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domingo, 30 de setembro de 2018

Entrevista concedida por e-mail a uma publicação estudantil


No mês de agosto de 2018, estudantes do programa de pós-graduação em Teologia duma instituição onde ensino publicaram em seu jornal uma resenha de meu último trabalho e, juntamente com ela, uma página com uma entrevista comigo, realizada através de e-mail. Abaixo, incluo três das perguntas que me foram feitas e as respostas que ofereci – já que essas perguntas estão aparentadas àquelas que recorrentemente recebo através deste e de outros canais.

Entendemos que o senhor, além de ministro unitarista, é também ministro da Igreja Unida e de outras igrejas protestantes. Como consegue lidar com essa aparente contradição?”

Bem, não considero isso uma contradição. E não é contradição porque não visto identidades religiosas conflitantes. As denominações das quais participo não são “minha religião”: são, sim, minhas comunidades – das quais herdo diferentes histórias e costumes religiosos. Assim, não sou um unitarista; não sou um episcopal/anglicano; não sou um luterano, etc – essas são identidades institucionais. Se tivesse de conceituar minha identidade religiosa, diria que sou, simplesmente, um seguidor de Jesus de Nazaré que vivencia a experiência religiosa em comunidades diferentes. Essas são as comunidades onde exerço o ministério ordenado e com as quais vivencio experiências comunais do Divino.

Com isso, obviamente, não quero dizer que as identidades denominacionais não sejam importantes. Em muitos aspectos, elas são. Contudo, não podem ser confundidas com o que é ser um “cristão” (se é que essa palavra ainda possua algum sentido espiritual relevante). E isso não deixa de ser reflexo da experiência pós-moderna da própria Igreja: um foco menor no denominacionalismo construído em eras anteriores. Francamente, como alguém envolvido profundamente com o espírito ecumênico, estou mais preocupado em me identificar – em palavras e ações – como um seguidor de Jesus de Nazaré do que como adepto duma tradição cristã específica. E justamente porque consigo fazer isso nessas diferentes comunidades, não há nenhuma contradição, para mim ou para elas, nisso. As identidades “paroquiais” dessas instituições específicas são, em minha vida, apenas acessórias; não são “essenciais”.


Já lemos textos seus nos quais se refere a crenças fundamentais cristãs como se fossem “mitos” ou “metáforas”. Isso significa que não aceita essas doutrinas cristãs como sendo verdades?”

Tenho um problema com o termo “fundamentais” em sua pergunta. O que significa falar em “crenças fundamentais”? Eu não sou um fundamentalista; e são os adeptos de compreensões fundamentalistas os que, nos Cristianismos protestantes, se preocupam em defender “crenças fundamentais”. Talvez devêssemos usar uma outra expressão para discutir esse tema; assim, proponho que troquemos “crenças fundamentais” em sua pergunta por “ideias consensuais”.

Estou muito mais preocupado com “teologia” do que com “doutrinas”. A diferença entre as duas – ao menos no contexto deste nosso diálogo – é que as doutrinas parecem se referir a declarações dogmáticas sobre problemas específicos, enquanto a teologia abrange um conjunto de linguagem, atitudes, ideias, narrativas e práticas que moldam uma tradição religiosa. De certa forma, o conceito de “doutrina” parece estar intrinsecamente associado àquela compreensão de que religião e denominação (=instituição religiosa) sejam sinônimos. Assim, para quem se preocupa com isso, uma denominação professa tais e tais doutrinas – uma lista de teses – que devem ser aceitas e defendidas por quem quiser ser membro de tal “religião” (que, estritamente, não é uma “religião” propriamente dita, mas apenas uma instituição/organização que se apresenta como representante duma religião).

Já a “teologia“ funciona de outra forma: não se limita a teses específicas; antes, consiste numa base mais ampla através da qual podemos construir (e alterar) visões de mundo. Dessa forma, as compreensões religiosas – que você chamou de “doutrinas” – não são imutáveis, escritas sobre diamante; são perspectivas que se alteram ao longo da experiência histórica (que, no contexto cristão, inclui a própria experiência do Divino).

Poderia citar, por exemplo, o caso da escravidão. A cristandade ocidental como um todo encontrou justificativas para a escravidão em suas próprias fontes teológicas durante séculos. Assim, muitos cristãos e muitas instituições eclesiásticas cristãs não viam nenhuma contradição entre ser cristão e escravizar, possuir, comprar e vender escravos. Até, obviamente, que suas ideias teológicas começassem a mudar! Quando a experiência social e as ideias filosóficas começaram a ser alteradas, a teologia também sofreu alterações: a escravidão deixou de ser a vontade de Deus e passou a ser vista como um erro repugnante dos humanos.

Essas alterações só demonstram, em minha compreensão, o quanto a religião, em geral, é humana. Não há nada de essencialmente divino na religião (enquanto sistema teológico: isto é, um conjunto de linguagem, atitudes, ideias, narrativas e práticas) – a religião é, sim, um reflexo de quem um determinado grupo humano é (ou pensa ser) em sua inter-relação e em relação à sua compreensão do Divino, mesmo que acreditem que sua religião seja um produto Divino (e mesmo que Deus, como consequência, acabe se tornando uma espécie de adepto dessa mesma religião).

