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sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Cristianismo e Senso Comum (2)

A Bíblia

"Tua palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho." (Salmos 119:105)

O que é a Bíblia? Qual o seu uso apropriado? Qual sua autoridade para nós, e por quê? Como podemos abordá-la fielmente?

Para começar com algumas declarações com as quais todos concordariam: a Bíblia é uma coleção de dezenas de livros, escritos por muitos autores diferentes em um período de mais de mil anos. Esta coleção de livros passou por um longo, e muitas vezes complexo, processo de seleção (e em muitos casos, edição) antes que chegasse à sua forma presente. Ela contém uma variedade de materiais, incluindo algumas das tradições, histórias, costumes, leis, narrativas, ensinamentos, salmos, e profetas de um pequeno povo do Oriente Médio chamado de Hebreus ou Judeus. Também inclui alguns dos primeiros escritos dos seguidores de Jesus de Nazaré. Estes incluem narrativas de seu ministério e ensinos, reflexões a respeito de quem ele foi, e reflexões a respeito das crenças e práticas apropriadas para seus seguidores.

Esta coleção de escritos também serve como base para a religião cristã.


Fonte de Nossas Verdades Religiosas


Este é nosso ponto de partida: a Bíblia como fonte de nossas verdades religiosas. Isto não é o mesmo que dizer que seja a única fonte, mas os cristãos sempre reconheceram a autoridade da Bíblia para nossas crenças e práticas religiosas, mesmo que possamos nem sempre agir de acordo com ela. Buscamos na Bíblia discernimentos a respeito da natureza de Deus, da natureza de nossa relação com Deus e com o mundo e de uns com os outros, e do tipo de vida que seja apropriada para com estes. Procuramos nela valores e atitudes básicas. Estas são todas as preocupações próprias da religião.

Mas se buscamos na Bíblia verdades religiosas como essas, não significa que também busquemos nela respostas válidas no campo das ciências físicas, ou medicina, ou astronomia, ou geografia. Não buscamos nela respostas a respeito de reparos domésticos, ou tecnologia moderna, ou teoria econômica, ou das leis do Estado de Nova Iorque. E enquanto ela possa ser de ajuda a pessoas estudando história, ou arqueologia, ou sociologia, com respeito a um certo período em uma pequena região do Oriente Médio, ela é muito dificilmente o lugar onde procuraríamos um resumo do conhecimento atual nestas áreas.

Afirmamos que a Bíblia seja a fonte de nossas crenças religiosas. Não precisamos afirmar que ela tenha autoridade em todos os ramos do conhecimento humano.

Mas também a chamamos de a “Palavra de Deus”. O que isto significa? Não significa que a Bíblia deva ser perfeita? Não deve ela, então, estar livre de erros e ser infalível nos temas dos quais ela trata?

Ao chamar a Bíblia de Palavra de Deus, queremos dizer que Deus a escreveu com pena e tinta? Claro que não. Por “Palavra de Deus” nos referimos a verdades a respeito de Deus e de Deus que foram compreendidas e registradas pelos autores bíblicos.

Mas algumas pessoas querem dizer algo bem diferentes disto quando falam em “Palavra de Deus”. Há, na verdade, várias maneiras de delinear o que constitui a Palavra de Deus, e por que. Todas têm um lugar na tradição da Igreja, e todas podem apontar uma base na própria Escritura. Mas nem todas são adequadas para lidar com a diversidade mais ampla da Bíblia, e nem todas se encaixam com o nosso senso comum. Uma idéia tradicional que é muito popular hoje, e com a qual devemos lidar antes de prosseguirmos, é o literalismo ou inerrância bíblica.


Literalismo Bíblico (Inerrância)


O literalismo bíblico afirma que toda a Bíblia é a Palavra de Deus porque ela é divinamente inspirada. Cada escritor de cada livro na Bíblia foi divinamente inspirado e guiado no que ele escreveu, então todas as declarações a respeito de todo assunto em toda a Bíblia é literalmente verdade, sem erro.

