Política e religião. Religião e política. Uma combinação que já se mostrou perigosa e corrosiva para sociedades pré-modernas, e que, infelizmente, continua a lançar sombras sobre nosso mundo social contemporâneo, que alguns insistem em chamar de pós-moderno.
Pois bem, a combinação de política e religião, ou religião e política, é para mim um desafio às minhas crenças políticas e teológicas. Eu, que um grande amigo já chamou de “super protestante”, abomino a intromissão do Estado nos domínios da vida de fé e do espírito, e, igualmente, abomino a intromissão da fé e do espírito nos domínios do Estado. Não deixo de reconhecer, entretanto, a limitação desse sentimento, já que sei que nenhum de nós pode separar aspectos de nossa compreensão de mundo em caixinhas incomunicáveis dentro de nossas mentes. Assim, minha visão política se comunica com minha visão religiosa, e ambas se comunicam com minhas visões cultural, social, econômica etc.
Como um protestante liberal, acredito na liberdade de consciência do indivíduo. Acredito que deve haver uma separação entre a religião institucional (a “Igreja”) e o Estado para que o Estado se alicerce sobre a lei democrática, e não sobre a imposição de convicções religiosas particulares ou de ingerências institucionais. Isso, contudo, não significa que acredito que o Estado, chamado de laico, deva ser ativamente ateu. O Estado é, em princípio, um reflexo dos ideais de sua sociedade, e como a sociedade da qual fazemos parte não é ateia, não vejo problema algum em extrairmos aquilo que a maioria dos “crentes” (leia-se, os cidadãos que acreditam na Divindade ou professam uma fé religiosa – que, de acordo com o IBGE, é a maioria esmagadora da sociedade brasileira) compartilham em suas convicções éticas para moldar nossa democracia.
Isso significa, em minha compreensão, que, por exemplo, o “Deus seja louvado” das cédulas de Real ou a regulação do aborto no país não são uma ingerência da “Igreja” no Estado brasileiro. São, sim, um reflexo do ethos da sociedade brasileira; a voz das convicções que moldam nosso ideal social, enquanto entidade política. Essa compreensão das leis como reflexo de convicções éticas majoritárias, entretanto, não significa que não se deva fazer oposição a elas no cenário político; pelo contrário: acredito que se há convicções opostas, seus defensores têm o direito, e talvez o dever, de se organizarem politicamente e tentarem vencer o debate de forma legal e democrática.
Minhas convicções, infelizmente, parecem ser possíveis apenas numa utopia, apenas num “não lugar”. Se atentarmos para o que ocorre neste país, nos sentiremos forçados a fazer uso daquela infeliz expressão belicista: parece que vivemos num ambiente de “guerra cultural”. Uma guerra pelas nossas mentes e votos, travada por dois grandes grupos opostos, que contribuem para o esfacelamento de convicções e o assassínio de nossas almas.
Num extremo, há aquelas forças que, em nome duma suposta “justiça” e duma suposta “igualdade”, violam, em seus esforços, o “espírito” da maioria. Assim, os insatisfeitos com a democracia representativa, com o Estado de Direito, com o direito à propriedade e à livre iniciativa, com noções ditas “tradicionais” de família etc, acreditam poder passar por cima de tudo e de todos para alcançarem seus anseios; sem “perceberem”, muitas vezes (aos menos, os mais “democráticos” entre eles), a incoerência entre seus credos políticos professos e suas ações.
Noutro extremo, há aqueles que se utilizam do discurso dito “religioso” no âmbito político, ou vice versa, para criarem um ambiente reacionário, injetando o medo de tudo aquilo e de todos aqueles que pensem de forma diferente, e sabotando o espírito democrático pluralista, encontrando inimigos onde há apenas discordantes. E o mais triste é que o fazem em nome de “Deus” e da “família”, em nome da “fé” e da “democracia” – só não sei, ao certo, que “Deus”, que “família”, que “fé”, nem que “democracia” eles defendem!
O mal ofertado por esses dois grandes grupos extremistas é que eles sequestram nossa liberdade. Violam nossa consciência coletiva comum, tentando impor sobre nós suas visões distorcidas de liberdade e democracia, visões que não refletem nosso “senso comum” (expressão, aliás, bem diabolizada pelo modismo do politicamente correto), como exposto em nossa Constituição e leis. Esses extremistas, assim, não nos representam; não representam os anseios da maior parte desta sociedade em construção, desta democracia em formação. Eles representam, apenas, seus próprios interesses; nada mais.
