“Diante das denúncias na CPI da máfia das ambulâncias, é inadmissível o silêncio de lideranças que proclamam com estardalhaço a presença evangélica em períodos eleitorais”
O Seguinte texto é de autoria de Alexandre Brasil Fonseca, tendo sido publicado em 12/08/2006 em "Teologia Brasileira" (Edições Vida Nova). Por o tema ser de grande importância, resolvi postá-lo aqui.
Dos 72 parlamentares denunciados pela CPI da máfia das ambulâncias, quase 40% (28) se proclamam “deputados evangélicos” e 36% (26) participam da Frente Parlamentar Evangélica, segundo folheto distribuído pelo gabinete de seu presidente, o deputado (também denunciado) Adelor Vieira (PMDB-SC) e que é composta por 60 parlamentares. Quase 15% de todos os deputados foram denunciados, enquanto entre os parlamentares evangélicos – que ocupam cerca de 11% das cadeiras do Congresso Nacional – esta cifra chega a impressionantes 45%. Praticamente a metade da bancada dos evangélicos parece ter se envolvido no escândalo dos sanguessugas.
O problema não reside exatamente na confissão religiosa professada, mas pelo fato de que boa parte deles acionou suas redes e estruturas eclesiásticas em sua atuação político-eleitoral, a qual, desde a bancada evangélica na Constituinte de 1986, tem se tornado cada vez mais significativa no cenário eleitoral e partidário brasileiro.
Ser deputado evangélico representa atuar diretamente com a comunidade religiosa e ter a sua campanha potencializada por intermédio da concentração de mídia vertical que as igrejas possuem. Candidatos oficiais são apoiados pelas lideranças eclesiásticas, e, dessa forma, toda ação eleitoral fica semelhante a uma pescaria no aquário. Isso ocorre pelo acesso facilitado desses candidatos aos eleitores, os quais consideram seriamente a questão de “representante de grupo” para a votação proporcional.
Também merece destaque o fato de que algumas denominações destacam-se nesta lista, especialmente igrejas que criaram coordenações políticas com o objetivo de organizar sua atuação eleitoral e também, espero, na perspectiva de desenvolver um diálogo republicano com o Estado. A Igreja Universal do Reino de Deus é a que mais se destaca. Praticamente todos os parlamentares da denominação se encontram envolvidos. Dos 16 deputados em exercício apoiados pela denominação, 13 figuram na lista de denunciados pela CPI. Soma-se a eles Carlos Rodrigues, ex-deputado e ex-coordenador político da igreja, que, após renunciar devido ao seu envolvimento no mensalão, acabou preso em função deste novo escândalo e é o parlamentar que mais figura como investigado em CPIs nesta legislatura. Cerca da metade dos deputados apoiados pela Assembléia de Deus e pela Igreja Quadrangular são citados, assim como o único deputado da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Num fórum da internet no portal da Igreja Universal é possível encontrar tópicos em que fiéis lamentam e se questionam sobre o envolvimento dos parlamentares ligados à igreja. Também se questiona o silêncio da liderança denominacional e são exigidas respostas. É provável que o envolvimento desses evangélicos nos escândalos tenha como conseqüência a diminuição da bancada parlamentar da Universal, a qual tem crescido significativamente a cada legislatura desde o primeiro eleito, em 1986.
Esses parlamentares e as lideranças evangélicas precisam vir a público e expressar posição clara e firme sobre este assunto para o conjunto da sociedade, seja em seus jornais, emissoras de rádio ou TV e na grande imprensa. É preciso apresentar explicações e aproveitar este momento para uma avaliação crítica dos limites e das implicações que representam o fato de uma agremiação religiosa possuir “candidatos oficiais”.
Esses deputados foram eleitos com o apoio oficial dessas lideranças, e, portanto, estas têm parcela de responsabilidade em sua atuação parlamentar. Já os fiéis merecem esclarecimentos ainda maiores. Foram eles os acionados no sentido de apoiar os “candidatos oficiais”. São, além de eleitores, “irmãos de fé” desses parlamentares e de seus líderes religiosos, e é inadmissível que tenhamos o silêncio das tais lideranças que proclamam com estardalhaço a presença evangélica em períodos eleitorais.
O envolvimento dos parlamentares evangélicos neste novo escândalo também parece representar um bom momento para uma revisão da atuação político-eleitoral recentemente disseminada entre as igrejas evangélicas, a qual se inspira no modelo assumido pela Universal, primeiramente. Os últimos acontecimentos parecem indicar que esta não é a postura mais adequada para uma inserção política das igrejas evangélicas. Não há motivo para se negar a importância e a legitimidade de participação deste grupo na vida pública e política nacional. A questão que se coloca é em relação às motivações e ao formato em que se dá esta participação.
As igrejas são importantes atores, e possuem significativa capilaridade social. Uma participação ativa e consciente dos seus fiéis pode representar importante contribuição para a consolidação democrática brasileira. É preciso avançar, tanto nas apurações do Ministério Público como no trabalho desenvolvido na CPI, além de termos maior visibilidade e disseminação de informações sobre estas investigações e seus resultados. Assim, provavelmente, teremos melhores eleitores como também melhores parlamentares, sejam eles evangélicos ou não. Não é tempo para cinismo, mas de maior participação, tanto no voto quanto no acompanhamento dos eleitos. Tal postura deve resultar na intensificação e no aperfeiçoamento do controle social. A democracia é um aprendizado, e mesmo com esses percalços, é o melhor caminho que se pode trilhar.
Alexandre Brasil Fonseca é sociólogo, doutor em Sociologia pela USP e professor do Laboratório de Estudos da Ciência do NUTES na UFRJ. É conselheiro do Conselho Nacional de Políticas Públicas para a Juventude do Governo Federal, assessor do programa “Fé, Economia e Sociedade” do CLAI, coordenador geral do FALE, rede de defesa de direitos, e membro representante da América Latina no comitê diretivo da International Association for the Promotion of Christian Higher Education.
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