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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Minha Mensagem de Páscoa


Frequentemente, quando falamos acerca das grandes tradições religiosas mundiais, tendemos a unificar cada uma delas, como se fossem grandes blocos maciços. Assim, nos referimos ao Cristianismo como se este fosse uma coisa única, como se pudéssemos listar características que definem o Cristianismo e que devem ser subscritas por todos aqueles que desejam ser reconhecidos como cristãos.

Infelizmente, esse não é um equívoco cometido apenas por aqueles que olham para as tradições religiosas – e especificamente para o Cristianismo – a partir de fora, ou apenas em nossas conversas informais. Esse equívoco é cometido dentro do próprio corpo de fiéis cristãos que formam aquilo que chamamos de Igreja (num sentido bem largo e amplo para o termo, o sentido que geralmente dou a ele). Na história cristã encontraremos repetidos esforços para a definição do que vem a ser o “verdadeiro” Cristianismo e de quem são os “verdadeiros” cristãos; e, obviamente, todas as vezes que encontramos declarações do que seria a “verdadeira” fé cristã, necessariamente encontramos lá uma cerca de exclusão – um sistema de renúncia de fraternidade àqueles que pensam diferentemente de nós.

Chamo essa atitude exclusivista para com aqueles cristãos fiéis que pensam de maneira diferente de “equívoco” porque acredito plenamente que isso fere o espírito do Evangelho. Para mim, não há um Cristianismo; há Cristianismos. É só pensar nas várias tradições que formam a Cristandade: a Ortodoxia Oriental, o Catolicismo Romano, o Luteranismo, o Anglicanismo, a tradição Reformada – em suas mais diversas formas, o Anabaptismo, o Quaquerismo, o Unitarismo, o Restauracionismo, e tantas outras formas de Cristianismo. Cada uma dessas peças do grande tabuleiro que forma a tradição cristã tem sua própria compreensão do que é ser cristão e de qual seja a ênfase da mensagem cristã. Cada uma delas e, consequentemente, cada um dos indivíduos que delas são parte, é fiel ao chamado de Cristo de sua própria maneira, e moldados por suas próprias compreensões e convicções.

Para algumas dessas tradições cristãs, é essencial crer que as palavras dos credos históricos da Igreja cristã representem uma verdade factual, objetiva. Assim, quando alcançamos essa época do Ano Cristão, quando celebramos a Páscoa – compreendida pela maioria dos cristãos como uma celebração da vitória de Cristo sobre a morte por meio de sua ressurreição dentre os mortos –, essas tradições enfatizam em suas liturgias o poder transformador da fé intelectual, da fé enquanto assensus (assentimento, aceitação, crença).

Considero esse aspecto da fé – o assensus – como muito importante, especialmente se o aliarmos ao seu lado prático (nossas ações), que a Carta de São Tiago, por exemplo, afirma ser condição essencial para a validade da mesma (Tiago 2:17). Contudo, não compreendo esse aspecto intelectual da fé como sendo mais importante que o espírito de comunhão ensinado, de acordo com os registros dos autores dos Evangelhos, pelo próprio Jesus. Assim, para mim, minha fé só está viva se posso encontrar um assento para meu próximo em minha mesa; só é válida se for capaz de alargar meu círculo de irmandade também para aqueles que acreditam de forma diferente, ou que não acreditam de forma alguma.

Não posso deixar de pensar em Martinho Lutero como uma de minhas primeiras inspirações para essa compreensão. Ele ensinou que a diferença entre a Lei e o Evangelho era a seguinte: a Lei nos diz o que fazer, e o Evangelho nos diz o que Cristo faz. Apesar de eu ter um problema com esse tipo de discurso que parece identificar a tradição hebraica (a Lei) – de onde saiu o “Evangelho”, devo enfatizar –, como uma forma de legalismo incompassivo (noção essa que considero, no mínimo, equivocada), ele esclarece muito aquilo que acredito ser o cerne da mensagem cristã: eu, enquanto ministro cristão, não posso (ou não devo) pregar o que os cristãos devem fazer ou acreditar, já que isso seria pregar a “Lei” – na compreensão de Lutero, sequer devo exigir que se acredite, mesmo no Evangelho; o que posso e devo fazer, é simplesmente proclamar aquilo que Jesus (supostamente) disse e fez, e esperar que essa narrativa se transforme em assensus no coração daquele que ouve.

Como um unitarista, não estou tão preocupado com se meus ouvintes acreditarão ou não em minhas palavras acerca de Jesus. Na verdade, é muito mais comum que, assim como eu, suas mentes sejam um tanto endurecidas para o aspecto assensus da fé. Mesmo assim, vos direi como entendo essa data tão importante para a tradição cristã – a Páscoa:

Em minha compreensão da mensagem de Jesus e de seus discípulos, a morte e a ressurreição desempenham o papel mais importante da linguagem do Evangelho. Esses termos, quando combinados, possuem uma força metafórica inerente à narrativa cristã. Na narrativa sobre o próprio Jesus, ele morre e em seguida volta à vida (de forma gloriosa), e, assim, torna-se o modelo daquilo que acontecerá com os que ouvirem sua voz. Nós também podemos morrer e, em seguida, voltarmos a viver. Devemos morrer para tudo aquilo que nos separa do Divino – o ódio, a cobiça, a não-compaixão, a servidão, o temor, o descuido para com o próximo e para com a criação, a falta de integridade, o exclusivismo, a noção de superioridade espiritual ou seja lá qual for, etc –, e permitir que Jesus (ou qualquer outro ou outra que possa nos ajudar a experienciar o Caminho) nos mostre o Caminho que nos levará de volta à vida – compaixão, caridade, misericórdia, justiça, amor, hospitalidade, etc. Essa nova vida é a Ressurreição que celebro nesta data. A Ressurreição de Cristo, que não posso garantir que tenha ocorrido enquanto evento histórico, é uma metáfora da ressurreição que Deus – aquele Mistério inominável e tremendo – opera em meu coração e mente todas as vezes que me abro para recebê-lo. E essa ressurreição, e a nova vida que ela traz, está aberta a absolutamente todas as pessoas: o que inclui crentes e descrentes, ateus e agnósticos, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, ortodoxos e hereges (como eu)... essa, para mim, parece ser a mensagem de Cristo; esse, para mim, é o Evangelho; esse é o meu Cristianismo! Não se trata de apenas uma crença intelectual, é uma opção de vida, é um estado de espírito!

Feliz Páscoa! Bençãos a todas e todos!

+Gibson

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