Hoje eu concluo uma série de quatro sermões a respeito da oração a um Deus além do teísmo sobrenatural. Estes sermões falam a respeito de novas compreensões a respeito de Deus e da oração que tenho desenvolvido nos últimos anos. A teologia tradicional não funciona mais para mim, e estas novas noções radicais têm salvo e enriquecido minha própria fé.
No primeiro sermão, eu indiquei que não concebo Deus em termos teísticos como um ser supremo e sobrenatural, todo-poderoso e onisciente. Em vez disso, creio em um Deus além do teísmo – Deus como a Força de Vida dentro de nós, Deus como a Base de Todo Ser, Deus como a Energia Criativa de Vida, Deus como a Eterna Presença de Amor. Huston Smith, um estudioso das religiões mundiais, diz que para ele, “Deus é o Bem, a Verdade, o Belo”. É isto que quero dizer com a Eterna Presença de Amor.
Um Deus além do teísmo pode parecer uma heresia nas religiões ocidentais do Islã, Judaísmo e Cristianismo. Mas o autor Paul Laughlin diz que a noção de uma Base de Todo Ser é o que os hindus querem dizer com a palavra Brahman, e o que os budistas querem dizer com a palavra Shunyata, e os taoístas com a palavra Tao. Ele disse: “Diferentemente do Deus do Ocidente, que é um Ser Supremo pessoal e transcendente, a Realidade Última do Oriente é uma Presença Mais Profunda, misteriosa e imanente, muito mais o Próprio Ser do que um ser”.
Agora obviamente se eu não vejo Deus como um ser “lá em cima” ou em qualquer outro lugar, então a oração não pode ser uma comunicação com Deus, buscando sua intervenção na vida humana. Então, no segundo sermão, eu redefini a oração, usando palavras do Bispo John Shelby Spong, como “a maneira como vivo, amo, luto e ouso ser”. Spong diz: “Se a oração é o ato de me comprometer com Deus, e se Deus é a fonte da vida, então minha oração se tornou o momento de me comprometer com a vida”.
Não nos afastamos da vida para orar; a oração é a maneira como vivemos nossas vidas. Spong diz que oramos enquanto funcionamos como agentes de vida, de amor e do existir uns com os outros.
Assim, no terceiro sermão desta série, semana passada, eu disse que o que geralmente consideramos ser oração – os momentos de silêncio, meditação, contemplação – não são orações mas atos de preparação para a oração. Essas práticas espirituais nos equipam para orarmos em termos de viver, amar, lutar e ousar ser. Para ilustrar essa preparação, tentei, semana passada, transformar e renovar alguns aspectos tradicionais da oração cristã: a ação de graças, a confissão e a intercessão.
Hoje, neste último sermão, quero me concentrar nas práticas espirituais de outras religiões que, como preparação para a oração, podem enriquecer as orações daqueles entre nós que tentam seguir o Jesus da história.
Huston Smith disse a seu próprio respeito: “Meu relacionamento com Deus quando com vinte e poucos anos se dava em um modo pietista protestante. Eu continuo a honrar esse modo. Mas, além dele, a doutrina hindu dos quatro yogas me libertaram para ver que havia outros canais pelos quais as energias espirituais fluem”. Concordando com ele, eu diria que podemos usar as práticas espirituais de outras religiões, aqueles outros canais, para enriquecer nossa própria fé.
Quero observar dois exemplos disso hoje. John Kabat-Zinn, um respeitado mestre de redução de estresse, diz: “O cultivo sistemático da atenção tem sido chamado de o âmago da meditação budista”.
O que é a atenção? É manter a consciência viva para as realidades presentes. É estar totalmente no tempo presente – não permitindo que o presente desapareça enquanto permitimos que nossa concentração deslise no passado ou no futuro. Nas palavras de Kabat-Zinn: “A atenção é uma forma particular de olhar para dentro de si mesmo no espírito de auto-entendimento”. Eu penso que a atenção pode ser uma preparação para a oração em qualquer religião.
A atenção é mais do que apenas meditação, mas é experienciada através da meditação. Paul Laughlin diz: “A meditação no Oriente não é 'pensar a respeito de coisas', mas limpar a mente e os sentidos para uma experiência de profunda interioridade e identidade”. As formas de preparação das quais falei semana passada – a intercessão, a confissão e a gratidão – clamam por momentos repletos de contento e pensamento, “pensar a respeito de coisas”. A meditação é um caminho totalmente diferente, um esvaziamento. Pode funcionar para alguns e não para outros. Somos todos diferentes, e precisamos de diferentes formas para nos prepararmos para a oração.
O monge budista Thich Nhat Hahn vê a atenção como um ensino central do Buda. Ouçam o nosso texto de hoje, tirado de uma das sutras do Buda a respeito dos monges:
“Faça o que fizer o monge, ele mantém no olho de sua mente todo aspecto de sua ação. Ele considera o propósito imediato da ação. Ele reflete a respeito de seu sentido ético. Ele pergunta se aquilo o levará à sua meta espiritual. E ele pondera a respeito da mais profunda natureza da própria ação. Ele faz tudo isso quando sai, e quando retorna; quando estende seu braço, e quando os abaixa; quando come e bebe; quando urina e defeca; quando se ergue e quando se senta; quando está dormindo, e quando está acordado; quando está falando, e quando está em silêncio. Ele está constantemente consciente do sentido de tudo que faz.”
Isso é atenção. Quando Nhat Hahn era um monge noviço, ele e outro noviço cozinhavam e lavavam a louça para mais de 100 monges. Lavar a louça era um trabalho duro. Sem sabão, eles usavam cinzas e cascas de coco. No inverno, a água era muito gelada.