Todos os anos eleitorais costumo repetir isso: no mundo político, e dentro da Igreja, há aqueles que se esforçam para politizar o Cristianismo, ou para cristianizar a política. Eles utilizam a linguagem da fé para seduzir aqueles que não estão preparados para o debate de ideias políticas, e utilizam a linguagem da política para seduzir aqueles que não estão ancorados na tradição de fé. A arma pode ser a desmoralização ora da política, ora da fé; com o sequestro das narrativas desses dois âmbitos para que possam manipular seus discípulos e conseguirem seu voto. Como um protestante, compromissado com a separação entre a religião institucional e o Estado, enxergo esse tipo de manipulação como uma ameaça à liberdade e à democracia – e uma ameaça frequentemente feita por outros que também se identificam como “protestantes”.
Obviamente, compreendo como muitos eleitores cristãos, especialmente protestantes, se sentem e, até certo ponto, partilho de seus sentimentos. Em nosso país, defender certos princípios vistos como “tradicionais”, mesmo que de forma democrática e legal, é motivo de chacota por grande parte da chamada “intelligentsia”. Assim, opor-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à legalização do comércio e consumo de drogas, à descriminalização do aborto etc, é visto como ser reacionário, retrógrado, ditatorial – adjetivos, aliás, utilizados por adolescentes imaturos e semiletrados, que não compreendem como se dá a formação do ethos duma sociedade. De minha parte, devo enfatizar, não ouvirão a defesa das perspectivas de nenhum desses dois lados – i.e., nem dos defensores dos princípios ditos “tradicionais”, nem dos “adolescentes imaturos e semiletrados” –, já que defendo uma via media em nossa vida política.
Sou um cidadão compromissado com a democracia representativa liberal, com o Estado Democrático de Direito, com as liberdades e obrigações estabelecidas pela Constituição Federal brasileira de 1988. Sou um cristão protestante compromissado com uma visão não-hierárquica da fé e da Igreja, na qual os cristãos e cristãs são livres para questionar a autoridade eclesiástica se suas consciências assim os impor, e na qual a Igreja e o Estado seguem seus próprios caminhos. Sou um homem de identidade cultural e de orientação emociono-sexual distintas daquelas da maioria das pessoas que me cercam e que, por isso mesmo, exijo as mesmas proteções e benefícios legais que todos os outros possuem, já que cumpro todas as obrigações comuns a todos nós. Não vejo a necessidade de temer a diversidade no mundo, pois acredito que há espaço para todos nós, desde que cumpramos nossa parte no contrato constitucional. Isso me obriga a rejeitar as duas visões extremistas às quais, talvez exageradamente, fiz menção aqui.
Apoiar a extravagância do grupo aparentemente “relativista”, para quem “vale tudo” em nome duma suposta “justiça” e duma suposta “igualdade”, é violar minha própria filosofia moral, por mais que tenha simpatia por algumas das ideias defendidas por eles. É, assim, violar meu credo político e minha fé protestante, que se entrelaçam numa defesa da democracia representativa, do Estado de Direito, e do direito à vida, à liberdade e à propriedade.
Por outro lado, apoiar o barulhento grupo dos “absolutistas morais”, que se protegem sob o rótulo da fé cristã, é escarnecer não só de minhas mais profundas crenças políticas, mas também de meu Deus, de minha fé, e de meus ancestrais de fé. Ademais, é violar o lugar central que o dogma da dignidade humana ocupa em minha fé unitarista. Apoiá-los, por mais que algumas de suas ideias sejam partilhadas por mim, seria violar o todo da minha visão de mundo.
No fim das contas, nenhum desses dois extremos me representam, nem representam, provavelmente, a maioria dos brasileiros. Espero que os eleitores cristãos deste país, especialmente os protestantes, possam entender o perigo que esses extremismos antidemocráticos e anticonstitucionais representam para o Brasil. A disputa ideológica é sadia, útil e deve continuar – assim devem continuar as oposições de ideias no cenário político –; mas a excitação ao ódio e preconceito, que se generalizou entre nós, de todos os lados e em todos os estratos, deve ser rejeitada como uma afronta à dignidade humana, à liberdade e à democracia. O que esses grupos fazem – sejam eles os radicais da “fé” ou do “social” –, quando jogam cidadãos uns contra os outros numa “guerra” artificial, é uma manifestação de sua ignorância, intolerância e inimizade, e deve ser rejeitado nas urnas nas próximas eleições!