É justamente por a religião ser uma construção humana – ou melhor, uma resposta humana ao mistério cósmico que a humanidade enfrenta –, que o que esta ensina é verdadeiro. Aquelas “doutrinas” cristãs são “verdades”, mas não são, necessariamente, “factualidades”. Elas são verdades no contexto histórico de certos grupos ou pessoas, em determinado momento – não o são, necessariamente, para outros ou durante todo o tempo. Em parte, é a confusão moderna entre “verdade” e “factualidade” que leva a essas compreensões binárias de certo-errado, verdadeiro-falso – que eu, de forma geral, rejeito.

Quando, ou se, penso em “verdade”, não estou pensando no contrário de “mentira”. Estou pensando, antes, numa interpretação da “realidade” (que nem sempre é objetiva/factual) que se altera ao longo da experiência histórica, mesmo quando não se perceba essa alteração. Os Cristianismos, e todas as demais tradições religiosas do mundo, sofrem alterações em suas compreensões e práticas, independentemente do quão dogmáticas sejam. Por exemplo, o “Cristo” – ou a compreensão acerca de Cristo – do Movimento de Jesus dos primeiros anos não é o mesmo “Cristo” dos cristãos helênicos ou romanos do segundo século de nossa era, nem é o mesmo “Cristo” dos diferentes grupos cristãos do período medievo europeu, nem é o mesmo “Cristo” dos cristãos assírios do Oriente do século XV, nem o mesmo “Cristo” dos unitaristas do século XIX, nem o mesmo “Cristo” dos pentecostais brasileiros do século XX, nem o mesmo “Cristo” dos católicos romanos progressistas do século XXI. Cada um desses contextos específicos conheceu variadas interpretações cristológicas – isto é, de quem era Jesus Cristo – que eram, até certo ponto, distintas de compreensões variadas de outros contextos históricos.

O que quero dizer é que nenhuma religião, incluindo os Cristianismos, é um objeto estático no tempo. Sempre sofre variações. Assim, a linguagem, as atitudes, as ideias, as narrativas e as práticas cristãs estão sempre sofrendo mudanças, mesmo que essas sejam operadas de forma muito sutil.

Essa historicidade da fé faz com que uma compreensão histórico-metafórica das narrativas religiosas funcione como “verdade” para mim, mas que não funcionem como “verdade” para outras pessoas que possuam, por exemplo, bases socioculturais diferentes das minhas. Isso não torna (parte de) nossas perspectivas “certas” ou “erradas”, em si, mas apenas diferentes. Como a religião, de forma geral, não lida com fatos mensuráveis (objetivos), mas, majoritariamente, com concepções da realidade, rejeito a visão binária de certo-errado, verdadeiro-falso, quando lido com a realidade religiosa.

O mito religioso – e “mito” não é sinônimo de “mentira” –, para mim, é um instrumento pedagógico, uma ferramenta que nos ajuda a construir uma compreensão daquilo que está além da explicação binária. Assim, verdadeiro-falso não diz muito sobre o mito (isto é, a narrativa que aponta para uma verdade além da factualidade, que ultrapassa os limites do que é objetivo/quantificável) – essa binaridade não funciona em minha compreensão da realidade religiosa em geral, nem da cristã em particular.

O senhor acredita em Deus?”

Penso que já tratei tantas vezes sobre esse tema que me restaria pouco a dizer. Há um ano, publiquei um texto no qual discuto a questão, e ele ainda representa, em grande parte, minha compreensão sobre o assunto [<https://cristianismoprogressista.blogspot.com/2017/09/minha-teontologia-ou-o-que-acredito.html>]. Mas, resumidamente, o problema se refere ao fato de que tenho um grande problema com o verbo “acreditar”, no sentido com o qual é geralmente usado.

Se tivesse de dar uma resposta direta, sem nenhuma explanação filosófico-teológica complexa, diria que CREIO em Deus – isto é, confio na e experiencio a realidade de Deus. O verbo “crer” parece guardar uma ligação mais explícita com o sentido de “confiar” que, para mim, é mais importante do que afirmar um assentimento intelectual. (Ou seja, não sou um ateu – se esta é a pergunta.)

Apesar de a discussão dos verbos utilizados parecer irrelevante para um leitor/ouvinte leigo, para um Ministro religioso, um teólogo, um filósofo da religião, etc, os termos utilizados dizem muita coisa. Por isso, quando falo sobre o Divino, reflito sobre a linguagem utilizada. Essa reflexão é parte integrante de meu ofício, e resulta, obviamente, de minha história pessoal. Minha educação religiosa e intelectual me ensinou o questionamento. Questionar é fazer perguntas – perguntas para algumas das quais nunca chegaremos a uma resposta objetiva. E o questionamento, esse processo reflexivo de fazer perguntas, é uma atividade essencialmente linguística. Daí a preocupação com a demarcação das fronteiras de sentido para os termos que utilizamos.

De qualquer forma, naquele texto explico minha compreensão sobre Deus.


Paz a todas e todos!

+ Gibson


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Céu, inferno, vida após a morte?


Um dos problemas mais presentes na vida de qualquer ministro religioso e professor de Teologia, como eu, é o problema da morte. Isso porque a morte, mais até do que o nascimento, se faz presente na vida de qualquer família, de qualquer comunidade, e a religião sempre serviu como uma forma de lidar tanto com o mistério como com a dor da morte.

