É frequente a reação de espanto quando pessoas de fora de minha
tradição religiosa descobrem que sou um ministro religioso. Seu
espanto se dá por não entenderem como minha “visão de mundo”
se encaixa na ideia de “religião” que têm – e,
consequentemente, na ideia resultante do que seria tanto um
praticante quanto um “ministro” de religião.
É
para essas pessoas que escrevo agora.
Venho
duma formação religiosa liberal de persuasão
secularista-humanista. Sou um ministro unitarista, e fui
religiosamente educado nas culturas do Cristianismo e do Judaísmo
liberais. Questionar, duvidar, examinar criticamente e não aceitar
explicações sobrenaturais para fenômenos naturais foi parte dessa
educação religiosa que recebi. Assim, “religião” ou “fé”,
para mim, não possuem o sentido de sobrenaturalidade e dogmatismo
que frequentemente recebem no imaginário popular – mesmo entre
outros que receberam uma formação acadêmico-científica.
Os
termos “secularista” e “humanista”, em seu mais básico
sentido, se referem – de acordo com um dos teólogos que mais me
influenciaram, e que ficou equivocadamente conhecido como uma das
vozes da “teologia da morte de Deus”, Gabriel Vahanian –
à noção de que este mundo é o todo da realidade. Em outro
aspecto, referem-se, também, àquele velho anseio unitarista de
separação entre Igreja/religião e Estado; isto é, de instituições
estatais laicas – governo, justiça, escola etc.
Isso
significa, dentre tantas outras coisas, que minha fé se centra neste
mundo e nas relações que possuo com os seres, coisas, processos e
percepções deste mundo. Significa que não busco explicações no
sobrenatural para os fenômenos da vida. Significa que não acredito
que haja necessidade duma fé religiosa para que vivamos uma vida
ética. Significa que não me preocupo com uma suposta existência
fora deste mundo – isto é, com uma suposta continuidade da vida
após minha morte numa outra dimensão ou neste mundo como outra
pessoa. Neste sentido, “secularista” e “humanista” tornam-se,
para mim, sinônimos.
Abraçar
uma compreensão secularista e humanista, entretanto, não é o mesmo
que dizer que sou ateu. Talvez seja mais exato dizer que não sou um
“teísta do senso comum” – isto é, não acredito numa deidade
antropomorfa sobrenatural que controla o Universo e os destinos de
vivos e mortos a partir duma outra dimensão espácio-temporal. Não
acredito em seres sobrenaturais que povoem regiões invisíveis do
Cosmos, independentemente de como os chamem. E essa [des]crença, a
propósito, não foi causada por nenhuma tragédia, decepção ou
frustração pessoal: foi-me ensinada por minha própria religião.
Minha
não adesão ao que chamei de teísmo do senso comum,
entretanto, não é sinônimo de ateísmo
(seja do tipo afirmativo
ou negativo). Como já afirmei inúmeras vezes, em variadas ocasiões,
minha compreensão do Divino é, apenas, diferente daquelas abraçadas
pelos cristãos que abraçam uma compreensão dum Deus Pessoal – e
todas as consequências teológicas de tal compreensão.
Na
verdade, a [des]crença, em si, sequer chega a ser uma preocupação
para mim. E isso porque as crenças ou percepções
espirituais/religiosas, em minha compreensão, são moldadas por
nossas experiências no mundo. Assim, nossos relacionamentos, nossa
educação, nossa [i]maturidade, nossas experiências com as coisas
mais simples e/ou mais complexas, etc, podem nos oferecer
permanentemente novas perspectivas sobre nós mesmos, sobre o mundo e
sobre o que nos é desconhecido.
Isto
é, não há compreensão que permaneça comigo ou com outros para
sempre. Mesmo que imperceptivelmente, estamos sempre alterando as
formas como compreendemos certas questões em nossa visão de mundo –
e, neste caso, na visão que tenhamos sobre Deus e/ou religião, por
exemplo. Assim, a forma como eu, pessoalmente, articulo minha
compreensão de minha “espiritualidade” não é permanente ou
imutável – e, novamente, por “espiritualidade” não me refiro
a uma suposta dimensão sobrenatural da realidade, mas, antes, à
maneira como experiencio a existência.
Identificar-me
como um religioso de persuasão humanista, ademais, significa dizer
que os únicos que podem estabelecer justiça e paz neste mundo somos
nós mesmos. Ninguém mais. Os únicos que podem resolver os
problemas que criamos no mundo social ou natural somos nós mesmos.
Ninguém mais. Violência, guerras, fome, pobreza, poluição e os
males que a acompanham, autoritarismo, analfabetismo, desemprego e
todos os problemas gerados no meio ambiente pelas ações antrópicas
só podem ser resolvidos por nós mesmos. Ninguém mais.
Sim,
é verdade que oro/rezo por paz, justiça e pelo bem do mundo. Mas
minhas orações são uma metáfora do desejo que deve nos levar ao
esforço de transformar o mundo através de nossos próprios esforços
coletivos e individuais. É um símbolo da esperança que move minha
ação no e pelo mundo, aqui e agora.
Chamo
isso de religião/espiritualidade adulta e responsável. É o tipo de
religião na qual acredito e o tipo de espiritualidade que me esforço
para viver. Religião e espiritualidade, para mim, devem se
manifestar numa eticidade intelectualmente íntegra – mesmo que não
corresponda ao tipo de mito de “sobrenatural” ao qual outros
aderem.
Assim, minha compreensão do Cristianismo pode, sim, ser chamada de secularista e
humanista – ética e espiritual, sim, mas também profundamente
materialista (ao menos na forma como compreendo este termo).
+Gibson
Significa ser humanista religioso, Gibson?
ResponderExcluirEi, Carlos!
ExcluirNão. Não me considero um humanista religioso, e a maioria de meus amigos "humanistas religiosos" não me consideram estritamente como tal. Falo, como você sabe, a partir dum contexto unitarista cristão liberal. A linguagem cristã ainda é relevante para mim, as Escrituras cristãs ainda desempenham um importante papel em minha teologia pessoal - mesmo que não exclusivamente -, e ainda utilizo a metáfora de Deus para dar voz à minha experiência do Sagrado. Entretanto, como sempre digo, minha teologia é antropocêntrica: o divino se manifesta na humanidade, é moldado pela compreensão humana e essa compreensão é manifesta nas nossas relações uns com os outros e como o todo da Criação. Há semelhanças com o Humanismo Religioso (que, afinal, nasceu do Unitarismo), mas não representa exatamente a mesma compreensão.