Ao se considerar a questão da divindade de Jesus, a primeira coisa que deveríamos fazer é tentar declarar claramente a doutrina ortodoxa. Mas isto não é tão fácil como você pode pensar. Mesmo entre as pessoas que se consideram como tendo uma crença perfeitamente ortodoxa na Trindade e na Encarnação, há muita confusão a respeito do que estas coisas significam. Isso não deveria ser uma surpresa, já que a doutrina de Jesus como "Deus, o Filho" inclui ou nuanças muito boas ou (ao se aprofundar no seu ponto de vista) uma boa dose de contradição e imprecisão.
Entretanto, preciso confessar que fico admirado com o dogma ortodoxo, particularmente à luz da visão de mundo, a filosofia grega e os debates doutrinários que serviram como seu pano de fundo. Não penso que seja necessário ou de nenhuma ajuda para nós hoje, mas o admiro como a melhor resposta possível às necessidades doutrinárias de seus dias.
Se o extrairmos da linguagem filosófica grega na qual esse dogma foi primeiramente construído, podemos declarar a posição ortodoxa assim: "Há um Deus, um ser divino. Esse Deus único, entretanto, tem três aspectos, ou se apresenta como três "pessoas": o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Essa é a Trindade, o Deus único triúno (três-em-um). A segunda pessoa da Trindade é chamada de Deus o Filho ou o "Logos" (a palavra grega frequentemente traduzida como "a Palavra", como em João 1). Como um aspecto de Deus, o Logos tem existido desde o início, e no nascimento de Jesus de Nazaré se tornou encarnado nesse ser humano. Nesse indivíduo havia uma natureza verdadeiramente divina e também uma natureza verdadeiramente humana. A humana não se tornou divina, nem a divina humana, nem as duas se misturaram, mas ambas estavam nessa única pessoa. Nem podemos dizer que a natureza divina em Jesus fez uma coisa e a natureza humana fez outra, pois todas as ações e experiências foram daquele único indivíduo, Jesus Cristo, tanto humano quanto divino".
Essa formulação satisfez muitas exigências. Primeiro, no tempo em que foi formalmente adotada havia já uma longa tradição de adoração a Cristo. Isso, claro, exigia que ele fosse divino.
Segundo, cumpriu as exigências da maioria das doutrinas contemporâneas a respeito da salvação. Essas dependiam ou (1) do sacrifício expiatório de um ser perfeito a nosso favor, ou que (2) o incorruptível e eterno tivesse entrado em nossa carne corruptível e finita. A primeira exigia que Jesus, que foi crucificado, fosse divino; a segunda exigia que Deus se tornasse humano. A Encarnação satisfazia essas duas exigências.
Terceiro, as Escrituras parecem falar de Jesus em muitos exemplos como humano, mas em outros casos como divino. A Doutrina da Encarnação permite que ambos sejam verdade.
Quarto, se pensava no mundo filosófico greco-romano que Deus era imutável e que não pudesse sofrer. Ao postular-se a existência de duas naturezas nessa única pessoa, a Doutrina da Encarnação permitia que se dissesse que o sofrimento de Jesus, como registrado nos Evangelhos, foi experimentado por essa pessoa humana-e-divina através de sua natureza humana, o que evitava um conflito com a sabedoria prevalecente do tempo.
Assim, a Encarnação satisfazia as necessidades do tempo - no que tange ao culto, soteriologia, e missão - de uma forma não incompatível com a Bíblia. Ela representa uma conquista teológica marcante.
Essa doutrina da natureza de Jesus de Nazaré não foi firmemente fixada até o Concílio de Calcedônia em 451. Todavia, desde os fins do primeiro século parece ter sido geralmente aceito pela Igreja que Jesus era divino de uma forma ou de outra. Além disso, a própria formulação calcedônica tem agora mais de quinze séculos de mandato. Sendo assim, uma das duas reações comuns a ela (quando as pessoas se dão o trabalho de pensar a respeita dela) é:
"Como alguém pode duvidar do consenso da Igreja, desenvolvido nos primeiros anos da fé das testemunhas bíblicas, confirmado nos ensinos dos mestres e santos através dos séculos, e testada nas vidas de milhões de fiéis?"