Frequentemente me perguntam se acredito em vida após a morte – se acredito em "céu" e "inferno" –, e alguns dos que me questionam parecem se perturbar ou surpreender com o fato de eu, mesmo sendo um ministro religioso, dizer que o assunto me é indiferente. Hoje, gostaria de responder a alguns questionamentos feitos por um leitor de São Paulo – que, infelizmente, não assinou sua mensagem, mas indicou sua cidade.

Realmente, não me importo com questões referentes a uma suposta vida após a morte (o que inclui temas como “céu” e “inferno”). Minha tradição religiosa tende a se centrar numa ética [judaico]cristã, e não em dogmas teológicos sobre temas específicos. Assim, minha preocupação religiosa é com a vida, com as relações humanas e com a Criação, relações através das quais encontro o Divino (Deus). Meu Cristianismo está focado na prática duma eticidade ensinada nas Escrituras: amor ao próximo – através do qual se demonstra amor a Deus –, serviço, compaixão, perdão, a construção do “shalom” de Deus aqui e agora.

Tendo a encarar “céu” e “inferno” não como realidades objetivas, mas, antes, como metáforas que apontam para esperanças e/ou desesperos humanos. São parte duma linguagem teológica que reflete uma visão de mundo que não se concilia com minha compreensão do Universo. Por isso, são temas que não me interessam – com os quais não gasto meu tempo (a não ser que seja para discutir a história desses conceitos, como se desenvolveram e se tornaram parte do repertório teológico cristão).

O que ocorre após a morte não pode ser conhecido por nós – pode, apenas, ser especulado. E, entre especular sobre algo que não pode ser desvendado e saber como lidar com o conhecível, prefiro este último. Quando nos centramos em reflexões teológicas acerca da vida em sociedade, acerca de como nos relacionarmos com a Criação, sobre como a prática religiosa pode contribuir para construir paz e justiça no mundo agora, isso é saber lidar com o conhecível (aquilo que temos a capacidade de conhecer).

Portanto, se alguma vez eu falei/escrevi sobre “céu” ou “inferno” – o que não me lembro de ter feito até hoje, a não ser em estudos históricos –, o fiz unicamente em linguagem metafórica, simbólica, provocadora, e não como uma realidade objetiva.

Alguém poderia apontar trechos da Bíblia nos quais são feitas referências ao “céu” ou “inferno”. É verdade, estão lá. Mas, para minha tradição, Bíblia e Cristianismo não são sinônimos. A Bíblia é (apenas) uma das fontes teológicas do Cristianismo; além dela, temos a Razão, a Tradição e a Experiência. Quando analiso o tema na Bíblia à luz das demais fontes teológicas, o considero irrelevante.

Além disso, é importante ressaltar que não há, no Novo Testamento cristão, nenhuma visão coerente e amplamente compartilhada em todos os escritos sobre “céu” ou “inferno”. O que podemos encontrar são apenas pequenos fragmentos duma descrição do que seriam esses dois; não há nenhuma passagem longa onde “céu” ou “inferno” sejam descritos de forma clara e dogmática. A visão cristã da vida pós-mortal se desenvolveu a partir do contato entre o judaísmo rabínico, dos escritos canônicos cristãos, e da cultura greco-romana – e é por isso que é mais ampla a preocupação com o tema por parte dos Padres da Igreja do que dos próprios escritos canônicos do Novo Testamento.

Isso explica porque há compreensões tão distintas sobre o que acontece após a morte em cada uma das tradições cristãs do mundo. Cristãos ortodoxos, católicos romanos, luteranos, reformados, anglicanos, unitaristas, universalistas, restauracionistas, pentecostais, etc, abraçam visões diferentes sobre o que acontece após a morte e como. E essa variação de visões tem existido desde a origem do(s) Cristianismo(s).

Por essas e por outras razões, não posso afirmar absolutamente nada sobre uma suposta vida pós-mortal. Pessoalmente, não me preocupo com isso; não é um tema “essencial”. Isso não me torna uma pessoa “sem esperança” ou “perdido”. Para mim, é suficiente crer que a vida dos que morreram, de alguma forma, continua na terra. É nesse sentido que a vida pós-mortal funciona como uma metáfora. Acreditar que irei para o céu ou o inferno não influenciaria em absolutamente nada a minha vida: minha compreensão de Deus, de ética, da teologia cristã, da minha relação com os demais seres humanos e com a Criação, da dignidade e valor humanos é o que guia minhas ações – não uma [des]crença em punição ou recompensa eternas.

Respeito a opinião dos que aceitam esses aspectos especulativos da teologia cristã, mas, para mim, eles não possuem nenhuma relevância para minha relação com o Divino e/ou com o mundo social.

+Gibson

sábado, 31 de março de 2018

Feliz Páscoa: por uma fé viva em nossas ações

Nós somos um povo pascal. E isso, apesar de poder significar muitas coisas diferentes para diferentes pessoas, para a maioria de nós significa que estamos comprometidos com o espírito daquilo que cremos ter sido ensinado e exemplificado nos relatos sobre Jesus que lemos nas Escrituras cristãs.

Como todos vocês sabem, a maioria de nós unitaristas não compreende aqueles relatos da mesma forma que os cristãos que abraçam uma compreensão dita “ortodoxa”. Eu, certamente, me encontro entre esses. Como um unitarista, não compreendo a morte de Jesus de Nazaré como um sacrifício em favor da humanidade – essa doutrina, a propósito, é altamente ofensiva para mim, já que (entre outras coisas), para aceitá-la, teria de acreditar numa divindade moralmente antropomorfizada que não é capaz de perdoar sem exigir um pagamento por isso (um pagamento de sangue feito por uma pessoa inocente).

