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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Presença e Fé


Há inúmeras coisas que podemos ganhar, e outras inúmeras que podemos perder, quando discutimos nossa fé com toques de racionalidade autodeclarada. Essa é, ao menos, minha experiência. Ensinar teologia, participar de discussões acadêmicas sobre minha fé, escrever para um público que não necessariamente partilha de minhas convicções, dentre tantas outras coisas, parece funcionar como um empecilho para expressar aquilo que, para mim, é tão simples e sublime: minha própria fé – sem aquela necessidade de recorrer às argumentações da Teologia Histórica para explicar isso ou aquilo.

Muitas vezes me perguntam, por exemplo, se acredito nisto ou naquilo. Sempre repito, para enfatizar a importância do valor semântico em discussões teológicas, que depende do que se quer dizer com os verbos e/ou substantivos utilizados naquela pergunta. Aqueles que não compreendem a complexidade de minha posição automaticamente veem-me como um relativista sem convicções. Esse é um risco que corro por raramente falar sobre minha fé de forma direta.

Em uma de minhas passagens favoritas do Novo Testamento (Atos 17), narra-se um sermão do apóstolo Paulo no Areópago, em Atenas, no qual ele recorre à sabedoria dos não judeus daquele local para ensinar-lhes sobre “o Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe” (v.24). O que sempre admirei naquele relato é o aspecto de ele haver utilizado o que estava ao alcance da compreensão de seu público – a referência ao “Deus desconhecido” e a citação dum texto do poeta Arato de Solos (“Aparências”) – para compartilhar sua fé. Assim, aprendi que quando falamos com diferentes públicos, e quando temos diferentes intenções, fazemos uso de diferentes recursos.

Como nem todos os que vêm a essas páginas buscam a mesma coisa, gostaria de compartilhar minha fé de forma mais direta hoje.

Geralmente, recuso-me a utilizar verbos que limitem minhas convicções a noções muito determinadas ou que tragam em si a noção de que eu seja o operador de minha relação com o Divino; assim, evito o verbo “acreditar”, preferindo o verbo “confiar” quando falo sobre Deus. Eu confio em Deus; acredito em Deus – se com esse verbo quiser exprimir a noção de que minha confiança se estende à minha compreensão intelectual. Confio e escolho seguir Jesus. Não penso, entretanto, que a fé enquanto “assensus” – isto é, enquanto assentimento ou concordância intelectual –, seja essencial para minha confiança em Deus ou em Jesus.

Em minha experiência, Jesus é irresistível. Os ensinamentos e os exemplos atribuídos a ele são irresistíveis. Seu espírito de compaixão é irresistível. E isso independe de sua factualidade histórica pretérita. Mesmo que Jesus de Nazaré tenha sido só um personagem criado por um movimento judaico no primeiro século de nossa era – o que tenho fortes razões para crer não ser o caso –, que não tenha existido na “vida real”, ainda assim ele seria um poder irresistível em minha vida espiritual. E ele é irresistível porque tem o poder de transformar algo dentro de mim, tornando-se, assim, uma realidade presente no tempo presente.

Essa presença à qual me referi é muito mais importante que qualquer sofisticação teológica ou correção dogmática. É aquela presença que experiencio em meus momentos de oração privada, em meus momentos de celebrações litúrgicas, quando estou compartilhando momentos de alegria ou tristeza com outras pessoas, quando leio algo edificante, quando converso com alguém em busca de ajuda, ou quando eu mesmo recebo o apoio de alguém. É essa presença que chamo de “milagre”, porque é quando Deus se faz presente – mesmo que naquelas aparentemente pequenas coisas da vida. É essa presença que se torna fé. É assim que escolho confiar ou crer em Deus.

A paz dessa Presença, que chamo Deus, pode ser compartilhada com todos, independentemente de suas crenças ou descrenças, independentemente de quem sejam ou de como sejam suas vidas; e é por isso que o dogma se torna tão secundário em minha fé. Se isso é não ter convicções, então, que seja – prefiro ter confiança em Deus e Jesus do que certeza dogmática incompassiva, algo que me esforço muito para abandonar.

+Gibson

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