Pois bem, a combinação de política e religião, ou religião e política, é para mim um desafio às minhas crenças políticas e teológicas. Eu, que um grande amigo já chamou de “super protestante”, abomino a intromissão do Estado nos domínios da vida de fé e do espírito, e, igualmente, abomino a intromissão da fé e do espírito nos domínios do Estado. Não deixo de reconhecer, entretanto, a limitação desse sentimento, já que sei que nenhum de nós pode separar aspectos de nossa compreensão de mundo em caixinhas incomunicáveis dentro de nossas mentes. Assim, minha visão política se comunica com minha visão religiosa, e ambas se comunicam com minhas visões cultural, social, econômica etc.
Como um protestante liberal, acredito na liberdade de consciência do indivíduo. Acredito que deve haver uma separação entre a religião institucional (a “Igreja”) e o Estado para que o Estado se alicerce sobre a lei democrática, e não sobre a imposição de convicções religiosas particulares ou de ingerências institucionais. Isso, contudo, não significa que acredito que o Estado, chamado de laico, deva ser ativamente ateu. O Estado é, em princípio, um reflexo dos ideais de sua sociedade, e como a sociedade da qual fazemos parte não é ateia, não vejo problema algum em extrairmos aquilo que a maioria dos “crentes” (leia-se, os cidadãos que acreditam na Divindade ou professam uma fé religiosa – que, de acordo com o IBGE, é a maioria esmagadora da sociedade brasileira) compartilham em suas convicções éticas para moldar nossa democracia.
Isso significa, em minha compreensão, que, por exemplo, o “Deus seja louvado” das cédulas de Real ou a regulação do aborto no país não são uma ingerência da “Igreja” no Estado brasileiro. São, sim, um reflexo do ethos da sociedade brasileira; a voz das convicções que moldam nosso ideal social, enquanto entidade política. Essa compreensão das leis como reflexo de convicções éticas majoritárias, entretanto, não significa que não se deva fazer oposição a elas no cenário político; pelo contrário: acredito que se há convicções opostas, seus defensores têm o direito, e talvez o dever, de se organizarem politicamente e tentarem vencer o debate de forma legal e democrática.
Minhas convicções, infelizmente, parecem ser possíveis apenas numa utopia, apenas num “não lugar”. Se atentarmos para o que ocorre neste país, nos sentiremos forçados a fazer uso daquela infeliz expressão belicista: parece que vivemos num ambiente de “guerra cultural”. Uma guerra pelas nossas mentes e votos, travada por dois grandes grupos opostos, que contribuem para o esfacelamento de convicções e o assassínio de nossas almas.
Num extremo, há aquelas forças que, em nome duma suposta “justiça” e duma suposta “igualdade”, violam, em seus esforços, o “espírito” da maioria. Assim, os insatisfeitos com a democracia representativa, com o Estado de Direito, com o direito à propriedade e à livre iniciativa, com noções ditas “tradicionais” de família etc, acreditam poder passar por cima de tudo e de todos para alcançarem seus anseios; sem “perceberem”, muitas vezes (aos menos, os mais “democráticos” entre eles), a incoerência entre seus credos políticos professos e suas ações.
Noutro extremo, há aqueles que se utilizam do discurso dito “religioso” no âmbito político, ou vice versa, para criarem um ambiente reacionário, injetando o medo de tudo aquilo e de todos aqueles que pensem de forma diferente, e sabotando o espírito democrático pluralista, encontrando inimigos onde há apenas discordantes. E o mais triste é que o fazem em nome de “Deus” e da “família”, em nome da “fé” e da “democracia” – só não sei, ao certo, que “Deus”, que “família”, que “fé”, nem que “democracia” eles defendem!
O mal ofertado por esses dois grandes grupos extremistas é que eles sequestram nossa liberdade. Violam nossa consciência coletiva comum, tentando impor sobre nós suas visões distorcidas de liberdade e democracia, visões que não refletem nosso “senso comum” (expressão, aliás, bem diabolizada pelo modismo do politicamente correto), como exposto em nossa Constituição e leis. Esses extremistas, assim, não nos representam; não representam os anseios da maior parte desta sociedade em construção, desta democracia em formação. Eles representam, apenas, seus próprios interesses; nada mais.