Não é isso que vejo e celebro na Páscoa.

Repetidamente, ao longo do Novo Testamento cristão, aprendemos que ser seguidor de Jesus é uma questão de ação no mundo. O autor do Evangelho de Mateus, por exemplo, atribui a Jesus as seguintes palavras:

Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas” (7:12).

E ainda:

“… ‘eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar’. Então lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?’ Então o Rei lhes responderá: ‘Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram’.” (7:35-40)

Em outro livro do Novo Testamento, encontramos:

Se alguém pensa que é religioso e não sabe controlar a língua, está enganando a si mesmo, e sua religião não vale nada. Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo” (Tiago 1:26-27).

E mais adiante:

Assim também é a fé: sem as obras, ela está completamente morta” (Tiago 2:17).

Em outras palavras, é nas nossas relações com outras pessoas no dia a dia que vivemos nossa fé. É seguindo aquelas admoestações e mandamentos de amar e servir e cuidar que demonstramos nosso compromisso como seguidores e discípulos de Jesus. Não importa que perspectivas teológicas abracemos sobre quem é Jesus: o que realmente importa é se estamos realmente praticando aqueles ensinamentos que os autores das Escrituras atribuíram a ele.

Minha oração é que todos possamos “divinizar” nossas relações com as pessoas com as quais compartilhamos este planeta, e possamos encarnar em nossas ações o poder vivificante do testemunho pascoal.

Desejo a todos uma Feliz Páscoa, compartilhando aquelas conhecidas palavras de nossa oração de despedida da liturgia da Comunhão:

Cristo nasce em nós quando abrimos nossos corações à inocência e ao amor. Cristo vive em nós quando caminhamos a senda do perdão, reconciliação e compaixão. Cristo morre em nós quando nos rendemos à nossa própria arrogância, egoísmo e ódio. Cristo ressuscita em nós quando nossas almas se despertam da morte espiritual para se unirem à comunidade de amor, para entrar no reino divino aqui mesmo neste mundo. Saiamos em paz. Amém.

+Gibson

domingo, 18 de março de 2018

Uma fé política?!


Esta semana, recebi um e-mail dum leitor furioso do Chronicle, que – dentre palavras que não ousaria repetir aqui – me “acusava” de ser um “esquerdista” que pregava o que ele chamou de “evangelho de Marx”, e não o de Jesus! Seus comentários pouco compassivos obviamente emergiram em decorrência do que eu escrevera sobre o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, no Brasil, e do ativismo de estudantes pelo controle de acesso às armas de fogo, nos Estados Unidos.

O que escrevi, anteriormente, mantenho aqui. Nossas autoridades políticas e policiais falharam com Marielle e Anderson, e falham com a sociedade. E agora, mais do que nunca, deveríamos demiti-los. Isso porque não têm cumprido com suas obrigações enquanto agentes do Estado. Igualmente, somos todos culpados por seus crimes, já que deles não cobramos suficientemente por suas faltas e erros. Assim, temos nossas mãos sujas com o sangue de todos os que morrem em nossa sociedade: ou porque escolhemos erroneamente nossos governantes, ou porque não exigimos que façam o trabalho para o qual foram eleitos e pelo qual pagamos.

Foram essas as ideias que compartilhei e que levaram aquele leitor a fazer certas acusações contra mim. E, por educação, farei alguns esclarecimentos:

1. POLITICAMENTE: “Esquerdista”, para mim, não é um termo pejorativo; logo, chamar-me de tal não chega a ser uma ofensa. Na verdade, só evidencia que talvez aquele leitor devesse pesquisar um pouco mais o sentido do termo na teoria política. Politicamente, a propósito, sempre me identifiquei com um ideário “liberal democrata”; sempre fui um ardente partidário das liberdades civis, da separação entre Estado e Igreja, da resistência não violenta, da paz, dos direitos humanos, do respeito à vida de toda a Criação, da proteção àqueles que são agredidos pelos poderes deste mundo – e isso, sim, realmente me localizaria à esquerda no espectro político retilíneo (que, de qualquer forma, não é a maneira como retrato o mundo político ao meu redor). Essas ideias e escolhas que abraço, a propósito, não têm origem nos escritos de Marx – por cujo pensamento “positivista” sempre tive pouquíssima simpatia –; sua origem está em minha teologia política cristã, unitarista, não conformista (deveras “liberal burguesa” para ser caracterizada como “marxista”).

2. TEOLOGICAMENTE: Aquelas características de meu ideário político não advêm dos escritos de Marx ou de cartilhas políticas de partidos de “esquerda”. Elas são provenientes de minha teologia. Elas são a forma como aprendi a interpretar os ensinamentos tanto de minha herança judaica reformista quanto de minha fé cristã liberal. Não são invenção de Marx – apesar de poder encontrar muita proximidade com algumas de suas ideias –, e não são apenas ideários de partidos políticos. São, antes, a soma de séculos de reflexão por parte de pensadores religiosos e políticos, artistas, mães e pais, poetas, professores e tantos outros, cujas palavras e ações influenciaram a forma como compreendo o mundo. São ideias que estão presentes nos escritos sagrados e textos litúrgicos de minhas tradições religiosas, filtrados pelas lentes de meu meio sociocultural.