Entretanto, a outra reação comum à Doutrina da Encarnação reage à sua antiguidade de outra forma:
"Como pode alguém prestar qualquer atenção a uma doutrina que surgiu de um sistema de conceitos gregos sendo imposto às Escrituras judaicas, que era tão estranho a Jesus como é para nós, que depende de conceitos e de um senso comum que há muito seguiram o rumo do Império Romano, e que é tão difícil de compreender?"
Ambas as reações são extremas, claro. E ambas exigem muito de nós. A primeira nos pede que não pensemos sozinhos, enquanto a segunda nos pede para ignorar o passado e nem mesmo considerar crenças que ainda são abraçadas por muitos cristãos contemporâneos. Independentemente de você compartilhar minha admiração pela doutrina ortodoxa ou não, temos de reconhecer que ela representa uma compreensão de Deus e de Jesus que não apenas tem tido a lealdade da vasta maioria dos cristãos na história da Igreja, mas que também tem se provado como uma doutrina que pode ajudar as pessoas a levarem vidas fiéis seguindo os ensinos e exemplo do Cristo. Somente pelas razões mais graves, e somente com um senso apropriado de admiração, pode alguém ousar desafiar esta compreensão tradicional.
As razões são muito graves. Então, apesar de minha trepidação, e em admiração à tradição, e sabendo que isso dá a impressão de audácia quando o que eu sinto é na verdade uma obrigação que não posso evitar, sou impelido por minha compreensão (o tanto quanto sou capaz) de elevar este desafio. Sou um servo ou mesmo um prisioneiro da verdade que sinto, à qual não tenho escolha a não ser prestar testemunho. E ao fazê-lo, acho necessário desafiar a doutrina ortodoxa da divindade de Jesus de Nazaré, o Cristo. Faço isso baseando-me em quatro pontos:
(1) A doutrina ortodoxa não é mais bíblica que algumas outras interpretações a respeito da natureza de Jesus, e é na verdade menos bíblica que algumas.
(2) Mesmo se essa doutrina já fez sentido aos herdeiros filosóficos de Platão e Aristóteles, não faz mais sentido para nós. Não estou apenas dizendo que seja difícil de entender. Estou dizendo que não pode ser dita com significado algum, que é impossível.
(3) Se pudesse fazer sentido, o que não pode, seu significado violaria nosso senso comum.
(4) E por último, essa doutrina é desnecessária. É desnecessária para a mensagem de Jesus ou para a centralidade de Jesus. Além do mais, para algumas pessoas ela, na verdade, serve de empecilho para que recebam a mensagem.
1. A Doutrina Ortodoxa Não É Exigida Pela Bíblia
Quando os padres da Igreja estavam formulando sua Cristologia, eles eram coagidos pelo fato de serem literalistas bíblicos. Por eles suporem que todas as referências escriturísticas tocantes a Jesus fossem factualmente verdadeiras, tiveram que idealizar uma doutrina de sua natureza que estivesse em harmonia com todas essas diferentes passagens. Já que às vezes se fala de Jesus em termos muito humanos, e às vezes divinos, a única solução foi concebê-lo como sendo, de alguma forma, uma combinação de humano e divino.
Contrastando com isso, o fato verdadeiro (e libertador) é que nós não temos no Novo Testamento uma única, monolítica interpretação de Jesus. Ao contrário, temos uma diversidade de interpretações. A respeito disso o Novo Testamento demonstra tanto a unidade no que é essencial quanto a liberdade nas interpretações que são apropriadas à Igreja Cristã.
Os Evangelhos são unânimes a respeito da centralidade de Jesus, o Cristo: sua importância central para a nossa compreensão de Deus e como nossa norma para viver com uma relação correta com Deus. Mas enquanto eles concordam a respeito dessa centralidade, os diferentes autores do Novo Testamento têm maneiras diferentes de conceitualizá-la e explicá-la. Mateus vê Jesus como um "super-profeta", o homem escolhido por Deus para cumprir as profecias da Bíblia Hebraica, na tradição de Moisés e Elias, mas os ultrapassando em importância e autoridade como a culminação da linha profética. Marcos e Lucas diferem de Mateus em ênfase: Marcos retrata Jesus como um Messias discreto, escolhido por Deus para inaugurar o Reino de Deus, enquanto Lucas enfatiza mais claramente a missão de Jesus de trazer o evangelho aos povos de todas as nações.
