Para mim,
uma palavra-chave resume toda a tradição judaico-cristã de forma
mais plenamente metafórica que qualquer outra: exílio. As
Escrituras, que enxergamos como testemunhas de nossa fé e tradição,
estão imersas na ideia de exílio. Nossa relação com o Divino, o
Nome que traz-nos e o todo da Criação à existência, é uma
relação de exílio. A história de nossa espécie sobre este
planeta é uma história de exílio.
Exílio,
êxodo, migração, errância e nomadismo são palavras que definem
minha experiência humana e minha relação com a única verdade que
continua ancorada em minha alma: Deus – o Mistério Eterno que
aguça minha busca por uma permanência, em meio a todas as
experiências de instabilidade identitária que têm modelado minha
história até agora.
Nas
tradições judaicas e cristãs, encontramos uma complexa e contínua
narrativa de exílio. O exílio das almas humanas neste planeta,
afastadas da esfera do domínio divino. O êxodo do povo hebreu na
terra dos egípcios. A migração pelo deserto físico. A errância
do Filho do Homem na terra da dor e sofrimento. E o nomadismo
espiritual que é parte da jornada humana em sua busca pelo Divino.
Nossa vida é uma existência de êxodo e exílio.
Por que,
em seu sonho, Jacó não pode também subir as escadas que levavam ao
domínio divino, como os anjos o faziam? Por que foi a terra do
exílio que o Divino ofereceu-lhe, quando poderia ter-lhe oferecido o
destino final? (Gênesis 28:10-15)
Aparentemente,
o Deus de Jacó via o exílio como um privilégio, a possibilidade de
ultrapassar o alcance das raízes identitárias que nos amarram e
limitam; a oportunidade de ser divino também – no sentido de poder
compreender a limitação da própria Criação. Por isso o
sofrimento no deserto quente e seco do êxodo marca-nos a todos nós,
mesmo aqueles que nunca deixaram os limites de seu próprio quintal.
O filósofo Gilles Deleuze chamaria essa experiência exílica de
“mobilidade”, e a compreenderia como sendo a essência do ser.
Para ele, a mobilidade constituiria o instrumento da criatividade do
ser. E eu não poderia discordar de Deleuze.
Desenraizar-se,
ou, talvez, como diria o apóstolo Paulo sobre Jesus, esvaziar-se, é
um ato revolucionário em si. É um ato corajoso de desafio àquilo
que parece ser permanente em nós, mas que, ao nos tornarmos nômades,
descobrimos ser transitório: nossa própria identidade.
Qualquer
um que tenha experienciado a migração, qualquer um que tenha
enfrentado a distância, a solidão, a saudade, conhece a sensação
de se agarrar ao que restou para permanecer sendo o mesmo. Mas à
medida que o novo e desconhecido se abre e desnuda diante de nossos
olhos, deixamos de temer, e passamos, talvez, a inserir pequenos
fragmentos daquela novidade em nossa própria identidade. E nascemos
de novo.
Essa
mobilidade, ou êxodo, ou exílio, é minha compreensão do “nascer
de novo” da linguagem cristã. O exílio é o morrer e ressuscitar
que devemos experienciar para que possamos nos tornar unos com
Cristo.
Sim, Deus
acertou em não ter permitido que Jacó subisse a escada que levava
aos céus. A terra do exílio ensina-nos muito mais.
+Gibson
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