O cenário era a apresentação dum seminário que tratava, entre outras coisas, sobre o multiculturalismo e o relativismo cultural. A professora, uma doutora em sociologia, numa aparente provocação acerca do papel do conhecimento científico na escola, questionou os alunos (eu incluído entre esses) por que razão se podia ensinar na escola sobre a teoria do Big Bang como explicação das origens de nosso cosmos e não o Criacionismo, levando-se em consideração que “não podíamos provar nenhum dos dois”.
Quando lançou aquela pergunta, alguns de meus colegas presentes na sala instintivamente olharam para mim, como se dissessem “ela te pegou!”. E eu, infelizmente, não pude responder sua “provocação” (?) na hora, já que estávamos no meio duma apresentação de seminário e dar-lhe uma resposta seria um desrespeito àqueles que apresentavam o seminário.
Entretanto, gostaria de dizer a meus colegas: Não, ela não “me pegou”. Ela caiu numa armadilha muito perigosa, mesmo que sua intenção fora apenas fazer uma provocação – o que, honestamente, espero ter sido o caso, apesar de não haver soado como só isso; em suas observações, ela soou como se ela realmente acreditasse no que disse (de que não há diferença entre ciência e mitologia).
Há uma grande diferença entre um mito religioso – que, devo esclarecer, não é sinônimo de mentira – e uma teoria científica. A teoria do Big Bang não é uma explicaçãozinha que nasceu como fruto duma política multiculturalista e relativista que diz que tudo é bom e válido (devo esclarecer que esta é minha provocação contra o que ouvi ontem!). Ela está baseada em leis que descrevem eficientemente os fenômenos naturais que podemos observar. Apesar de não podermos afirmar que nossas explicações científicas acerca de nossas origens estejam plenamente certas, elas são o melhor que temos até hoje.
A questão aqui é: qual o papel da escola? Os estudantes religiosos podem ouvir explicações religiosas em suas comunidades religiosas, ou, podem escolher frequentar uma escola religiosa. Os alunos duma escola pública, laica, têm de estar expostos às explicações científicas e laicas, já que sua escola é mantida por dinheiro público. Além disso, vejo a escola como uma ligação entre os alunos e sua herança cultural, o que inclui a ciência. O sistema escolar não exclui a religião, e, além disso, a Constituição Federal garante o pleno direito religioso no país – logo, não se pode sugerir que os religiosos não tenham a liberdade legal de buscarem explicações religiosas fora da escola (o que não foi o caso daquela professora). Se um aluno aprende ciências, são as teorias científicas que deve aprender e não explicações baseadas em mitos religiosos.
Outro problema causado pela (suposta) provocação da professora é a questão do uso do termo “teoria”. Em ciência, o termo teoria não tem o sentido dado-lhe em nossas conversas cotidianas – como quando alguém diz: “Teoricamente, você tinha de fazer isso” -; a teoria científica é um sistema explicativo da realidade, que envolve fatos que se correlacionam sob um mesmo modelo teórico, cujas predições se confirmam, dentro dos limites nos quais seus pressupostos podem ser aplicados. Apesar de, na ciência, não se supor ter uma explicação definitiva – já que as teorias estão sujeitas à revisão – é tolice querer equacionar os achados da ciência com as noções mitológicas que construímos como interpretação do mundo.
Só alguém que não conhece o que faz a ciência, nem entende o que intenciona a religião, além de não compreender o que se pretende na escola, nem saber o que significa “Criacionismo”, pensaria que tanto faz ensinar o Big Bang ou o Criacionismo (que não é a explicação bíblica, nem ortodoxa da Criação – é, antes, uma construção reacionária duma nova interpretação dos relatos bíblicos). Deus nos proteja dessas concepções!
+Gibson