Os esclarecimentos acima não são uma justificativa para me afastar da visão que compartilho com meus irmãos e irmãs “esquerdistas” (para usar a linguagem daquele interlocutor). São, antes, uma tentativa de ensiná-lo e a outros que o mundo não é uma tela em preto e branco, mas sim uma mistura de diferentes cores em múltiplas tonalidades. Na verdade, fico muitíssimo feliz de encontrar pontos de concórdia com pessoas que, em outros assuntos, possivelmente discordariam de mim – e vice-versa. Fico feliz em misturar minhas cores às delas. Estarei sempre disposto a caminhar ao lado daqueles que buscam um mundo de concórdia, de paz, de compreensão, de compaixão, de vida – independentemente de sua localização em qualquer espectro político ou religioso.

O que realmente importa, em minha compreensão, não é a etiqueta que prendemos às nossas crenças e/ou descrenças. O que importa, o que realmente importa, é o que fazemos no dia a dia, é a forma como tratamos aqueles que compartilham este mundo conosco. Se não encontrarmos um meio de viver com a diferença, acabaremos nos matando uns aos outros e destruindo o que restou deste planeta. E isso seria a derrota definitiva de nossa “humanidade”.

Finalizo esta, compartilhando um trecho da Bíblia cristã que está sempre diante de mim, em meu escritório, para me lembrar de minhas promessas batismais e das promessas que fiz quando de minha ordenação:

Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos.” (Efésios 4:6)

É, enfim, cuidando das pessoas que estão ao nosso redor que podemos encontrar o Divino. Esta é a única maneira de vivificar nossa fé e curar – ou, se preferir, “salvar” – o mundo!

+Gibson

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Natal: Jesus, refúgio e a hospitalidade


Todos os anos, durante o período do Advento (as quatro semanas que antecedem o Natal, no calendário cristão), preparo-me para celebrar a data na qual comemoramos o nascimento de Jesus de Nazaré – aquele que a maioria dos cristãos prefere chamar de “Cristo”, e cujo nascimento celebra como aquele dum membro duma família real, com cânticos, árvores iluminadas com luzes coloridas, estrelas que simbolizam sua grandeza cósmica, jantares caros e trocas de presentes.

Apesar de eu gostar muito das tradições natalinas – especialmente das celebrações litúrgicas e das cantatas às quais estou acostumado –, o Natal, para mim, não é a celebração do nascimento dum membro da realeza celestial (ou terrestre). A data é, em minha vida, um memorial à experiência da busca de refúgio – um lembrete da experiência do “êxodo”, que, metaforicamente, pode tornar-se a experiência de toda a humanidade.

Se tivermos de entender a narrativa do “êxodo” de Jesus – em Mateus 2:13-23 – como factual, então a vida do menino começa como a vida dum refugiado em terra estrangeira. Não como a dum príncipe ou rei. É se refugiando em outra terra, para escapar daqueles que o perseguem, que Jesus inicia sua vida.

Isso pode parecer irrelevante para muitos, mas, para mim, é o que há de mais importante na narrativa natalina. E não importa o quão pouco factual seja a narrativa do êxodo de Jesus – considerando que a mesma pode ter sido construída apenas para transformar a figura de Jesus na dum novo Moisés –; o que realmente importa é que ela o proclama como igual às crianças, mulheres e homens que deixam seus lares em busca de segurança e de vida, nas mais diferentes regiões do mundo, sob os mais diversos contextos.

O Jesus que aguardo no Advento, e que celebro no Natal, é um Jesus que sofre e busca refúgio e que, assim, é dependente da hospitalidade e compaixão dos humanos. É o Jesus que diz que quando alimentamos, damos de beber, vestimos, visitamos, somos hospitaleiros com os estrangeiros, é a ele que fazemos essas coisas (Mateus 25:35-45).

Esse é o Jesus que aprendi a celebrar. É o Jesus com a face de Ada, Concepción, Ibrahim, Mahmood, Moji, Alejandro e tantos outros. Para mim, o Natal só é comemorado para que eu me lembre que era deles e delas que Jesus falava, que era eles e elas que deveriam ser “celebrados” em minha vida, nesta data. Só assim eu poderia realmente viver o que Jesus ensinou.

O Natal, para mim, é uma celebração do refúgio – do refúgio que os seres humanos devem encontrar nos braços, corações e casas de seus irmãos e irmãs.

Minha oração é que possamos estar abertos e prontos para receber esse Jesus – esse Jesus que se manifesta nas faces dos seres humanos – neste Natal.

Vem, Mestre galileu!

Feliz Natal!

+Gibson


sábado, 23 de setembro de 2017

Minha teontologia – ou, o que acredito sobre “Deus”


+Gibson da Costa


[…] Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos […]” (Atos 17:27b-28a)

“Deus” frequentemente tem sido o assunto sobre o qual me escrevem de forma pouco compassiva. Enquanto, pessoalmente, me preocupo muito mais com o viver aquilo que chamo de “fé”, muitos de meus interlocutores se preocupam muito com declarações de crença que se encaixem em sua ortodoxia – seu conjunto de “crenças corretas” –, por isso, sempre me pedem que “defina” o que acredito sobre Deus, por exemplo.

