Prezado Fernando,
Obrigado
por compartilhar a história de sua jornada espiritual comigo.
Aparentemente, você teve a oportunidade de descobrir diferentes
respostas aos anseios de sua alma, por mais que hoje você perceba
limitações no que você encontrou anteriormente.
Bem,
não enxergo nenhuma religião como sendo uma resposta perfeita e
não-contraditória a todos os nossos anseios ou questões; em minha
experiência, isso é especialmente verdadeiro no que tange aos
Cristianismos (isso mesmo, no plural) – e isso por serem eles meu
lar espiritual e, assim, posso enxergar algumas das fontes de
conflito em seu interior. Assim, independentemente da alternativa
teológica cristã que se escolha, sempre haverá questões não
respondidas, dúvidas não esclarecidas, algo contraditório. E isso
pela simples razão, em minha opinião, de a religião (aqui, os
Cristianismos) não ser algo pronto, acabado.
Falo
em Cristianismos, no plural, por desde o início serem plurais as
manifestações cristãs. Desde seu início, enquanto apenas um
movimento judaico marginal, a grande tradição cristã teve inúmeras
vozes em seu meio, tendo levado séculos até que se pudesse falar
numa fé cristã “oficial”. Assim, absolutamente nenhum de nós
(católicos romanos, ortodoxos “orientais”, protestantes
liberais, protestantes evangelicais, cristãos restauracionistas etc)
pode, de fato, reclamar um status de veracidade exclusivista para
nossa versão da fé cristã. Em minha visão, todos nós abraçamos
a fé plena e apenas uma pequena parcela dessa plenitude ao mesmo
tempo – e é justamente isso que torna a tradição cristã tão
fascinante para mim.
Entretanto,
se perceber o que já escrevi tantas vezes, afirmo o mesmo no tocante
ao Judaísmo – parte de minha herança familiar. Não pratico o
“Judaísmo” como minha fé pessoal, mas o compreendo com uma fé
plural que oferece desafios e fascínios semelhantes àqueles dos
“Cristianismos” (no que tange à diversidade e incompletude).
Enxergo o mesmo no que tange ao Islã, ao Budismo ou a qualquer outra
tradição de fé.
Tendo
dito isso, posso me referir mais diretamente às questões que você
levantou.
Abandonar
algumas daquelas concepções teológicas ditas tradicionais – como
o do sacrifício expiatório de Cristo – implicaria numa
“descristianização” do Cristianismo? Em minha opinião, isso
depende de a qual dos “Cristianismos” você se refere, e a quem,
quando e onde você faça essa pergunta.
Sou
um protestante liberal, ancorado nas tradições do Unitarismo e
Anglicanismo norte-americanos. A liturgia tradicional cristã
desempenha um papel muito importante em minha vida devocional, mas
meu universo teológico pode ser muito distinto daqueles do
Catolicismo Romano, do Cristianismo Ortodoxo ou do Protestantismo
Evangelical. Para mim, a fé é uma jornada de perguntas, não um
destino de respostas. Logo, as “respostas” são sempre
transitórias – e isso, ao menos em minhas tradições de fé, não
implica numa “descristianização” da fé, mas numa centralização
no Divino (isto é, as respostas não precisam ser plenamente
coerentes e certeiras para que eu possa encontrar-me com Deus e
percorrer o caminho de Jesus, já que não estou em busca de
respostas). Assim, se você fizesse essa pergunta a mim como um
indivíduo, minha resposta seria “NÃO”, a diversidade
teológica no meio cristão não implica numa “descristianização”,
já que diferentes cristãos expressam diferentes concepções acerca
de sua fé (e compreendem suas expressões teológicas individuais
como sendo autenticamente cristãs).
Você
perguntou: “...se abandonarmos ensinamentos como o do sacrifício
na Cruz pelos nossos pecados o que pregaremos? O que você prega na
sua igreja?”
Para
minha fé pessoal, a tradição cristã ensina que Jesus fez coisas
que considero mais importantes e mais relevantes que apenas morrer
numa cruz. Para os contextos de sua própria época, ele parece ter
sido um rabino muito compassivo e caridoso. Ele parece ter sido muito
radical em sua prática da hospitalidade, por exemplo. As palavras e
exemplos que lhes foram atribuídos – sim, porque não poderíamos
garantir que Jesus fez ou disse isto ou aquilo – são, em minha
tradição teológica e em minha prática homilética, o
“Cristianismo”. Particularmente, em minha prática homilética,
deixo de lado pormenores teológicos sobre o quê, como, quando,
onde, quem, pois isso contribui muito pouco para a vida espiritual da
congregação à qual sirvo como ministro, e à minha própria. Em
nosso meio, cada um de nós pode construir sua compreensão pessoal
sobre temas teológicos como esses, então, não faria nenhum
sentido, para mim, tentar impor esta ou aquela visão a meus
paroquianos, por exemplo.
Minha
experiência, entretanto, não é a mesma da de outros cristãos, de
outros membros do clero cristão. E eles/as – sejam fieis
individuais ou membros do clero – necessitarão articular sua fé
de forma que faça sentido para si. Assim, para a maioria, aquilo que
entendo como metáforas (como a linguagem sacrificial, por exemplo)
ganhará um sentido mais factual. Para mim pode não fazer sentido,
ou ser desnecessário, mas se funciona para eles, então qual o
problema? Não vejo problema com isso. O problema existiria se
quiséssemos impor nossas visões teológicas uns sobre os outros,
agredindo a dignidade da fé alheia. Durante os dois milênios de
história cristã, tem havido cristãos que abraçam visões opostas
para cada pormenor teológico imaginável e, provavelmente, enquanto
o(s) Cristianismo(s) existir(em), sempre haverá, já que diferentes
seres humanos articulam suas crenças de diferentes formas.
Grande
abraço!
+Gibson
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