Há quatro problemas sérios com o literalismo bíblico: (1) ele nega a centralidade de Cristo; (2) ele exige um conceito de inspiração divina que nega a humanidade do autor; (3) ele requer que acreditemos que a Bíblia não queira dizer o que diz; e (4) ele está em oposição à fé em Deus. Certamente os literalistas bíblicos não intencionam tudo isso. Mas é para aí que sua devoção mal-direcionada e seus esforços mal-orientados com segurança os leva.


1. Literalismo Bíblico versus A Centralidade de Cristo

O literalismo bíblico nega a centralidade de Jesus, o Cristo. Se somos cristãos, então certamente isso significa que a vida e os ensinos de Jesus, o Cristo, dêem-nos a compreensão mais verdadeira a respeito de Deus, e que esta compreensão seja o ponto de referência contra o qual medimos outras interpretações. Mas se tudo na Bíblia for verdade divinamente inspirada, então tudo é igualmente verdade. Declarações no Antigo Testamento a respeito de Deus ou sobre como tratarmos nosso próximo seriam tão verdadeiras e impositivas quanto aquelas nos Evangelhos.

Para tomar apenas um exemplo, devemos então estar dispostos a dizer que Deus realmente mandou Josué matar todos os homens, mulheres e crianças nas cidades de Jericó e Ai (Josué 6-8). É este o mesmo Deus pregado por Jesus, que nos deu o mandamento de amarmos nossos inimigos? Mesmo que se acredite que Deus falou com Josué, como poderia um cristão acreditar que Deus ordenaria uma carnificina indiscriminada? Não devemos dizer, pelo menos, que Josué ouviu erroneamente, que ele tenha tomado erroneamente o costume cultural de “guerra santa” como mandamento divino? Mas o literalista bíblico não pode fazer isso, e tem que insistir que as palavras de Josué e Elias, Eclesiastes e Jó, são tão verdadeiras quanto qualquer coisa que Jesus tenha dito, e portanto, presumivelmente tão importante quanto. Isso nega a centralidade de Cristo e remove a possibilidade de ele ser nosso ponto de referência.

Muitas pessoas lidam com este problema com a idéia de “revelação progressiva”. Esta é a crença de que nós temos na Bíblia uma revelação de Deus – por Deus – que se torna gradualmente mais completa. Assim, os livros mais antigos da Bíblia refletem a revelação menos completa e menos exata de Deus, com uma progressão para uma revelação muito mais completa nos grandes profetas, e culminando na revelação final e completa em Jesus Cristo.

Em geral, não parece haver um avanço na compreensão de Deus com o progredir da Bíblia. Mas isto não é uniforme; eu estaria mais propenso a tomar Provérbios ou Eclesiastes que Isaías. E mesmo que haja, de forma geral, uma compreensão melhorada a respeito de Deus, dizer que isto seja por causa de uma revelação divina progressiva e não por causa de nossa própria melhor compreensão com o passar dos anos é o mesmo que dizer que nossa ignorância prévia seja culpa de Deus por não nos revelar logo, parece muito pouco necessário por a culpa da ignorância humana na reserva divina, ou imaginar Deus racionando cuidadosamente crescentes doses de auto-revelação.

De qualquer maneira, “revelação progressiva” também significaria que compreensões mais antigas a respeito de Deus eram inadequadas até certo ponto. Isto nos deixa precisando de critérios pelos quais decidir o que no Antigo Testamento é realmente Palavra de Deus. Enquanto eu penso que isso seja apropriado e necessário, seria uma opção muito improvável para o literalista bíblico, para quem todas as partes da Bíblia são igualmente verdadeiras.


2. Literalismo Bíblico versus A Humanidade dos Autores

O Literalismo bíblico requer uma compreensão de inspiração divina que nega a humanidade dos autores e desafia o senso comum.