João é o único Evangelho a retratar Jesus como sendo diferente em natureza dos profetas, como mais que o ponto culminante da sucessão do povo chamado por Deus e comissionado com tarefas especiais. Especialmente no prólogo (João 1:1-18), é claro que o autor do Evangelho de João considera Jesus como sendo mais que humano. Ele compartilha, de alguma forma, na divindade, mas de uma maneira que não é muito clara, e que parece dever muito à "literatura da sabedoria" judaica (Provérbios 8:22-31). Jesus era pré-existente como o "Logos", que é traduzido como "verbo/palavra" mas que significa muito mais que isso. O Logos é divino ("era Deus"), mas não é a Deidade ("estava com Deus"). O próprio Jesus é descrito como tendo declarado sua unidade com Deus, mas quando ele está vivo sempre declara esta mesma unidade com os seus discípulos. Então em resumo, enquanto João considera Jesus como sendo mais que humano, não é claro o que exatamente ele tem em mente.
Paulo, como de costume, diz diferentes coisas em diferentes lugares. Em Romanos 1:4 ele diz que Jesus foi "constituído Filho de Deus . . . através da ressurreição dos mortos". Isso implica numa "Cristologia adocionista" -- ou seja, que Jesus foi um homem mortal que depois de sua fiel obediência até a cruz, foi então constituído (adotado) Filho de Deus. Em Filipenses 2:5-7, entretanto, ele diz que Jesus "tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus, mas pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens". Isto tem muitas interpretações possíveis, mas todas apontam para um Jesus pré-existente que era mais que humano e de alguma forma "igual" a Deus. Em Colossenses 1:15-16, Paulo reafirma a pré-existência de Jesus com palavras que (como no prólogo do Evangelho de João) ecoam a literatura da sabedoria, como ele sendo aquele através do qual todas as coisas foram criadas.
A carta não-Paulina aos Hebreus também afirma isto a respeito de Jesus, e vai além, dizendo que ele "é a irradiação da sua [de Deus] glória e nele Deus se expressou tal como é em si mesmo" (Hebreus 1:3). Mas o autor fala de Jesus não como Deus, mas como filho e herdeiro, estando acima dos anjos. O que nós temos aqui é uma "escada de ser" não muito incomum nos tempos antigos: há Deus no topo, com os seres humanos abaixo de Deus mas acima de todos os outros animais, e há também seres acima dos humanos. Os anjos, por exemplo, cairiam nesta categoria. Eles são mais divinos que nós, mas menos divinos que Deus. O que Hebreus faz (e talvez João e Paulo também) é colocar Jesus próximo ao topo desta hierarquia, abaixo de Deus mas acima dos anjos e de todo o resto.
Agora, se você perguntasse qual dessas é a posição bíblica a respeito da natureza de Jesus de Nazaré, a resposta seria "nenhuma delas". Cada uma delas representa uma alternativa bíblica para explicar a importância central de Jesus. E já que não temos o peso da necessidade de surgir com uma boa interpretação que incorpore todas elas - como os literalistas - somos livres para escolher sozinhos aquela que melhor nos ajude a entender Jesus e a responder à sua mensagem. Na verdade, nós podemos ir além disso. Já que é constante no Novo Testamento a centralidade de Jesus e de sua mensagem, e não qualquer explicação do por quê e como ele é central, somos então livres para interpretar essa centralidade de uma maneira que preencha as necessidades do nosso próprio tempo e de nosso próprio senso comum, desde que permaneçamos compatíveis com o ímpeto básico do ensino de Jesus.
Na verdade, apenas se permitirmos a introdução de outras conceitualizações não-bíblicas, podemos aceitar as doutrinas ortodoxas da Trindade e da Encarnação como opções cristãs legítimas. Pode-se argumentar que essas doutrinas representam o desenvolvimento de idéias bíblicas, mas nenhuma delas pode ser encontrada na Escritura em sua forma ortodoxa. Obviamente, se permitirmos um grupo de interpretações que seja desenvolvido das posições encontradas no Novo Testamento, então devemos permitir outras também, desde que elas sejam compatíveis com a mensagem de Jesus.