Uma de minhas mais recorrentes provocações – e a mais atacada por leitores de outras tradições cristãs – é a de dizer que “não acredito em Deus”. Tenho repetidamente explicado que o verbo acreditar é muito limitado, pois coisifica Deus, tornando a Divindade um tipo de entidade pessoal que depende de meu esforço intelectual (a crença) para que seja “real”. Pessoalmente, também rejeito a noção de existência de Deus. Em minha experiência e compreensão, Deus não existe porque a existência é uma qualidade de objetos/entidades físico-espaciais. Prefiro falar em minha confiança em Deus, em vez de falar em crença em Deus – e mesmo “confiança”, assim como o próprio nome “Deus”, apresenta(m) limitações.

Não tenho absolutamente nenhum desejo em criar uma declaração teontológica própria. Minha compreensão sobre o Mistério Eterno é limitadíssima para que eu seja capaz de articular “definições” metafísicas a seu respeito. Deus, para mim, é inqualificável, já que “está” além de minhas limitações cognitivas e linguísticas. Toda e qualquer linguagem que use para referir-me à Divindade é apenas metafórica, simbólica, figurativa. E é assim que o que escrevo abaixo deve ser entendido:

  • Compreendo Deus como uma Unidade Absoluta. Por “Unidade”, refiro-me a um Mistério que está metaforicamente acima de tudo e de todos, para além de toda divisão, de toda compreensão, de toda classificação, de toda nomeação.
  • Compreendo Deus como absolutamente simples, sem nenhuma propriedade – incluindo personalidade, bondade, onipotência etc, – já que propriedades são atributos de seres espácio-temporais.
  • Compreendo Deus como absolutamente para além do tempo e do espaço e, como consequência, para além da própria existência.
  • Compreendo Deus como para além de causas e efeitos.
  • Compreendo Deus como para além de toda compreensão e imaginação humanas.

Assim, se e quando utilizo expressões como “Deus é amor”, “Deus é paz”, por exemplo, as tomo como uma linguagem metafórica, uma figura capaz de ser captada pela imaginação, e não como uma declaração que deva ser compreendida de forma literal.

Não tenho fé num Deus-Pessoa que espelha minhas próprias limitações humanas. Tenho esperança e interesse pelo Divino como “para além” do compreensível ao mesmo tempo em que “se manifesta” no comum. Os termos “para além” e “se manifesta” são a chave aqui: a preposição “para” indica um movimento; o termo “além” aponta para uma não-limitação; e “se manifesta” aponta para uma relação entre o Divino e o humano. Usá-los, ao falar da Divindade, é uma referência à “transcendência” e à “imanência” divinas: respectivamente, a alteridade e a proximidade desse Mistério que chamo de “Deus”.

Não tenho absolutamente nenhuma necessidade de caracterizar esse Mistério como uma entidade antropomorfa – isto é, não preciso acreditar num Deus com características humanas. Compreendo a linguagem tradicional do Deus abraâmico – nas tradições judaicas, cristãs, muçulmanas, babistas etc – como um Deus pessoal apenas como uma metáfora. Usamos essas metáforas porque nossa imaginação é limitada, e não porque a Divindade assim seja – para mim, como disse, a Divindade sequer “é”, já que “ser” é uma característica de seres ou coisas físico-espaciais e, logo, limitadas.

Acredito que mais importante do que me preocupar com definições acerca de Deus é me preocupar com o ser humano. Como Deus está além de minha compreensão, e como, ao mesmo tempo, se manifesta no mundo na face das pessoas que me cercam, é amando-as e servindo-as que posso amar e servir a Deus. E conseguir fazer isso já representa um desafio suficientemente grande para mim!


terça-feira, 19 de setembro de 2017

Todas as pessoas

Ao longo de meu trabalho pastoral entre migrantes paralegais, desenvolvi um carinho especial pelas palavras das promessas que fazemos na Aliança Batismal. É verdade que aquelas palavras sempre foram muito importantes para minha espiritualidade, mas a convivência com a desumanidade da “fronteira” (um termo que uso com um sentido metafórico especial) as reveste dum significado renovado. Penso especialmente nas seguintes palavras:

[…]
Você buscará e servirá a Cristo em todas as pessoas, amando o seu próximo como a si mesmo?
Sim, com a ajuda de Deus.
Você trabalhará pela justiça e pela paz entre todas as pessoas, e respeitará a dignidade de todo ser humano?
Sim, com a ajuda de Deus.

Essas palavras exercem um poder convocatório sem igual. E, por serem parte da Aliança Batismal, carregam em si um senso de obrigatoriedade mais potente do que qualquer outra palavra sagrada em minha vida espiritual. Elas exigem, de mim, uma reflexão profunda sobre “todas as pessoas”, e sobre o que significa “servir”, “amar”, “trabalhar” e “respeitar” – os verbos que rezamos naquela Aliança.

O que fazemos daquelas palavras quando nos deparamos com os pecados etnocêntricos do tribalismo, do nacionalismo e do patriotismo? O que fazemos com aquelas promessas se e/ou quando decidimos fazer com que todos os povos se tornem discípulos de Cristo – o problemático convite feito pelo Cristo do Evangelho de Mateus 28:19-20? Até que ponto respeitamos “a dignidade de todo ser humano” quando esperamos que todos sejam como nós – ou quando supomos que Deus seja propriedade de nossa tradição religiosa?