As pessoas que escreveram os diferentes livros da Bíblia eram seres humanos. Eles tinham preconceitos, eles compartilhavam da maioria das opiniões de seu lugar e tempo particulares, e eles cometeram erros. Ainda assim, pedem-nos que acreditemos que quando eles escreveram a respeito da captura de Ai ou da vida de Jesus eles repentinamente deixaram de ser afetados por aqueles preconceitos e pressuposições. Como é que uma pessoa que é tão humana quanto você ou eu poderia repentinamente se tornar livre de erros, quando escrevendo um livro que seria mais tarde incluído na Bíblia? (Lembre-se que esses livros não foram reconhecidos como Escritura até uma data posterior.)

A única forma que isso poderia ocorrer seria se algum poder infalível tomasse esses escritores, suprimisse sua humanidade, e os usasse como instrumentos de escrita da mesma forma como você e eu usamos uma caneta. Não posso ver como essa idéia de usar as pessoas pode se encaixar com a visão cristã de Deus. Nem se encaixa com nosso senso comum.

Ademais, parte da grande atração da Bíblia está precisamente na diversidade humana que ela exibe. Alguém precisa apenas abordá-la com uma mente aberta para ver que seus autores não eram meros robôs, mas seres humanos com seus próprios discernimentos, virtudes, costumes, fé, e – como todas as pessoas – suas próprias concepções errôneas e enganos. O valor, sabedoria e charme da Bíblia está em ver seu povo e seus autores lutando com sua fé, da mesma forma como você e eu fazemos. Dizer que o que essas pessoas escreveram é perfeito como está é removê-los dessa luta que compartilhamos como humanos.

É possível, claro, entender inspiração divina de forma tal que não nos torne robôs. Mas tal compreensão não pode servir de base para a inerrância bíblica.


3. Literalismo Bíblico versus A Bíblia

O literalismo bíblico requer que acreditemos que a Bíblia não queira dizer o que ela diz. Essa não apenas não é uma abordagem fiel, mas também significa que o literalismo bíblico nega a verdade literal da Bíblia que ela pretende defender.

Vejamos um exemplo disso: A primeira de muitas contradições na Bíblia está logo no começo, nos dois primeiros capítulos de Gênesis. Gênesis 1 conta-nos que as pessoas foram criadas por Deus depois de todas as plantas e de todos os outros animais. Gênesis 2 conta-nos que Adão foi criado antes de todas as plantas e animais. O que fazemos com isso?

Pessoalmente, eu não estou nem um pouco perturbado com isso. O tempo e o lugar da origem da espécie humana não é uma questão religiosa. Não é uma questão para a qual eu busque resposta na Bíblia. É uma questão para a ciência, para ser respondida por paleo-antropólogos, se e quando eles forem capazes de ter informações suficientes.

O que fazemos com essa diferença nas duas narrativas da criação é, primeiro, reconhecê-la, e segundo, explicamos que as duas estão lá porque cada uma foi parte de uma das duas ou três tradições sacras unidas por um editor para formar o livro de Gênesis. Cada uma delas era tradição sacra; nenhuma podia ser descartada. Ademais, cada uma faz declarações religiosas importantes – e diferentes. Esses são os aspectos das narrativas que têm autoridade para nós. O capítulo 1 conta-nos a respeito da bondade da criação (o mundo nem deve ser evitado, nem adorado) e de nossa relação com Deus. O capítulo 2 conta-nos a respeito de nossa necessidade mútua, a respeito de nossa mordomia para com a Terra, e que o conhecimento do bem e do mal é o que nos separa de outros animais e o que nos torna humanos.

Então, as contradições quanto à ordem da criação em Gênesis 1 e 2 não afetam os pontos religiosos. Mas o literalista bíblico não pode admitir essa contradição. Ele ou ela tem de insistir que as duas declarações – a de que as pessoas foram criadas depois de todas as plantas e animais, e a de que foram criadas antes – sejam verdadeiras. Isso, claro, é manifestamente impossível.

