gostaria de desfazer.
“Liberalismo”
é um termo complexo. Refere-se a diferentes conceitos, a depender
dos contextos nos quais é utilizado. Há “liberalismos políticos”
e “liberalismos econômicos” – a variedade teórica é tão
grande que não se pode tratar desses como se fossem uma única forma
de abordar a política ou a economia (exatamente como ocorre com
conceitos como “socialismo” ou “marxismo”).
Politicamente,
o liberalismo possui pelo menos duas faces:
A)
Como tradição intelectual – enquanto filosofia moral e
política –, o liberalismo representa um conjunto de ideias que têm
se desenvolvido ao longo da modernidade. Encontra sua fundamentação
inicial no pensamento de Locke e Montesquieu, mas se solidifica como
uma filosofia específica apenas após a Revolução Francesa. Possui
uma interligação histórica com o Unitarismo e com sua teologia, apesar de isso não significar que todos os unitaristas sejam politicamente liberais.
Apresenta três princípios consensuais básicos, criticados por
perspectivas mais à direita e/ou à esquerda do espectro político:
I.
Ética individualista – isto é, o indivíduo como personagem
central dos valores e direitos (por exemplo, a liberdade não é
apenas um direito do ser humano, é um direito de cada indivíduo);
II.
Respeito equitativo por todos os seres humanos, baseado na crença de
que todos são igualmente capazes de se autogovernarem;
III.
Liberdade de pensamento e expressão, baseada na confiança na
autonomia irrestrita da razão (=capacidade racional do indivíduo)
como única e suficiente fonte de verdade objetiva.
Esses
princípios, obviamente, são criticados dentro da própria tradição
liberal, mas têm servido de guia filosófico para o liberalismo
enquanto filosofia moral e política.
B)
Como ordenamento político-jurídico,
o liberalismo têm se desenvolvido – para o bem ou para o mal –
ao redor de três princípios gerais:
I.
Liberdade equitativa para todos os cidadãos, o que inclui a
liberdade de o indivíduo agir como escolher, desde que se sujeite às
leis que protegem os direitos iguais dos outros;
II.
A proteção da liberdade de pensamento e expressão desse
pensamento;
III.
A organização desses princípios num sistema jurídico que garanta
a igualdade de cada cidadão perante a lei.
Perceberam
que não incluí a noção de “democracia” nos princípios
acima? E não o fiz porque a participação democrática do cidadão
não esteve sempre presente na filosofia política liberal. É por
isso que quando identifiquei meu ideário político o chamei de
“liberal democrata” – para afirmar que a minha forma de
liberalismo é democrática. Essa junção de “democracia” ao
“liberalismo” é mais recente, tendo se desenvolvido apenas no
século XX. Os antigos teóricos liberais temiam, muitas vezes, que a
democracia irrestrita pudesse sabotar tanto os princípios
filosóficos liberais quanto o ordenamento jurídico proposto por
eles. [Essa preocupação fica mais clara se examinarem a chamada
“psicologia das massas” e a “teoria das elites”.]
Há
uma questão importante, entretanto, no que concerne aos princípios
filosóficos que listei em [A] III – a razão como única e
suficiente fonte de verdade objetiva. Filosoficamente, muitos
liberais discordarão das implicações epistemológicas dessa
afirmação – especialmente aqueles que, como eu, foram/são
influenciados por uma perspectiva dita “pós-moderna”.
Esses aceitam o princípio da liberdade de pensamento e expressão,
mas podem rejeitar a epistemologia objetivista presente naquele
princípio.
O
que interessa aqui, entretanto, é refletir até que ponto o
candidato do partido chamado “Social Liberal” se encaixaria nos
princípios filosóficos que listei acima para o liberalismo [A]:
I.
Até que ponto alguém que abertamente ataca indivíduos e/ou grupos
sociais dos quais discorda – por exemplo, os identificados como
LGBT+ ou como “esquerdistas” –, e cujo discurso cria todo um
ambiente de ameaça e amedrontamento, exibe respeito pelo princípio
de ética individualista (cada indivíduo tem valor e dignidade como
ela/ele é ou está)?
II.
Consequentemente, até que ponto esse mesmo candidato se ajusta ao
princípio de que cada indivíduo, independentemente de quem seja,
deva ser respeitado da mesma forma que os demais. Como exemplo:
as(os) cidadã(o)s gays, feministas, comunistas, petistas, etc, não
devem ser respeitados e honrados da mesma forma como os
tradicionalistas, direitistas, cristãos, etc, o são?
III.
Até que ponto alguém que apoia a aprovação de leis que
restringem, por exemplo, a liberdade de cátedra, a liberdade de
expressão de professores, representaria um ideário político
liberal?
Eu
poderia tratar aqui a respeito de, por exemplo, “ética
distributiva” para
discutir a questão da Previdência Social ou do programa
Bolsa Família. Entretanto, não existe um consenso sobre ela
no liberalismo como um todo – existe esse consenso, entretanto, na
tradição chamada de “liberalismo social” (que ao menos
nomeadamente declara ser a tradição do partido do candidato, e é
minha tradição política de origem). Por isso, não importa
discuti-la aqui, até porque o candidato se apresenta como
economicamente liberal – o que, em outras palavras, significa que
ele seria um adepto daquilo que é comumente chamado de
“neoliberalismo”: ou seja, uma ideologia
político-econômica rígida que enfatiza o livre mercado, um estado
pequeno e forte, a iniciativa privada e a responsabilidade
individual.
Em
outras palavras, enquanto adepto da filosofia política liberal,
não posso encontrar razões para votar num candidato como Jair
Bolsonaro. Vejo, neste Segundo Turno, uma proximidade muito maior com
o candidato do PT – apesar das muitas discordâncias no que
concerne ao seu partido e ao seu Plano de Governo original.
Respondendo
àquele amigo, digo que meu ideário filosófico liberal democrata e
minhas perspectivas religiosas me motivam, de todos os lados, a votar
e torcer pela derrota dum candidato que, filosoficamente, representa
o contrário duma utopia liberal. Mas, obviamente, isso não
significa que espero que os meus leitores aceitem minha posição. Só
espero, francamente, que se acreditam naqueles valores que
representam nossa tradição religiosa, possam refletir antes do
voto, e se escolherem o candidato do PSL, exijam seu compromisso com
o respeito daqueles valores.
+Gibson
Boa noite. Não tinha o link de um curso online gratuito sobre o unitarismo?
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