“O
jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer
as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar
qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua
casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não
se fechar à sua própria gente. Se você fizer isso, a sua luz
brilhará como a aurora, suas feridas sararão rapidamente, a justiça
que você pratica irá à sua frente e a glória do Senhor
acompanhará você. Então você clamará, e o Senhor responderá;
você pedirá socorro, e o Senhor responderá: “Estou aqui!” Isso
se você tirar do seu meio o jugo, o gesto que ameaça e a linguagem
injuriosa; se você der o seu pão ao faminto e matar a fome do
oprimido. Então a sua luz brilhará nas trevas e a escuridão será
para você como a claridade do meio-dia; o Senhor será sempre o seu
guia e lhe dará fartura até mesmo em terra deserta; ele fortificará
seus ossos e você será como jardim irrigado, qual mina borbulhante,
onde nunca falta água; as suas ruínas antigas serão reconstruídas,
você levantará paredes em cima dos alicerces de tempos passados.
Vão chamá-lo reparador de brechas e restaurador de ruínas, onde se
possa morar.” (Isaías 58:6-12)
Reconstruir,
restaurar, reparar. Infelizmente, esses não são verbos que ouço em
meus diálogos com a frequência que gostaria. Um dos verbos que mais
ouvi nas últimas duas semanas foi “desconstruir”. Ele
apareceu em conversas que tive com alunos, colegas, amigos, e em
algumas leituras que fiz. Ele emergiu até mesmo em conversas que
tive na igreja, com algumas pessoas. Tenho a impressão que há muita
gente preocupada em desconstruir, demolir, certos conceitos, ideias,
noções, crenças.
Honestamente,
penso que essa obsessão da chamada pós-modernidade com o
“desconstruir” é triste. Isso porque geralmente a demolição
é a maior distância percorrida pelos desconstrutores. Eles se
preocupam apenas em desconstruir conceitos, ideias, noções,
crenças; não constroem nada.
Alguém,
por exemplo, fala em desconstruir antigas noções religiosas,
eliminando 'verdades' que integram os elementos formativos da fé de
outros. Desconstrói – assim pensa – cada um dos pontos da visão
de mundo de uma determinada tradição. Demole. Derruba. Põe abaixo.
Mas não constrói nada significativo no lugar. Não edifica. Não
ergue. Não erege. Não cria. E assim, torna sua proposta
desconstrutora ainda mais vazia e insignificante do que a que
intencionara substituir. É trágico!
Não,
meus amigos – sim, vocês com quem conversei sobre “desconstruções”
–. Nunca pensei estar desconstruindo nada, porque penso ser a
desconstrução algo – metaforicamente falando – “bandido”.
Como dizem as Escrituras cristãs, “o ladrão” é que vem para
“matar, roubar, e destruir” (João 10:10) – e a “desconstrução
é uma forma de destruição. Eu prefiro estar ao lado daqueles
que constroem algo, que contribuem na edificação e na criação.
Prefiro, se possível, ser chamado de “reparador de
brechas e restaurador de ruínas, onde se possa morar”.
Pensemos
em Deus, por exemplo – que foi o principal tópico das ideias de
“desconstrução” de vocês. Não me interesso nem um pouco por
desconstruções de noções do Divino. Diferentemente do que alguns
possam pensar, não sou um ateu – mesmo que me recuse a
identificar-me como um “teísta”. Na realidade, recuso-me a
etiquetar minhas noções sobre Deus, pois penso que essas devam
ser maleáveis e flexíveis. Como acredito na revelação
contínua, no mover do Espírito, escolho estar
suficientemente aberto para que Deus se revele a mim de diferentes
formas, em diferentes momentos de minha vida.
As
tradições judaico-cristãs que me formaram como um homo
religiosus – i.e., suas Escrituras, liturgias, teologias,
filosofias, mitos, memória religiosa etc – são o território
no qual escolho construir edificações para minha própria relação
com o Divino, com a criação e com os homens. Como um
unitarista, obviamente, estou aberto ao diálogo com outras
tradições, já que Deus, em minha compreensão, não é judeu, nem
cristão, nem muçulmano, nem budista, nem hindu, nem espírita, ou
membro de qualquer outra tradição de fé. Creio que o Espírito
se move sobre a terra, igualmente, para qualquer um de nós; e é
exatamente por essa razão que me recuso a abraçar qualquer
'verdade' humana como se fora a definitiva – e as tradições
religiosas, para mim, são humanas: são respostas que nós damos ao
mover do Espírito divino. Isso, entretanto, não significa que eu
não acredite que haja 'verdade' – o que não acredito é que eu,
ou qualquer outro, tenha a condição de definir uma verdade eterna
por meio de uma linguagem falha e incompleta como a humana. Podemos
nos aproximar linguisticamente de uma descrição de nossas relações
com o Divino, mas nossa linguagem não é capaz de definir o Divino.
Na realidade, mesmo se pudéssemos fazer uso de uma linguagem
verbal divina, essa não poderia conter a Deus, pois se o
fizesse, Deus seria menor que sua própria linguagem. Não posso
definir Deus – dizendo algo como: Deus é bom, Deus é fiel, Deus é
eterno etc – pois se o pudesse, Deus seria menor que minha
linguagem e, consequentemente, menor que eu. Deus, para mim, não
é, nunca foi, nem nunca será. Deus não pode estar limitado por
verbos criados pelo homem – se assim fosse, Deus estaria limitado
pelas paixões, dogmatismos, tribalismos, bairrismos, e todos os
-ismos humanos, e não acredito que isso seja possível.
Já disse
incontáveis vezes que não acredito em Deus. Me recuso a utilizar o
verbo acreditar com o nome Deus. Isso porque não posso encarcerar o
Divino em minhas limitadas noções teológicas, em minha linguagem
limitada. A tradição cristã (e a judaica, e a islâmica etc) nos
ensina a darmos voz à nossa crença por meio de outra linguagem que
não a verbal. É como se ela dissesse: utilizem o verbo fazer
e não crer! “Amem
aos seus inimigos”, ela nos comanda, e não “Creiam em amar seus
inimigos”! “Alimentem os famintos”, e não “Creiam que
alimentar os famintos seja a coisa certa”. O amor é a única
linguagem aceitável para definir Deus na tradição cristã. [E a
construção é o produto do amor, e não a desconstrução.]
Infelizmente, a obsessão com objetividade nos faz centrar a fé
cristã mais em palavras do que em ações, e isso, para mim, é uma
heresia.
Como
demonstra esse trecho do livro do Profeta Isaías, nossas ações
construtoras, reparadoras, restauradoras são mais importantes que os
rituais e, para meu argumento aqui, as palavras que utilizamos para
exibir nossa “fé em Deus”. A resposta de Isaías serve tanto
para os religiosos que enfatizam a religião externa, aparente,
quanto para os críticos desconstrutores: a fé, “a religião pura”
(na linguagem de Tiago 1:27), é aquela que faz, que se materializa
em ações, que repara brechas, que restaura ruínas, que alimenta os
famintos, que liberta os oprimidos, que abriga os desabrigados etc;
é, enfim, uma manifestação de Deus – se aceitarmos a noção de
Deus como amor.
Minha
oração é que possamos, de alguma forma, nos abrir a essa visão
de fé como um construir, e nos aproximarmos da visão de Deus como
Criador, sendo “deificados” em nossa disposição de sermos
moldados pelo soprar do Espírito.
+Gibson
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