2. A Doutrina Ortodoxa É Impossível
A doutrina da Encarnação, que Jesus de Nazaré era completamente Deus e completamente humano, é simplesmente impossível. Ela não faz sentido. As palavras não podem se juntar dessa maneira sem fazer violência a seu significado e às regras da lógica.
Ser humano é ser finito, limitado em conhecimento, falível, e imperfeito. Ser humano também significa estar ciente de sua finitude, e de sua separação dos outros e de Deus - às vezes dolorosamente ciente. Se Jesus foi humano, então ele foi tudo isso - e é dessa forma que os Evangelhos descrevem-no, experimentando a raiva, fatiga, incerteza, relutância, dor e mesmo a morte.
Ser Deus - não apenas compartilhar uma faísca do divino, e não apenas ser à imagem de Deus, e nem ser menos divino como os anjos, ou qualquer das outras subversões possíveis da doutrina ortodoxa, mas realmente ser Deus - em qualquer compreensão cristã, significa ser eterno e ilimitado, ser perfeito em amor e compreensão. Agora, ou Jesus de Nazaré foi limitado, falível e imperfeito, ou ele foi ilimitado, infalível e perfeito. Esses dois grupos de atributos são opostos um ao outro. Você não pode ser as duas coisas; ele foi ou uma coisa ou outra. Não se pode dizer que uma pessoa foi os dois.
"Ah!" alguém dirá. "Este é o paradoxo" Não, não é um paradoxo. Este é um ponto muito importante, então por favor observe: um paradoxo é algo que parece impossível mas que é demonstravelmente verdadeiro. Assim sendo, foi um paradoxo quando um cientista cuidadosamente analisou abelhões e concluiu que de acordo com as leis da física eles não poderiam voar. Havia contradição e uma aparente impossibilidade, mas os abelhões continuaram a voar.
Entretanto, um indivíduo ser ao mesmo tempo perfeito e imperfeito é o oposto disso: pode parecer verdade para alguns, mas é demonstravelmente impossível. E não apenas impossível para a nossa compreensão das leis da natureza, que pode estar errada (como com o caso dos abelhões), mas é impossível de acordo com as leis da lógica sobre as quais todo o nosso raciocínio é baseado.
Dizer que alguém é, ao mesmo tempo, perfeito e imperfeito é como dizer que você viu um círculo quadrado. Isso é uma impossibilidade. Você está dizendo que o círculo não era redondo, o que faria com que não fosse um círculo? Ou você está dizendo que o quadrado era circular? Isto não é um paradoxo, isto é um absurdo sem sentido algum, independentemente de quão criativo seja.
Dizer que alguém é perfeito e imperfeito ao mesmo tempo é dizer que "igual a X" e "diferente de X" sejam a mesma coisa. Isso é ou abandonar o significado dessas palavras ou abandonar a lógica, e de qualquer maneira significa que estamos falando um absurdo que não pode fazer nenhum sentido para nós.
Os ortodoxos responderão que Jesus era limitado, falível e imperfeito quanto a sua natureza humana, mas ilimitado, infalível e perfeito em sua natureza divina. Isso pode soar bem, mas o que significa ter duas naturezas? Se significa ter duas mentes e duas vontades e dois caráteres, um perfeito e outro imperfeito, então significa que havia duas pessoas distintas ocupando aquele único corpo (ou Jesus era um esquizofrênico). Do contrário, se essa foi realmente a única pessoa Jesus o Cristo, como afirma a ortodoxia, então ou essa pessoa era perfeita ou não era. Ou ele era capaz de pecar ou não era. Ou ele tinha conhecimento limitado ou não tinha.
Por exemplo, ou ele sabia - não acreditava, mas sabia - que seria ressuscitado no segundo dia após sua morte, ou ele não sabia isso. Se ele sabia, então ele não enfrentou a morte como qualquer outro ser humano, e ele não estava enfrentando nenhum risco real em permitir que fosse capturado, julgado e crucificado. Então, no tocante a isso, ele não poderia ser considerado plenamente humano. Se, no entanto, ele não sabia que seria ressuscitado, e enfrentou a morte em fé mas sem este conhecimento, então como ele poderia ser também Deus? Se a natureza divina nele sabia que ele seria ressuscitado, mas ele não sabia disso, então não era sua natureza divina. Se o divino nele sabia de algo que ele não sabia, voltamos ao problema das duas pessoas.
