Ela parece estar em todos os lugares. É só estar atento ao que se diz lá fora. A polarização parece, muitas vezes, haver se tornado o termo que resume bem o espírito vocalizado nos meios de comunicação e nos púlpitos políticos e religiosos mundo afora.
Obviamente,
nos negamos a reconhecê-la como parte de nosso sofisticado
imaginário (pós)moderno – mas, por mais que neguemos sua
presença, ela está lá, envergonhando nossa suposta capacidade de
racionalizar, de forma refinada, nossa realidade social. Gostemos ou
não, a onipresente polarização nos
domina.
Defrontadas
com uma perceptível ameaça externa, as pessoas tendem a se esquecer
de suas diferenças e a formar um grupo unificado. Esse processo de
coesão é uma característica importantíssima da
polarização. A melhor representação pictórica disso
encontra-se nas imagens do atual e do anterior presidentes franceses,
Hollande e Sarkozy, juntos esta semana. As diferenças são
engavetadas, mesmo que apenas temporariamente, em nome dum objetivo
supostamente comum – no caso dos franceses, a “guerra ao terror”.
As
imagens dos protestos na Alemanha contra a presença de imigrantes
muçulmanos no país – que, confesso, me aterrorizaram, por se
parecerem com protestos semelhantes aos do nascente movimento nazista
no século XX – apontam para outra característica dessa
polarização de nosso tempo: a estereotipagem
do outro. A mesma característica, aliás, presente no Brasil durante
as campanhas eleitorais, e mesmo depois. Grupos rivais que adotam um
conjunto de opiniões exageradamente simplificadas sobre as supostas
características de seus oponentes, presumindo que todos eles
compartilhem um conjunto de características indesejáveis. É só
escolher o grupo simplificado: a direita; a esquerda; os
fundamentalistas; os ateus; os evangélicos; os muçulmanos; os
judeus; os homossexuais; os heterossexuais; os negros; os brancos; os
homens; as mulheres; os ricos; os pobres; os brasileiros; os
norte-americanos – e lembrar-se dos adjetivos que frequentemente
são associados a esses “grupos”.
Subjacente
ao desenvolvimento daquelas ideias estereotipadas sobre o outro, além
dos demais aspectos da polarização, encontra-se o fenômeno da
percepção seletiva. Ou seja, tendemos a ver e ouvir
aquilo que esperamos ver e ouvir, especialmente quando nossas
emoções encontram-se à flor da pele. Baseados no que percebemos,
frequentemente reagimos de formas antagônicas aos outros, e eles,
como resposta, agem de formas tais que acabam por confirmar nossas
expectativas. E quanto mais intensas as emoções, maiores são as
probabilidades de isso ocorrer. Mais uma vez, é só pensar no que
ocorreu no Brasil durante as últimas campanhas eleitorais e
imediatamente após as eleições: a ameaça da “direita” no
discurso de alguns, aparentemente confirmada, posteriormente, por
marchas que pediam o retorno do regime militar!
Mas
a tendência de grupos polarizados a desenvolverem ideias
exageradamente simplificadas (estereótipos) não se limita apenas a
ideias sobre seus oponentes, também inclui estereótipos sobre si
próprios. Assim, aquilo que os oponentes apontam como
características indesejáveis, muitas vezes, transformam-se em
ideias e racionalizações simplificadas (ideologias) que justificam
os próprios sentimentos ou comportamentos. E porque as ideias são
exageradamente simplificadas e imprecisas, a ideologia unifica
pessoas que, de outra forma, discordariam entre si. Presos às teias
da polarização e suas emoções auxiliares, poucos se dão ao
trabalho de comparar a ideologia à realidade.
Quando
a polarização domina, o desenvolvimento do comportamento
“defensivo” de cada grupo torna-se padrão. O processo toma forma
num espiral de ação-reação, que pode até resultar, em casos
extremos, em muitos “defensores” mortos. E, obviamente, o elemento
crucial nesse processo não é “a verdade” sobre o outro ou sobre
si, mas aquilo que se pense ser verdadeiro sobre o outro e sobre si
mesmo.
O
espiral da ação-reação e a percepção das ações do oponente
como ofensivas não são, necessariamente, processos irracionais.
Como cada grupo vê o outro como uma ameça real, e a polarização
se intensifica, o próximo passo defensivo lógico se torna um
“ataque preventivo”. Por exemplo, um exército que se concentre
numa fronteira para evitar uma invasão se parece muito com um
exército que se prepara para invadir!... Não muito diferente da
forma como nossas sociedades têm se comportado interna e
externamente – só temos de nos dar ao trabalho de observar.
...Tornamo-nos,
infelizmente, escravos dos processos de polarização em nossas
relações com “o outro”. A polarização tornou-se onipresente!
+Gibson
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