Ou o que fazemos daquelas palavras quando nos calamos diante da injustiça e assistimos silenciosa e passivamente à violência perpetrada contra outros seres humanos, como o que ocorre contra grupos étnicos minoritários, refugiados e migrantes mundo afora? Ou quando nos calamos e não agimos quando atacam – em nome de qualquer Deus, homem ou nação – pessoas que abracem outras crenças religiosas, crença religiosa nenhuma ou certa ideologia política? Ou quando permitimos que, em nome de Deus ou da “nação”, pessoas tenham sua dignidade humana desrespeitada por qualquer motivo?

O que fazemos daquelas palavras quando sabemos que outras pessoas estão com fome na rua, e pensamos que não há nada de errado em comermos num restaurante caro, pois, afinal, isso é uma “questão de mérito”? Ou, ainda, o que fazemos daquelas palavras quando continuamos a votar em políticos corruptos que atentarão contra a “dignidade” humana dos demais membros de nossa sociedade ou de qualquer outra sociedade?

A verdade é que aquelas promessas são o maior desafio que nos podem ser feitos em nossa jornada espiritual. Elas são um testemunho de que a “fé cristã” exige ação no mundo: não ação para convencer ou converter pessoas, mas ação para curar e vivificar a vida humana.

+Gibson


sábado, 26 de agosto de 2017

Não à "tolerância"!



Você defenderá a justiça e a paz para todas as pessoas, e respeitará a dignidade de cada ser humano?
Sim, com a ajuda de Deus.
(Trecho da Aliança Batismal)


Como bem nos lembram as promessas que reafirmamos quando recitamos a Aliança Batismal, somos religiosamente educados para honrar a dignidade humana. O ser humano, nas tradições jordânicas – os judaísmos, os cristianismos, os islãs, os babismos etc –, é compreendido como tendo sido criado à “imagem de Deus”. Assim, respeitá-lo como uma criação divina e honrar sua dignidade e valor é indissociável das compreensões que nossas tradições têm do Divino.

Essa preocupação com o valor e a dignidade humana é, às vezes, rearticulado através daquela palavra tão repetida: “tolerância”. Assim, frequentemente, fala-se em “tolerar” outras pessoas, “tolerar” os que pensam diferentemente de nós, “tolerar” as outras tradições de fé (religiões), “tolerar”, “tolerar”.

Pessoalmente, tenho um enorme desconforto com a palavra “tolerância” e todos os verbos e adjetivos com os quais se relaciona. Mesmo compreendendo o sentido que muitos entre nós dão a esses termos, “tolerância”, “tolerar” e “tolerante” parecem ser exatamente o contrário do espírito que nossas tradições – e, mais especificamente, os cristianismos – nos convidam a materializar em nossas ações.

Afirmarmo-nos como “tolerantes”, para mim, seria o ápice da arrogância espiritual. Ora, ter “tolerância” por alguém é afirmar que me encontro numa posição mais elevada, mais avantajada do que ela, e que ofereço-a minha “misericórdia”. É dizer que sei mais do que ela e que, por isso, demonstro-lhe minha “piedade” para com seu estado de ignorância.

Isso, certamente, não é o que prometemos quando rezamos em comunidade nossa Aliança Batismal nas liturgias de Batismo e de Confirmação. O que prometemos é enxergar e servir a Deus uns nos outros e em todos os demais seres humanos, independentemente de quem sejam, de onde estejam em sua jornada espiritual e do que tenham feito na vida. E aquela promessa não nos exige “tolerância”: exige respeito, exige reconhecimento, exige apreciação, exige serviço, exige amor – não “tolerância”.

Respeitar, reconhecer, apreciar, servir, amar não equivalem a abandonarmos nossas crenças e princípios, a concordarmos com tudo o que os outros pensam. Equivale, sim, a aceitar que da mesma forma como temos o direito de buscar, de crer, de descrer, de ser, outras pessoas – especialmente aquelas de quem discordamos – também têm. E fazê-lo é reconhecer que nossa compreensão do Divino e de nós mesmos é limitada, e que Deus não é nossa propriedade. Demonstrar “tolerância”, por outro lado, é negar essa limitação à qual todos estamos sujeitos(as).

Não à "tolerância"! Deus nos livre da “tolerância”!

+Gibson


sábado, 29 de julho de 2017

Um cristão agnóstico?: Uma resposta às provocações de Soraya Pontes



[Sobre o texto “Um cristão agnóstico?”, de minha autoria – publicado neste blog em 8 de setembro de 2010.]

Escrevi aquele texto há cerca de sete (7) anos. Ao longo desse tempo, obviamente, mudei intelectual e espiritualmente. Reformulei algumas de minhas compreensões. Tive novas experiências de vida que me fizeram compreender a Realidade que chamo “Deus” a partir de outras perspectivas. Mas continuo a rejeitar o dogmatismo quando penso, falo ou escrevo sobre Deus.

Deus é Real. Mas não é uma coisa ou uma entidade. Assim, não uso o verbo “existir” para me referir a Deus. Não posso quantificar Deus como o faria ao ar, à água, ao computador diante do qual me sento agora ou a mim mesmo. Essa é uma questão muito mais profunda do que você imagina. Compreendo a razão pela qual isso lhe parece uma “ignorância”, Soraya: para você é assim porque você lê o mundo com lentes diferentes daquelas que uso; assim, não consegue compreender a relevância da linguagem para discussões teológicas. Isso não a torna menos certa do que eu – apenas torna sua perspectiva diferente da minha; e vice-versa.