Então dizer que Jesus era completamente humano e completamente divino não é um paradoxo. É como falar sobre um quadrado redondo: soa bem, e faz uma combinação de imagens interessante, mas está no fim sem um significado discernível. Algumas pessoas têm tentado suavizar isso, dizendo que sua pessoa era constituída por Deus o Filho, e sua humanidade era "impessoal". Mas isso não ajuda muito. Humanidade impessoal é como um quadrado sem quatro cantos: pode ser um círculo melhor, mas não é mais um quadrado.
Outros responderiam que o problema aqui é que eu estou usando palavras com seus significados humanos, enquanto que eu devo perceber que quando aplicadas a Deus essas palavras recebem um significado diferente e mais profundo. Deixem-me dizer isto: se quiserem redefinir algumas destas palavras, tudo bem, contanto que possam nos dizer os novos significados que estão usando. A prática habitual, entretanto, parece ser dizer que enquanto alguém não possa precisamente dizer quais são esses novos significados, alguém tenha, entretanto, certeza de que eles se encaixem de forma a fazer sentido. Isso, claro, é simplesmente um esforço de se evitar as exigências da lógica. Mas se você não sabe os significados das palavras que você está aplicando a Jesus, então você está meramente dizendo "Jesus é X" e "Jesus é Y", com X e Y sendo desconhecidos. Isto, claro, é dizer absolutamente nada.
Mesmo que este problema de lógica possa ser superável - o que não é - e que possamos admitir que é possível que Jesus seja, tanto um ser completamente humano, quanto completamente divino, nós ainda teríamos que apontar para o fato de que ele não poderia ser completamente humano da mesma maneira que você e eu. Você sabe que eu - e, eu suspeito, que você também - não possa ser Deus. Tenho a impressão que isso não seja simplesmente um ponto insignificante, mas que um fato central da condição humana seja precisamente o de ser e se sentir separada do Deus eterno e infinito. Se é assim, então ser Deus é também não experimentar a condição desvantajosa da humanidade. E se Jesus não experimentou nossa desvantagem, não apenas ele não foi completamente humano, mas seus ensinos e exemplos são de relevância questionável para nós.
3. Ela Viola Nosso Senso Comum
Você provavelmente sabe o que vou dizer. Mesmo que fosse logicamente possível Jesus ser completamente Deus e completamente humano, ainda violaria nosso senso comum. Se nosso senso comum não pode conceber Deus como um intervencionista, então certamente não podemos conceber Deus como tendo se tornado um ser humano particular. Isso talvez seja apropriado para Zeus ou Apolo, mas não para o Deus do Universo.
Não estou dizendo que Jesus não estivesse mais em contato com Deus ou mais receptivo a Deus que a maioria. Penso que ele estava. E não estou dizendo que Deus não estivesse nele, agindo nele e através dele. Tudo que estou dizendo é que não posso acreditar que uma pessoa ser atingida por um relâmpado seja um ato de Deus, então, também, não posso crer que o homem Jesus era Deus em pessoa. É o mesmo senso comum.
4. É Desnecessária E Inútil
Já vimos que a fé ortodoxa na divindade de Jesus de Nazaré é (1) apenas uma das possíveis maneiras de explicar sua centralidade que podem ser subentendidas a partir do Novo Testamento; (2) não se encaixa nos limites do que é logicamente possível; e (3) é contrária ao nosso senso comum. Além de tudo isso, é também muito inútil.
Uma das regras que estabeleço para que uma crença possa ser considerada necessária à fé cristã é de que apenas se ela estiver fortemente implícita na mensagem de Jesus ou se for necessária à aceitação de sua mensagem. É um dos dois o caso aqui?
No tocante à mensagem de Jesus, um impressionante consenso entre os biblicistas que (independentemente do que digam João e Paulo) Jesus não declarou que ele mesmo fosse Deus, explícita ou implicitamente. Não posso encontrar nenhuma razão para desafiar este consenso, posso sim encontrar muito para apoiá-lo. Então uma crença na divindade de Jesus não pode, por isso, ser considerada necessária.