O literalista bíblico está, entretanto, disposto a admitir que haja aparentes contradições na Bíblia. Em muitos casos a contradição é, de fato, apenas aparente, e um estudo mais atencioso do contexto e sentido mostrará que esse é o caso. Mas em muitos outros casos não é tão facilmente resolvida. Destemido, o literalista assume o desafio de mostrar que que opostos podem concordar. Isso é feito recorrendo-se ao argumento da “compreensão mais elevada”, que funciona como segue: "Se você pensa que essas duas passagens se contradizem, então você não as entende realmente. Em nossa compreensão humana limitada elas parecem se contradizer. Mas na verdadeira compreensão, uma “compreensão mais elevada” que a nossa, que nossas mentes limitadas podem nunca alcançar, não há contradições nas Escrituras”.

Eu prontamente admito que minha própria compreensão não é perfeita. Entretanto, minha compreensão limitada é suficiente para saber que “depois” é o oposto de “antes”. Dizer que “depois das plantas” não seja o oposto de “antes das plantas” é dizer que “antes” e “depois” não signifiquem “antes” e “depois”. Dizer que a narrativa da criação na qual os humanos foram criados por último não contradiga a narrativa na qual Adão é criado antes das plantas e dos animais, é dizer que a Bíblia não quer dizer o que diz. Isso, claro, é negar que ela seja literalmente verdadeira. Assim, para defenderem sua visão, os “literalistas” têm na verdade que negar a verdade literal da Bíblia!

Confrontados com inegáveis contradições se tomarmos as palavras da Bíblia em seu sentido normal, muitos defensores do literalismo bíblico escolhem defender a inerrância da Bíblia abandonando seu sentido literal. Essa é uma forma abstrata de inerrância que mantém que a Bíblia seja verdadeira, não que ela diga o que ela diz, e faz uso desenfreado do argumento da “compreensão mais elevada”. No caso de aparentes contradições e erros, nos é garantido que a verdadeira interpretação dessas passagens, a “compreensão mais elevada”, os eliminará.

Há vários problemas com isso. O primeiro, como já notamos, é que isso envolve negar o sentido literal dessas passagens. Se duas passagens aparentemente contraditórias são verdadeiras na compreensão mais elevada, isso significa que pelo menos uma delas não queira dizer o que diz, o que significa que seja verdade (na “compreensão mais elevada”) precisamente porque é falsa (no sentido literal).

O segundo problema é que em muitos casos temos que admitir que nossas mentes limitadas não podem descobrir a “compreensão mais elevada” que resolve as contradições. Isso significa que estamos defendendo a verdade da Bíblia ao custo de ala não fazer nenhum sentido. Mas se não sabemos o que ela queira dizer, por que importaria se é verdadeira? Você sabe o que “xbvlg” significa? Faz então algum sentido estar preocupado a respeito de sua verdade? E não é aí que estamos se “antes” não for o oposto de “depois”?

O terceiro problema é que essa “compreensão mais elevada” dá às pessoas rédeas livres para reinterpretarem a Bíblia a fim de que ela signifique o que eles quiserem, contanto que possam argumentar que essa seja a verdadeira e “mais elevada” compreensão. Isso é precisamente usar a Bíblia para se encaixar às nossas próprias noções, retorcê-la para justificar nossas próprias idéias preconcebidas em vez de estarmos abertos à mensagem que ela traz. E é ainda uma outra forma de que essa defesa da “verdade” da Bíblia seja possível apenas sacrificando a integridade de seu sentido.

Muitas pessoas que se voltam para o literalismo/inerrância, reconhecem que esses problemas existem. Afinal, como se pode defender a Bíblia, insistindo que ela não diga o que diz? Algumas dessas pessoas evitam isso, postulando que a versão original de cada livro era divinamente inspirada e era literalmente verdadeira e inerrante. Quaisquer erros ou contradições se devem aos erros dos editores e escribas que transmitiram esse material.

