O mito
pascoal sempre me fascinou. A beleza da narrativa, os símbolos, o
sentido a eles atribuídos pelos diferentes leitores … tudo isso
tem sempre falado à minha sensibilidade e imaginação – mais
especialmente, talvez, por eu estar envolto em duas diferentes
narrativas: a judaica e a cristã.
Da
tradição judaica emerge o sentido de passagem do cativeiro à
liberdade, do Êxodo à Terra Prometida. A metáfora do Pessah está
tão presente em minha imaginação, que torna-se indelével de minha
própria história. Ela guia e molda minha visão de mundo, minha
compreensão filosófica, minha busca por “liberdade”, e minha
esperança política. Como confio na realidade de Deus, essa
passagem, essa busca, é um encontro com o Divino dentro do qual
vivo, me movo e existo; e a narrativa tradicional do Pessah é um
lembrete de que a liberdade está dentro de nosso alcance, mesmo que
para atingi-la, tenhamos de atravessar as profundezas dos mares.
Da
tradição cristã emerge o chamado à morte e à ressurreição. A
metáfora do morrer e voltar a viver por meio da confiança e do
abandono daquilo que nos acorrentava ao passado, a renúncia ao
império da servidão – que, muitas vezes, está dentro de nós
mesmos. Essa metáfora, que, para mim, está diretamente associada à
narrativa sobre a morte e a ressurreição de Jesus, está tão
presente em minha imaginação que é como se fora minha própria
história. Como confio na mensagem de Cristo, essa morte e
ressurreição, às quais essa mensagem me chama, é um lembrete de
que a transformação de meu interior é um processo relacional
contínuo de religação com o Divino, e um testemunho de que “nem
mesmo a morte” pode nos separar do “amor de Deus”.
O
interessante é que as tradições judaica e cristã não esgotam
essa busca por liberdade e renascimento. Essas são buscas humanas,
buscas comuns às mais diferentes tradições de fé. Se Moisés, por
exemplo, lidera os israelitas através do deserto e do Mar Vermelho
para alcançarem sua liberdade; e se, posteriormente, Jesus torna-se
“o Caminho” que nos indica a jornada da morte à ressurreição,
do cativeiro interior à deificação do nosso eu, também
encontramos outros exemplos em outras tradições de fé.
O Buda,
por exemplo, nos convida a seguirmos o Nobre Caminho que nos conduz à
Terra Pura. O Nobre Caminho da “via media”, da renúncia
aos extremos. O sentir correto, a fala correta, o comportamento
correto, o viver correto, o esforço correto, a atenção correta e a
concentração espiritual correta. Para ele, esse caminho nos leva à
Iluminação – que é o equivalente budista à liberdade judaica e
à vida cristã. A Iluminação, por outro lado, é dependente da
ilusão e da ignorância, já que só pode existir por aquelas outras
duas existirem, e vice-versa – se uma delas deixar de existir, as
outras também cessarão. E quando alcançarmos a Iluminação,
perceberemos que tudo contém, em si mesmo, uma Iluminação. É uma
bela metáfora da busca por liberdade.
O profeta
Muhammad, por exemplo, ensinou que a submissão a Deus é o caminho
para essa liberdade. Assim, para a tradição islâmica, a fé deve
ser afirmada pela língua, pelo coração e pelas ações. Nossa
submissão a Deus é afirmada nas pequenas ações que realizamos no
dia a dia: dos atos de adoração a Deus à maneira como
cumprimentamos os estranhos na rua. A submissão a Deus é, para o
profeta do Islã, o único caminho para a liberdade e a vida.
Com
diferentes termos e conceitos, essas tradições nos ensinam o quanto
nossa busca espiritual por liberdade – e não apenas a busca por
liberdade espiritual – é essencial para a experiência humana. Nem
sempre ela tomará um caminho religioso, já que podemos
testemunhá-la também nas inúmeras empreitadas artísticas e
filosóficas da humanidade, mas o que importa é que ela testifica o
quanto “ser livre” é essencial para o nosso imaginário.
Como um
cristão, penso que a Páscoa seja um tempo magnífico para refletir
sobre essa busca por liberdade. E, mais especificamente, como um
unitarista, escolho combinar esses diferentes conceitos religiosos de
Liberdade, Vida e Iluminação em minha própria busca espiritual,
modelando um sentido para a Páscoa que fale a todos os aspectos de
minha vida.
Junto
minha voz àquela de todos os cristãos, em todas as eras –
independentemente de quão diferentes sejam nossas interpretações
dessas palavras –, dizendo:
“Aleluia.
Cristo ressuscitou!”
Pois,
como nós unitaristas rezamos ao fim de nossas celebrações
eucarísticas:
“Cristo
nasce em nós quando abrimos nossos corações à inocência e ao
amor. Cristo vive em nós quando caminhamos a senda do perdão,
reconciliação e compaixão. Cristo morre em nós quando nos
rendemos à nossa própria arrogância, egoísmo e ódio. Cristo
ressuscita em nós quando nossas almas se despertam da morte
espiritual para se unirem à comunidade de amor, para entrar no reino
divino aqui mesmo neste mundo. Saiamos em paz. Amém.”
Feliz
Páscoa a todos!
+Gibson
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