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quarta-feira, 2 de março de 2011

Por Uma Educação Liberal

Qualquer estudante universitário no Brasil conhece a rotina (e talvez até a aprecie): você estuda disciplinas que tenham uma ligação com sua escolha profissional – até porque a formação universitária em nossa tradição se resume a isso, a uma formação profissional numa área específica. Você, muito provavelmente, também estudará uma ou outra disciplina geral, como Psicologia, Sociologia, ou Introdução à Informática, mas é tudo muito superficial e, novamente, muito voltado ao “mercado de trabalho” de sua área escolhida.

Por que, afinal de contas, um estudante de Ciências Exatas deveria estudar Literatura, Filosofia, História da Arte, Grego ou Latim, por exemplo, ou um estudante de História deveria estudar Lógica, Estatística, Cálculo, Física, Linguagem de Programação, ou, nos dois casos, qualquer outra disciplina fora de sua área de escolha, como aconteceria num programa de Educação Liberal? Há inúmeras razões que explicam a necessidade dessa diversidade aparentemente inútil para o pensamento dominante na “Educação” brasileira.

O pensamento é uma construção humana. Uma construção que pode ser aperfeiçoada e fortificada. A diferença entre nosso pensamento e uma construção propriamente dita é que, enquanto uma construção física qualquer tende a ser imóvel (pensemos num edifício, por exemplo), nossa mente é "elástica", podendo ser alargada, treinada, exercitada; e o tipo de educação fornecido pelas Artes Liberais é capaz de fazer exatamente isso com nossa mente: alargá-la, exercitá-la, expandi-la.

Disciplinas como Lógica, Cálculo, Literatura, Latim, e o treino em debater ideias, além do estudo daquelas disciplinas específicas para a área escolhida pelo estudante, criam o hábito de organização do pensamento e de análise racional. Uma educação diversificada baseada na autonomia de pensamento e na integridade intelectual permite ao estudante se engajar plena e ativamente com o conhecimento adquirido e construído, e a edificar inter-relações entre as mais diversas áreas do saber humano. Esse tipo de educação nos ensina a dialogar com a realidade, a desconstruir ideias tidas como dogma permanente, e a construir novas interpretações do universo do qual somos parte; nos ensina a questionar o que conhecemos e a entender a maneira como argumentos são construídos, e o meio pelo qual obtemos a persuasão – algo essencial para que possamos defender nossas próprias ideias e nos defender das tentativas advindas de argumentos descomprometidos com o que nossas ideias julgam ser verdade.

Nosso sistema de ensino, ao contrário do sistema de Educação Liberal, cria uma massa de pessoas “meio formadas”: pessoas “educadas” pela metade, que conhecem muito pouco fora de seus próprios campos de atuação. Quantos graduados em Letras conseguem entender a teoria da evolução ou a teoria do Big Bang? Quantos graduados em Física entenderiam a confusão (para mim gloriosa) das chamadas Ciências Humanas – como, por exemplo, a diferença entre as ideias linguísticas dos estruturalistas e dos gerativistas? O problema com a falta desse conhecimento diversificado é que nos tornamos vítimas da manipulação daqueles que tiverem a capacidade de usar argumentos aparentemente convincentes – argumentos que não chegam a ser argumentos de facto, mas apenas um uso opressor de jargão técnico ou ideológico para o convencimento de mentes “educadas pela metade”.

Não consigo deixar de pensar nas pessoas aparentemente bem educadas que conheço – pessoas com formação universitária e financeiramente privilegiadas -, que se deixam levar por “argumentos” religiosos fundamentalistas, como a infalibilidade e inerrância bíblicas, só para citar um exemplo. Pessoas formadas em Psicologia, Filosofia ou em Biologia, que acreditam (?) que a Terra foi feita em seis dias e que existe um inferno para onde são mandadas as almas dos que desobedecem a “palavra de Deus”. O que sempre penso é: “será que não aprenderam nada na universidade?”; “não aprenderam nada sobre as teorias científicas a respeito da origem do universo, da origem da vida?”; “nada que estudaram contribuiu para sua compreensão do mundo?”; “não aprenderam nada a respeito da construção de argumentos e da persuasão?”. E a resposta é simples: claro que não; a universidade, como a querem os “educadores” brasileiros, não nos ensina a usar o cérebro, não nos ensina a pensar; o máximo que faz é ensinar-nos a repetir credos ideológicos antiquados disfarçados de pensamento progressista (refiro-me, principalmente, aos catequistas “de esquerda”).

Quando cito o exemplo de vítimas de certas ideias religiosas, não quero, em hipótese alguma, condenar a fé religiosa como algo irreconciliável com a educação. Eu mesmo sou muito religioso. Como um ministro religioso, fé e prática religiosas são parte indissociável de minha vida. Entretanto, minha fé é também indissociável da visão de mundo que recebi através de minha educação; e um dos frutos dessa combinação é minha integridade intelectual. Aprendi, com a educação liberal que recebi, a manter minha visão de mundo e minha fé religiosa em cheque: ou seja, não finjo acreditar em algo que minha mente sabe (ou julga) não ser verdade. Essa integridade intelectual também se estende à minha compreensão política do mundo: não posso fingir acreditar que não há nada de errado com a ideologia de movimentos como, por exemplo, o MST, quando pregam “revoluções” violentas e desrespeito aos direitos de outros cidadãos – se eu o fizesse, estaria violando todas as outras coisas nas quais acredito: democracia (como sendo o desejo da maioria da população), propriedade privada, ordem jurídica, etc – estaria aniquilando minha integridade intelectual.

Esse tipo de integridade intelectual – fruto de uma educação ampla a respeito do mundo em todos os seus aspectos: natural, cultural, econômico, etc -, que julgo essencial, mas que os papagaios pseudo-esquerdistas provavelmente consideram como símbolo do pensamento burguês e como sinal de minha escravidão intelectual e política, transformaria e libertaria a mente de milhões de jovens neste país – jovens que, como dizia Renato Russo, são “o futuro da nação” -, se os “poderosos” realmente quisessem cidadãos pensantes... mas eles não querem! Os políticos que o “povo” julga como sendo de “esquerda”, assim como os que julgam como sendo de “direita”, não querem um povo livre, que pense por ele mesmo. Querem uma horda de ignorantes, ou uma massa de papagaios adestrados pela metade, pois essa é a única forma de continuarem a falar a quantidade de baboseiras que falam e serem assim mesmo ouvidos por cidadãos irracionais, e é a única maneira de continuarem a serem eleitos por pessoas que não entendem plenamente o poder que poderiam ter em suas mãos, caso usassem seus cérebros quando desempenham sua função de eleitores.

É nesse tipo de educação que acredito, e é esse tipo de educação que quero para este país e para os jovens que serão, talvez, a grande oportunidade de mudança na história desta nossa nação. Libertemos nossas mentes, e quebremos as correntes que nos prendem às ideias que não trouxeram nenhum bem a esse país até agora! Por uma educação plena, íntegra, liberal e liberalizante!

+Gibson da Costa

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