“[…]
Na vida, na morte, na vida além da morte, Deus está conosco.
Não
estamos sozinhos. Graças a Deus.”
Recentemente,
fui convidado a participar dum debate promovido por uma emissora de
rádio acerca daquilo que chamaram de “fundamentalismo”
religioso. Ao aceitar, já imaginava o possível caminho seguido pelo
facilitador do debate, uma vez já havia sido entrevistado por ele
antes. Assim mesmo, resolvi aceitar.
É
engraçado como, em alguns pontos, alguns que se declaram como
“ateus” se assemelham a alguns daqueles que se declaram como
“crentes bíblicos”. A visão de Cristianismo que defendem ou
recusam é exclusivista e engessada – ou seja, para que seus
argumentos façam sentido, têm de reprovar e negar todas as outras
possíveis expressões da fé cristã, mesmo aquelas com uma longa
história.
Tratamos
sobre Deus e Jesus, obviamente. Não tenho muita certeza da razão
pela qual um cristão unitarista, como eu, seria convidado a um
diálogo se os demais participantes, incluindo o próprio
facilitador, excluem da identidade cristã aqueles que não abraçam
uma visão teontológica (i.e., sobre Deus) e cristológica (i.e.,
sobre Jesus Cristo) ortodoxa. Para meus companheiros de debate, só
seria possível “ser cristão” se você entende Deus como uma
entidade pessoal que habita algum lugar no espaço (o “Céu”). E,
para ser cristão, eu deveria crer em Jesus como “Deus em carne,
que morreu” por mim!
Esse
tipo de perspectiva, devo enfatizar, esperaria da maioria dos
cristãos – afinal de contas, a maioria dos cristãos se declara
“trinitarista”. Mas ela também foi defendida por um “cientista”
que se declarou como “ateu”!… Lá estavam eles, talvez sem
perceber, coparticipando – no mesmo lado – dum antigo e contínuo
conflito epistemológico.
Expliquei
aos meus colegas o sentido delimitado que atribuo ao termo
“fundamentalismo”. Expliquei que o termo, para mim, não deveria
ser utilizado da forma pouco clara e generalizada como o é pela
maioria das pessoas que o utilizam. Expliquei que, apesar de eu ser
um opositor do “fundamentalismo” (enquanto tradição teológica
cristã), não utilizo o termo com um sentido pejorativo. Ser
“fundamentalista” não é ser “intolerante” em si; mas, sim,
as bases ideológicas daquela tradição são exclusivistas – mas
“exclusivismo” e “intolerância” não são necessariamente
sinônimos! [O ambiente político é o que tem sinonimizado os
termos.]
Sim,
também irritei os demais – especialmente o facilitador e o
declarado “ateu”. Disse-lhes que era uma incoerência que
atacassem o “fundamentalismo” ao mesmo tempo em que utilizassem a
base mais importante da tradição para criticar as minhas posições:
a ideia de que só há uma forma válida de crer.
Foi,
ademais, interessante como se referiam a mim. Os demais – com
exceção do “cientista” – eram “pastores” e “padre”.
Eu era o “teólogo”.
Essa
distinção poderia parecer irrelevante aos leigos, mas sob ela se
escondia um preconceito acerca de minha fé. Obviamente, enfatizei
isso. Disse aos demais que fora convidado àquele debate como um
“Ministro cristão” – o que eu sou e o que era reconhecido por
escrito no convite que recebera. O uso que faziam do termo “teólogo”,
que creio ser inapropriado para se referir a mim – já que minha
formação ou minhas atividades pastorais ou teológicas não me
tornam um “teólogo” per se –, reforçava sua crença
exclusivista de que minha fé não era cristã, minha comunidade de
fé não era cristã e eu, por isso, teria menos dignidade
ministerial que os demais. Mais uma incoerência para um evento que
se apresentara como um debate sobre os riscos do “fundamentalismo
religioso”.
Como
já tenho dito e escrito há muitos anos, tendo a ter um grande
cuidado no uso que faço de certos termos. Penso, por exemplo, que
dizer “Deus existe” seja menos que apropriado para falar sobre
minha fé. A existência é uma qualidade atribuída a entidades
materiais, físicas, objetivas/mensuráveis. Deus, em minha
compreensão não é nenhuma delas. É por isso que não proclamo a
“existência” de Deus – mas meus colegas de debate foram,
aparentemente, incapazes de compreender isso!
Em
vez de falar em “existência” de Deus, prefiro proclamar sua
“realidade”. Utilizo, inclusive, o nome “Realidade” para me
referir ao Divino. Recorrendo à minha herança judaica, gosto de
usar “o Nome”, “o Eterno”, “a Realidade” para me referir
a Deus.
Deus,
para mim, é mais que uma entidade pessoal. Deus enquanto “pessoa”
é apenas uma metáfora para que possamos começar a compreender o
Mistério Eterno. Se Deus fosse uma “pessoa”, estaria limitado
pelo tempo e pelo espaço, já que a qualidade de pessoa é finita e
condicional. Então, claramente, a “personalidade” (a qualidade
de pessoa) de Deus seria apenas uma metáfora para que pudéssemos
humanizar nossa relação com o Divino – da mesma forma como
fazemos com nosso uso do termo “Pai”.
Assim,
não posso dizer que tenho esperança de encontrar Deus ao fim de
minha vida temporal. Não poderia ter esperança disso porque, para
mim, Deus não é uma pessoa como você e eu. Deus não está num
lugar específico do cosmo; o cosmo é que está em Deus –
incluindo você e eu (Atos 17:28). Minha esperança não se centra
num destino final; centra-se, antes, num encontro na jornada: ou
seja, minha esperança é encontrar Deus no processo de viver minha
existência. Assim, Deus, de fato, está comigo – porque O encontro
no dia a dia.
Isso,
contudo, é minha compreensão presente de Deus. Minha compreensão e
todas as demais compreensões da Divindade não são o mesmo que Deus
– se o fossem, seríamos todos idólatras, ao menos para a tradição
cristã (já que estaríamos idolatrando nossas próprias
compreensões). Deus é Deus. E Deus, que é Deus, é Eterno – e
minha mente não consegue compreender plenamente a Eternidade, já
que estou condicionado pelo tempo e pelo espaço.
E é
exatamente por isso que me basta declarar que confio em Deus.
+Gibson
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