Há
inúmeras coisas que podemos ganhar, e outras inúmeras que podemos
perder, quando discutimos nossa fé com toques de racionalidade
autodeclarada. Essa é, ao menos, minha experiência. Ensinar
teologia, participar de discussões acadêmicas sobre minha fé,
escrever para um público que não necessariamente partilha de minhas
convicções, dentre tantas outras coisas, parece funcionar como um
empecilho para expressar aquilo que, para mim, é tão simples e
sublime: minha própria fé – sem aquela necessidade de recorrer às
argumentações da Teologia Histórica para explicar isso ou aquilo.
Muitas
vezes me perguntam, por exemplo, se acredito nisto ou naquilo. Sempre
repito, para enfatizar a importância do valor semântico em
discussões teológicas, que depende do que se quer dizer com os
verbos e/ou substantivos utilizados naquela pergunta. Aqueles que não
compreendem a complexidade de minha posição automaticamente veem-me
como um relativista sem convicções. Esse é um risco que corro por
raramente falar sobre minha fé de forma direta.
Em
uma de minhas passagens favoritas do Novo Testamento (Atos 17),
narra-se um sermão do apóstolo Paulo no Areópago, em Atenas, no
qual ele recorre à sabedoria dos não judeus daquele local para
ensinar-lhes sobre “o Deus que fez o mundo e tudo o que nele
existe” (v.24). O que sempre admirei naquele relato é o aspecto de
ele haver utilizado o que estava ao alcance da compreensão de seu
público – a referência ao “Deus desconhecido” e a citação
dum texto do poeta Arato de Solos (“Aparências”) – para
compartilhar sua fé. Assim, aprendi que quando falamos com
diferentes públicos, e quando temos diferentes intenções, fazemos
uso de diferentes recursos.
Como
nem todos os que vêm a essas páginas buscam a mesma coisa, gostaria
de compartilhar minha fé de forma mais direta hoje.
Geralmente,
recuso-me a utilizar verbos que limitem minhas convicções a noções
muito determinadas ou que tragam em si a noção de que eu seja o
operador de minha relação com o Divino; assim, evito o verbo
“acreditar”, preferindo o verbo “confiar” quando falo sobre
Deus. Eu confio em Deus; acredito em Deus – se com esse verbo
quiser exprimir a noção de que minha confiança se estende à minha
compreensão intelectual. Confio e escolho seguir Jesus. Não penso,
entretanto, que a fé enquanto “assensus” – isto é,
enquanto assentimento ou concordância intelectual –, seja
essencial para minha confiança em Deus ou em Jesus.
Em
minha experiência, Jesus é irresistível. Os ensinamentos e os
exemplos atribuídos a ele são irresistíveis. Seu espírito de
compaixão é irresistível. E isso independe de sua factualidade
histórica pretérita. Mesmo que Jesus de Nazaré tenha sido só um
personagem criado por um movimento judaico no primeiro século de
nossa era – o que tenho fortes razões para crer não ser o caso –,
que não tenha existido na “vida real”, ainda assim ele seria um
poder irresistível em minha vida espiritual. E ele é irresistível
porque tem o poder de transformar algo dentro de mim, tornando-se,
assim, uma realidade presente no tempo presente.
Essa
presença à qual me referi é muito mais importante que qualquer
sofisticação teológica ou correção dogmática. É aquela
presença que experiencio em meus momentos de oração privada, em
meus momentos de celebrações litúrgicas, quando estou
compartilhando momentos de alegria ou tristeza com outras pessoas,
quando leio algo edificante, quando converso com alguém em busca de
ajuda, ou quando eu mesmo recebo o apoio de alguém. É essa presença
que chamo de “milagre”, porque é quando Deus se faz presente –
mesmo que naquelas aparentemente pequenas coisas da vida. É essa
presença que se torna fé. É assim que escolho confiar ou crer em
Deus.
A
paz dessa Presença, que chamo Deus, pode ser compartilhada com
todos, independentemente de suas crenças ou descrenças,
independentemente de quem sejam ou de como sejam suas vidas; e é por
isso que o dogma se torna tão secundário em minha fé. Se isso é
não ter convicções, então, que seja – prefiro ter confiança em
Deus e Jesus do que certeza dogmática incompassiva, algo que me
esforço muito para abandonar.
+Gibson
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