Todos os anos eleitorais costumo repetir isso: no mundo político, e dentro da Igreja, há aqueles que se esforçam para politizar o Cristianismo, ou para cristianizar a política. Eles utilizam a linguagem da fé para seduzir aqueles que não estão preparados para o debate de ideias políticas, e utilizam a linguagem da política para seduzir aqueles que não estão ancorados na tradição de fé. A arma pode ser a desmoralização ora da política, ora da fé; com o sequestro das narrativas desses dois âmbitos para que possam manipular seus discípulos e conseguirem seu voto. Como um protestante, compromissado com a separação entre a religião institucional e o Estado, enxergo esse tipo de manipulação como uma ameaça à liberdade e à democracia – e uma ameaça frequentemente feita por outros que também se identificam como “protestantes”.
Obviamente, compreendo como muitos eleitores cristãos, especialmente protestantes, se sentem e, até certo ponto, partilho de seus sentimentos. Em nosso país, defender certos princípios vistos como “tradicionais”, mesmo que de forma democrática e legal, é motivo de chacota por grande parte da chamada “intelligentsia”. Assim, opor-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à legalização do comércio e consumo de drogas, à descriminalização do aborto etc, é visto como ser reacionário, retrógrado, ditatorial – adjetivos, aliás, utilizados por adolescentes imaturos e semiletrados, que não compreendem como se dá a formação do ethos duma sociedade. De minha parte, devo enfatizar, não ouvirão a defesa das perspectivas de nenhum desses dois lados – i.e., nem dos defensores dos princípios ditos “tradicionais”, nem dos “adolescentes imaturos e semiletrados” –, já que defendo uma via media em nossa vida política.
Sou um cidadão compromissado com a democracia representativa liberal, com o Estado Democrático de Direito, com as liberdades e obrigações estabelecidas pela Constituição Federal brasileira de 1988. Sou um cristão protestante compromissado com uma visão não-hierárquica da fé e da Igreja, na qual os cristãos e cristãs são livres para questionar a autoridade eclesiástica se suas consciências assim os impor, e na qual a Igreja e o Estado seguem seus próprios caminhos. Sou um homem de identidade cultural e de orientação emociono-sexual distintas daquelas da maioria das pessoas que me cercam e que, por isso mesmo, exijo as mesmas proteções e benefícios legais que todos os outros possuem, já que cumpro todas as obrigações comuns a todos nós. Não vejo a necessidade de temer a diversidade no mundo, pois acredito que há espaço para todos nós, desde que cumpramos nossa parte no contrato constitucional. Isso me obriga a rejeitar as duas visões extremistas às quais, talvez exageradamente, fiz menção aqui.
Apoiar a extravagância do grupo aparentemente “relativista”, para quem “vale tudo” em nome duma suposta “justiça” e duma suposta “igualdade”, é violar minha própria filosofia moral, por mais que tenha simpatia por algumas das ideias defendidas por eles. É, assim, violar meu credo político e minha fé protestante, que se entrelaçam numa defesa da democracia representativa, do Estado de Direito, e do direito à vida, à liberdade e à propriedade.
Por outro lado, apoiar o barulhento grupo dos “absolutistas morais”, que se protegem sob o rótulo da fé cristã, é escarnecer não só de minhas mais profundas crenças políticas, mas também de meu Deus, de minha fé, e de meus ancestrais de fé. Ademais, é violar o lugar central que o dogma da dignidade humana ocupa em minha fé unitarista. Apoiá-los, por mais que algumas de suas ideias sejam partilhadas por mim, seria violar o todo da minha visão de mundo.
No fim das contas, nenhum desses dois extremos me representam, nem representam, provavelmente, a maioria dos brasileiros. Espero que os eleitores cristãos deste país, especialmente os protestantes, possam entender o perigo que esses extremismos antidemocráticos e anticonstitucionais representam para o Brasil. A disputa ideológica é sadia, útil e deve continuar – assim devem continuar as oposições de ideias no cenário político –; mas a excitação ao ódio e preconceito, que se generalizou entre nós, de todos os lados e em todos os estratos, deve ser rejeitada como uma afronta à dignidade humana, à liberdade e à democracia. O que esses grupos fazem – sejam eles os radicais da “fé” ou do “social” –, quando jogam cidadãos uns contra os outros numa “guerra” artificial, é uma manifestação de sua ignorância, intolerância e inimizade, e deve ser rejeitado nas urnas nas próximas eleições!
Bençãos a todos!
+Gibson
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