Entretanto, cada versículo na Bíblia passou por muitos escribas, e em alguns casos editores, antes mesmo que nossas mais antigas cópias existentes fossem feitas. Portanto, é deixado para nós decidirmos sobre cada passagem em sua forma presente como se a inspiração divina não tivesse sido reivindicada. Isso nos faz perguntar por que alguém reivindicaria inspiração divina para uma versão original “imaculada” que eles admitem não existir mais.


4. Literalismo Bíblico versus Fé em Deus

Na análise final, o literalismo bíblico fica em oposição à fé em Deus e à adoração de Deus, pois substitui estas com a idolatria da Bíblia.

A verdadeira razão pela qual tantas pessoas insistem na infalibilidade divinamente inspirada da Bíblia é muito compreensível e muito humana: eles estão tentando preencher sua necessidade de segurança. Se você tem um livro perfeito em suas mãos ou ao lado de sua cama, isso certamente deve aliviar um pouco da ansiedade de lidar com este nosso mundo imperfeito e frequentemente confuso. Algumas pessoas adicionam a isso o conforto de ter todas as respostas logo ali naquele livro, o que faz-lhes evitar o desconforto agudo de terem de pensar sozinhas ou tomar suas próprias decisões morais. É muito mais seguro ter Deus em um livro perfeito do que ter de buscar Deus nas áreas sombrias e nas incertezas do mundo! Mas não é este nosso antigo desejo de possuir Deus, de capturar Deus em algum tipo de gaiola humana (ou estátua, ou livro) para garantir nossa segurança?

O literalista bíblico afirmará que ele ou ela confia em Deus mais do que eu. Na realidade o oposto é a verdade, pois eles estão dispostos a confiar em Deus apenas se esses milhões de palavras escritas num período de séculos de dois a três milênios atrás forem todas literalmente verdade, enquanto que minha fé em Deus não depende disso.

Seu argumento segue assim: “A Bíblia é a Palavra de Deus. Se Deus é confiável, então a Palavra de Deus deve estar livre de erros. A Bíblia, então, constitui o único guia perfeito em um mundo de incerteza e imperfeição. Por outro lado, se a Palavra de Deus não for confiável, não apenas não há guia certo neste mundo, mas também Deus não é confiável, e assim não é merecedor de nossa fé”.

Mas o que eles realmente estão dizendo é isso: “Declaro ser a Bíblia a Palavra de Deus, e com isso quero dizer que a Bíblia é literalmente verdadeira e sem erros. E se eu estiver errado, então não posso confiar em Deus”.

Claro, isto não faz nenhum sentido. Se fizermos uma afirmação particular a respeito da Bíblia, e estivermos errados, isto levanta dúvidas a respeito de nosso conhecimento, ou nossa confiabilidade neste campo. Nosso erro de forma alguma afeta a confiabilidade de Deus. Mas muito frequentemente insistimos em crer no que queremos a respeito de Deus, e tratamos qualquer ameaça a nosso sistema de crença como um desafio a Deus.

Na verdade, frequentemente precisamos ter nossas próprias crenças desafiadas precisamente para abrirmos nossas mentes e corações à real grandeza de Deus. Então, um desafio às nossas crenças pode ser um apoio a Deus, e não um ataque a Deus. Esta é uma possibilidade que devemos manter em mente se não quisermos nos tornar intolerantes, farisaicos, e fechados à possibilidade de crescimento em nossa compreensão.

Ainda assim, podemos com certeza compreender o anseio que motiva o literalista, o anseio por segurança e por um guia certo. Quem entre nós nunca sentiu esta profunda necessidade de algo eterno e imutável ao qual se segurar? Quem nunca desejou a resposta perfeita e indubitável?