Poderia ser necessário, então, acreditar que Jesus seja divino para aceitar sua mensagem? Talvez. Se você acreditasse que o amor e perdão e nova vida em Deus que Jesus oferecia não seria possível a não ser que um ser perfeito sofresse e morresse por nós, ou a não ser que a Deidade incorruptível adentrasse a esfera da carne humana corruptível, então para você uma crença na divindade de Jesus poderia ser necessária antes que você pudesse responder positivamente à sua mensagem. Entretanto, nem todo mundo crê nisso, então, nem todo mundo acha necessário crer na divindade de Jesus. Ele não ensinou que fosse necessário, seus discípulos (de acordo com Mateus, Marcos, e Lucas-Atos) não achavam necessário; eu não acho necessário; e muitos cristãos comprometidos por todos os séculos não achavam necessário. Se você acha necessário, então você certamente pode crer nisso. A crença na divindade de Jesus é certamente uma alternativa cristã, mesmo que seja equivocada. Mas, por favor, não conclua precipitadamente que porque você acha esta crença necessária para a sua aceitação da mensagem de Jesus, ela deva ser obrigatória para todos nós. Pois este não é o caso.
Na verdade, há muitas pessoas que serão capazes de aceitar a mensagem de Jesus apenas se ela estiver presa à afirmação de sua divindade. Se prendermos sua mensagem à uma interpretação de sua centralidade particular, desnecessária e ilógica, estaremos impedindo que sua mensagem seja uma opção viva para pessoas que estariam prontas para aceitar uma outra interpretação, mais biblicamente autêntica. Como cristãos não temos o direito de impedir o acesso ao evangelho por outras pessoas dessa maneira. Muitos séculos atrás a Igreja usava os conceitos da filosofia grega para evangelizar o mundo greco-romano. O evangelismo agora não pede uma nova interpretação que esteja de acordo com o nosso próprio senso comum?
Além disso, considerar Jesus como completamente humano e portanto não divino, torna possível que sua vida sirva de exemplo para nós. Se esta pessoa que buscou os pecadores, amou aqueles que ninguém amava, e perdoou seus inimigos mesmo enquanto morria na cruz - se ele era divino, então posso tomar seu exemplo como sendo apenas possível para as pessoas que também forem Deus, e deixar seus ensinos para aqueles que não partilham de minha limitação, aquela de ser apenas um humano. Mas, se este homem era humano como eu, se ele era uma criatura limitada e falível como eu, e ele foi capaz de viver daquela maneira - então eu também posso. E seus ensinamentos são, então, relevantes, pois eles vêm de alguém que partilhava de minhas limitações. Para mim, e para muitos, a relevância de Jesus como um exemplo e mestre é muito mais importante para a aceitação de sua mensagem do que sua divindade.
Para onde vamos daqui?
Se Jesus não é divino, então de onde vem sua autoridade? Como damos a ele tal posição de importância? Quem dizemos ser ele, então? Estas são questões sobre as quais pensaremos em seguida.
Primeiro, entretanto: eu declarei a mais séria de minhas diferenças com a doutrina ortodoxa. Eu disse que no tocante à Encarnação, ela é inadequada, sem sentido e desnecessária, mas que também creio ser ela uma alternativa cristã válida. Este, então, seria um lugar apropriado onde explorar a relação entre entre doutrina e fé, e explorar a diferença entre estar certo e ser cristão.
Notas:
1. Recomendo ao leitor “The Emergence of the Catholic Tradition” escrito por Jaroslav Pelikan (University of Chicago Press, 1971) ou “A History of Christian Doctrine”, Hubert Cunliffe-Jones, ed., (Fortress Press, 1980). John Cobb, Jr., também tem um ótimo sumário no Capítulo 9 de “Christ in a Pluralistic Age” (The Westminster Press, 1975). nenhum desses indivíduos podem ser responsabilizados por qualquer coisa que tenha dito aqui.
2. Aqueles que falam de Deus como imanente em todos nós, mas plenamente imanente em Jesus de Nazaré apresentam uma alternativa que escapa alguns dos problemas da explicação ortodoxa da centralidade de Jesus. Mas deve-se manter em mente que esta não é a doutrina ortodoxa da Encarnação, que representa Jesus como diferente de nós em espécie, não apenas em nível, e que não diz que Deus estava em Jesus mas que Deus se tornou Jesus.