Tenho a impressão de que você não tenha compreendido que aquele texto é uma provocação. O uso do termo “agnóstico” é proposital. Acaso não percebeu o uso duma interrogação ao fim do título? O próprio texto pode esclarecer, para qualquer leitor atento, o que quis dizer com aquelas palavras.

Deus, para mim, é uma Realidade que está além de qualquer formulação dogmática de qualquer tradição religiosa. Assim, Deus não é judeu, não é cristão, não é muçulmano, não é budista, não é xintoísta, não é hindu, nem mesmo ateu. Deus não é propriedade de qualquer religião, filosofia, credo, ou grupo exclusivista. Deus é o nome que muitos de nós damos àquela Realidade que está além de nossa compreensão. Porque não a compreendemos, utilizamos figuras metafóricas próximas às nossas experiências culturais para nos referirmos a ela. Assim, muitos chamam essa Realidade de Deus, de Pai, de Mãe, de Grande Espírito, de Poder, de Hashem, de Allah, ou de qualquer outro nome que possa exprimir – mesmo que imperfeitamente – aquilo que sentem.

Atribuir um nome a essa Realidade, contudo, não significa necessariamente abraçar uma noção dogmática sobre quem ou o quê seja “Deus” – isto é, não significa pensar que possamos saber, humanos como somos, tudo o que se possa saber sobre “aquele” que já foi chamado de “Mistério”. Foi isso que quis dizer com aquele texto provocativo.

Se aquelas palavras me tornam um “ignorante” ou menos “cristão” que você... bem, não me preocupo. Em minha tradição religiosa, questionar, perguntar, duvidar é sempre um caminho para construir pontes de compreensão, sempre um caminho para se chegar a Deus. Não tenho interesse algum pelo conforto do dogma inquestionável e petrificado – prefiro o caos do serviço e do discipulado, que é onde encontro a Deus.

Que bom que você já está tão além de minha compreensão sobre Deus e já consegue compreender o Mistério Divino com tamanha segurança, a ponto de não questionar os verbos, substantivos e adjetivos que utiliza. Eu ainda não cheguei a este ponto – na verdade, como escrevi antes, não tenho, hoje, interesse em fazê-lo. Mas fico feliz que você possa fazê-lo.

Paz!

+Gibson


terça-feira, 4 de julho de 2017

Por que não faço vídeos para este blog?


Alguns dos leitores deste blog já me pediram, várias vezes – e por motivos variados –, que eu fizesse vídeos para postar aqui, em vez de escrever textos (que, na opinião de alguns, são frequentemente “muito longos”). Hoje, gostaria de responder às suas provocações e enumerar algumas razões pelas quais tenho me recusado, até aqui, a fazer vídeos para este espaço.

  1. Não quero me tornar um vlogueiro. Não tenho talento para isso, nem tenho interesse em me preocupar com aparência e voz, com iluminação e cenário, etc. Prefiro que meu tempo “livre” seja gasto com o pensar sobre aquilo acerca do qual escrevo – escrever, afinal, exige a reflexão da parte de quem escreve. Escrevendo, eu mesmo aprendo muito mais do que seria capaz de “ensinar” a quem quer que seja.

  2. Apesar de não ser inimigo da tecnologia – o que se evidencia pelo meu uso deste espaço –, tenho uma imensa antipatia pelas respostas fáceis e irrefletidas. Os vídeos online tendem a levar a esse tipo de comportamento – considerando que o ouvinte, e muitas vezes o próprio vlogueiro, não têm tempo suficiente para parar e refletir sobre o que ouviram/disseram, como teriam se estivessem lendo/escrevendo.

  3. Quando escrevo, o faço para um “público” específico. O que espero desse “público” é que, pelo menos, esteja disposto a ler – disposto a parar diante da tela ou do papel e ler o que escrevi, independentemente de sua reação ao texto. Assim, o simples fato de produzir textos escritos (ou seriam “digitados”?) funciona como um processo de filtragem de interesses para ambos os lados: eu seleciono com quem dialogo, e os meus leitores decidem se o que tenho a dizer lhes interessa ou não.

  4. Não estou aqui para me promover como a uma mercadoria. Explico-me: Quando escrevo, o faço para compartilhar ou discutir ideias, para provocar outras pessoas de forma respeitável, e não para me oferecer como “a resposta”. Não sou um candidato a cargo eletivo. Não sou um artista. Não estou oferecendo, aqui, absolutamente nada em troca de dinheiro ou ganhos materiais. (Percebeu que não há anúncios de produtos neste blog?! Eu poderia adicioná-los aqui se quisesse ganhar dinheiro.) Meu interesse é com o conteúdo e com as pessoas que o receberão: o conteúdo duma perspectiva da fé cristã e aquelas pessoas que queiram refletir sobre a fé de forma aberta. Para isso, você não precisa de minha voz ou de minha imagem – além daquela que pode encontrar no perfil desta página.

  5. A decisão de não utilizar as linguagens audiovisuais, aqui, não é definitiva; é, antes, utilitária: por enquanto, atende aos meus anseios e necessidades e àqueles da maioria, talvez, de meus leitores. Se, no futuro, perceber que seria mais proveitoso utilizá-las, poderei fazê-lo. Por enquanto, contudo, não tenho essa intenção.


Paz a todas e todos!

+Gibson