Este anseio não é facilmente satisfeito, e perde seu verdadeiro objetivo se se baseia em qualquer coisa além de Deus. Se basear em qualquer outra coisa é falhar. Atribuir perfeição ou veracidade eterna a qualquer coisa neste universo finito, muito menos coisas feitas por humanos ou possuídas por humanos, é insensatez. Ademais, clamar este tipo de perfeição ou infalibilidade para algo é adorá-lo, é clamar divindade para ele. E adorar qualquer coisa além do único Deus é idolatria. Não importa quão grande seja nossa necessidade por este tipo de segurança, Deus é muito grande para ser possuído por nós.

Afirmar que a Bíblia seja perfeita e infalível é substituir Deus por ela, é se envolver em idolatria, e fechar-nos à verdadeira fé em Deus. Nosso chamado é buscar Deus, usando a Bíblia como um guia. Nosso chamado não é buscar a Bíblia ou adorar a Bíblia. Devemos buscar Deus nos mares abertos da vida diária, com todas as suas incertezas e confusão e áreas sombrias, confiantes de que a grandeza de Deus esteja presente em todas as situações da vida.


A Alternativa Fiel

Qual é a alternativa ao literalismo bíblico como uma maneira de abordar a Bíblia? Uma alternativa, claro, é ir para o extremo oposto e rejeitar o livro inteiro como indigno de nossa atenção. Para aqueles que preferem escolhas preto-e-brancas, é certamente mais fácil ou aceitar inquestionavelmente ou rejeitar a Bíblia completamente. Mas a área de abordagem razoável para pessoas pensativas e investigadoras está entre estes dois extremos.

Na verdade, a abordagem mais fiel à Bíblia é também nos atrelarmos ao nosso senso comum. É mais fiel, e mais honesto e mais provável de resultar em compreensão própria para aceitar a Bíblia pelo que ela é, em vez de reivindicar em favor dela aquilo que queremos.

O que então é a Bíblia? Uma resposta do senso comum seria que é uma coleção de livros escritos por pessoas que, como nós, eram pessoas de seu tempo, e que como nós eram capazes de compreensões errôneas e enganos além de grandes discernimentos. E eles estavam, como nós, lutando com o sentido de sua fé e com sua compreensão de Deus em meio a triunfos e derrotas, alegria e desespero, estabilidade e caos. Descobrimos que nossa própria fé é informada e inspirada por suas lutas e fidelidade. E já que uma de nossas intenções em abordar os ricos e diversos recursos desse livro é entendê-lo melhor, então desejaremos saber como esses escritos surgiram, e o que os autores originalmente queriam dizer, e como foram afetados pelas crenças e eventos de seus tempos. Para fazer isto, receberemos todas as ferramentas que estão disponíveis para nós para iluminar a Bíblia: estudos de arqueologia, história e costumes antigos, e outras religiões do Oriente Médio, assim como os vários tipos de “criticismos” bíblicos que podem nos informar sobre o passado, desenvolvimento, e sentido do próprio texto.

Isto ainda deixa a questão de autoridade bíblica sem resposta. Para os cristãos, a resposta a isto depende do papel e autoridade que atribuímos a Jesus de Nazaré. Na realidade, a questão básica não é a respeito da autoridade da Bíblia mas a respeito da autoridade de Jesus Cristo.

Então, a tarefa é desenvolver uma interpretação da centralidade de Jesus que esteja de acordo com nosso senso comum. Antes de fazermos isso, devemos primeiro considerar como Deus age ou não, e o que isso significa para os milagres e outras formas de intervenção divina. Então examinaremos as formulações tradicionais da centralidade de Jesus que estão enraizadas em um senso comum diferente. Somente então, tentaremos uma reconstrução apropriada tanto de nossa fé como de nossa razão que nos dará uma forma de explicar a centralidade de Jesus.

Neste ponto, nos voltamos à questão de um Deus que “estala os dedos” - Deus intervém no mundo em ocasiões específicas?



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