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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Deus, questões cosmológicas e uma visão otimista da realidade

Ouvi certa vez de um amigo, enquanto conversávamos sobre Deus e a origem do Universo, que eu era muito pessimista. Ele entendia que por eu abraçar uma visão científica da origem da vida e por não enfatizar uma crença no sobrenatural ou numa existência espiritual, minha visão seria “pessimista”. Bem, tenho de discordar de meu amigo.

Não tenho uma visão teísta sobrenatural-personalista, ou seja, não enxergo Deus necessariamente como um ser pessoal que controla o Universo e intervém de maneira “sobrenatural” na história. Creio em Deus. Com isso quero dizer, creio na Realidade de Deus. Creio firmemente que existo dentro de Deus, que minha realidade está contida na Realidade do Divino (Atos 17:28). Não vejo Deus necessariamente como uma pessoa, apesar de, algumas vezes, fazer uso dessa metáfora personalista tradicional. Penso que a metáfora dum Deus pessoal é útil para o desenvolvimento de certos aspectos de nossa espiritualidade (especialmente uma que esteja enraizada na tradição judaico-cristã).

O problema, para alguns, reside no fato de eu alegremente abraçar uma visão científica da origem de nosso Universo – e, consequentemente, de nossa própria origem. Pessoalmente, não vejo conflito entre as explicações e interpretações míticas oferecidas por nossas tradições religiosas e as outras explicações (também “míticas”?) oferecidas pela ciência moderna. Não vejo conflitos porque vejo nessas tradições narrativas o exercício de diferentes funções – funções essas que são moldadas pelas necessidades, compreensões e experiências de diferentes povos em diferentes tempos, lugares e circunstâncias.

A história de nosso Universo, que ainda não foi contada em todos os seus detalhes – e que, talvez, nunca será -, é fascinante. Vivemos num Universo que se expande numa velocidade incrível, e não apenas porque ele de fato se expande, mas também porque a nossa própria compreensão dele está num processo de expansão interminável: todos os dias descobrimos mais e mais a respeito da realidade que nos cerca e da qual somos parte, e, assim, reescrevemos nossa história cósmica.

Um Deus pessoal criou nosso Universo? Mas se esse Deus pessoal criador foi a origem de nosso Universo, onde ele estava antes de o Universo ser criado? Estava em outro Universo? Mas se estava em outro Universo, quem criou aquele outro Universo?...

O Big Bang foi a origem de nosso Universo como o conhecemos? Mas o que originou essa fuga cósmica primordial? O que deu origem àquele Universo denso e quente?... Não é que não existam explicações científicas convincentes para a origem do Universo, é só que tudo é tão difícil de entender para mentes tão limitadas temporal e espacialmente.

As duas explicações, a religiosa e a científica, exigem um amplo exercício de criatividade imaginativa para que as compreendamos. E essa é a graça de tudo.

Para alguém que acredita em Deus, e que busque uma resposta teológica, talvez a pergunta primordial seja: O quê é Deus, afinal de contas? E fazer-se esta pergunta, tentando ouvir as vozes de diferentes fontes (a tradição narrativa da religião e a da ciência), não torna alguém um “pessimista”, pelo contrário!

+Gibson

2 comentários:

  1. Estimado Rev. Gibson

    Achei muito oportuno esse artigo, principalmente no que diz respeito à lucidez com quem foi escrito. Devo dizer que temos a mesma visão sobre o tema, embora com variações mínimas sobre algumas perguntas, mas são variações de respostas eu creio. Eu diria que talvez seja necessário como diz o Dr. Borg uma reeducação teológica, pois a grande pergunta foi feita por você ao final do artigo; "afinal de contas o quê é Deus?". A maior parte das pessos que conheço parecem acreditar que "possuem" o conhecimento sobre o quê ou quem é Deus, e sendo assim tem dificuldades de fazer essa pergunta e como consequência terminam realmente abandonando a possibilidade de que ela seja feita. Algumas vezes fiz essa pergunta e me disseram "Ele é o criador", seja lá o que ela queira dizer com isso, parece que a única noção que elas possuem de Deus é uma noção que só pode ser ligada à cosmologia das origens do universo, o que em minha opinião particular, parece ser uma influêcia do cientificismo sobre a questão, ou seja, elas não conseguem pensar em Deus a não ser pela imagem de 'alguém' que faz algo como por exemplo criar.
    Esse tipo de visão me parece problemático porque simplesmente impede a fé, pois precisa cair no vício do neoateísmo dawkinsoniano de pensar que conceitos como Deus precisam de uma explicação que faça jus à nossa mentalidade científica e moderna, tentam encaixar a idéia de Deus dentro dos modelos de explicação da ciência. Não que nós não devamos relacionar as questões, devemos, mas com certeza não devemos submeter uma à outra, pois são sistemas de diferente funcionamento. Eu acredito que é necessário iniciar uma empreitada educacional séria para esclarecer questões sobre ciência e religião, pois da maneira como estamos caminhando temo que a educação científica se comprometa bem como a educação religiosa.

    Cordial Abraço.

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  2. Caro Ítalo,

    Obrigado por seus comentários. Você tem razão quando afirma que moldar a noção de Deus ao pensamento científico - ao seu modus operandi - é problemático; e isso é verdade quando aplicado inversamente também - isto é, tentar compreender a mentalidade científica a partir de noções religiosas.

    Como Borg (em temas teológicos), que você citou, e como Gleiser (em temas científicos), compreendo tanto a religião quanto a ciência como sendo narrativas metafóricas. Enquanto a religião faz uso de uma linguagem mais claramente metafórica, a ciência utiliza uma linguagem mais (supostamente) objetiva - o que faz com que alguns pensem que a ciência em si seja uma "verdade" dogmática. Entretanto, é só explorar um pouco as noções científicas modernas para perceber que nem mesmo uma disciplina como a Física garante uma verdade factual sobre o Universo. O que dizer então de nossas concepções teológicas?

    Gosto de pensar que tanto a ciência quanto a religião desempenham papeis importantes em nossa(s) cultura(s) - papeis que nem sempre têm uma relação direta, mas que podem se completar. Infelizmente, um gênio como Dawkins (sim, porque mesmo que eu discorde de suas concepções ateístas, tenho de reconhecer sua genialidade como divulgador científico) não consegue compreender nem apreciar essas diferenças!

    Seja como for, seus comentários foram muito apropriados.

    Grande abraço!

    +Gibson

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