Ele escreveu: “Enquanto lavava a louça, a pessoa só podia estar lavando a louça, o que significa que deveria estar completamente consciente do fato de estar lavando a louça... Lá, de pé, lavar tigelas é uma realidade maravilhosa. Estou sendo completamente eu mesmo, seguindo minha respiração, consciente de minha presença, e consciente de meus pensamentos e ações”.
Isso parece muito simples, mas não é. Atenção significa viver no momento presente. Nhat Hahn disse: “Quando caminha, o praticante deve estar consciente da caminhada. Quando se senta, o praticante deve estar consciente de que se senta. Quando se deita, o praticante deve estar consciente de que se deita. Praticando isso, o praticante vive em direta e constante atenção do corpo”. A atenção se estende até mais além disso. Devemos estar consciente de cada inspiração, de cada movimento, cada pensamento e sentimento.
Ele escreveu: “Gosto de caminhar sozinho no campo, ricas plantas e grama selvagem à beira do caminho, colocando cada pé no chão com atenção, sabendo que caminho nesta terra maravilhosa. Em tais momentos, a existência é uma realidade miraculosa e misteriosa. As pessoas geralmente consideram caminhar sobre a água ou no ar um milagre. Mas o verdadeiro milagre é caminhar na terra. Todos os dias estamos envolvidos num milagre que nem mesmo reconhecemos: um céu azul, nuvens brancas, folhas verdes, os olhos curiosos de uma criança. Tudo isso é um milagre”.
Essa é a essência da atenção. John Kabat-Zinn freqüentemente usa um exercício particular de atenção. Ele dá três passas às pessoas. Elas as comem uma de cada vez, prestando atenção ao que estão fazendo e experienciando.
Ele diz: “Primeiro levamos nossa atenção a ver a passa, observando-a como se nunca tivéssemos visto uma antes. Sentimos sua textura entre nossos dedos e percebemos suas cores e superfícies. Também estamos conscientes de quaisquer pensamentos que possamos ter a respeito de passas, percebendo os sentimentos de gosto ou desgosto de passas. Então cheiramos a passa e finalmente, com consciência, a levamos à nossos lábios, conscientes do braço que move a mão para posicioná-la corretamente, e da salivação, enquanto a mente e o corpo antecipam o ato de comer...
“O processo continua quando a colocamos em nossa boca e a mastigamos lentamente, experimentando o verdadeiro sabor da passa. Quando nos sentimos prontos para engolir, observamos o impulso de engolir quando este surge, então até mesmo este é experimentado conscientemente”.
Kabat-Zinn diz: “Quando você começa a prestar atenção desta forma, sua relação com as coisas muda. Você vê mais, e você vê mais profundamente. Você pode enxergar uma ligação entre as coisas que não era aparente antes. E ao prestar atenção, você literalmente se torna mais desperto. Quando você come atenciosamente, você está em contato com sua comida, pois sua mente não está distraída. Não é pensar em outras coisas. É atentar ao ato de comer”.
Ele disse: “Praticamos a atenção quando nos lembramos de estar presentes em todas as nossos momentos dispertos. Podemos praticar quando levamos o lixo para fora atenciosamente, comendo atenciosamente, dirigindo atenciosamente. Podemos praticar quando navegamos os altos e baixos que encontramos, tempestades da mente e tempestades do corpo, tempestades da vida exterior e tempestades da vida interior. Aprendemos a ser conscientes de nossos medos e dores, e ao mesmo tempo, estabilizados e capacitados por uma ligação a algo mais profundo dentro de nós mesmos”.
Então a atenção diz respeito a possuir cada momento de nossas experiências. É uma forma inacreditavelmente poderosa de nos prepararmos para a oração; para viver, amar, lutar e ousar ser. Esta prática espiritual, nascida em outra religião, pode ser um grande presente para aqueles que querem seguir Jesus.
Deixem-me agora visitar uma outra religião. O Rabino Harold Kushner diz: “Os judeus oram diferentemente do cristãos”. O que ele chama de oração, eu chamo de preparação para a oração. Pode um senso judaico de preparação para a oração ajudar os cristãos? Claro que sim!
Kushner disse: “Se pensamos em oração, nossa imagem é ou uma família desesperada no hospital ou Dennis, o Pimentinha, de joelhos antes de dormir, instruindo Deus sobre quem ele quer que seja abençoado. Aprendemos a pensar em oração como uma forma de subornar Deus, de pleitear com Deus ou de educar Deus”.
Ele diz: “Nos tempos bíblicos, os judeus adoravam Deus com sacrifícios de animais. Este costume refletia o senso de que, para uma pessoa levar a adoração à sério, tinha de custar algo. Como a emoção religiosa fundamental não era a súplica mas a gratidão, a oração não era a respeito de algo que queríamos mas não tínhamos. Ela era a respeito do que tínhamos recebido sem merecermos”.
Ele disse: “Suspeito que a oração no judaísmo, apesar de usar palavras, seja um fenômeno do lado direito do cérebro. Seu propósito é mais emocional que racional. Perguntar: 'Qual o sentido da oração?' é tão irrelevante quanto perguntar: 'Qual o sentido do pôr do sol?' ou 'Qual o sentido de uma flor?'... As palavras funcionam como um tipo de mantra, dando ao nosso lado racional algo para mantê-lo ocupado para que nosso lado não-racional possa decolar e voar... Não é falar com Deus, é muito mais usar palavras e música para virmos à presença de Deus na esperança de que seremos transformados fazendo isso”.
Kathleen Norris, fala a respeito de suas orações cristãs e diz que ela está “deixando palavras arar a terra de seu coração”. Isso é semelhante à noção de Kushner das palavras na oração judaica.
As orações judaicas são freqüentemente lidas em hebraico diretamente de um siddur – o livro de orações. Isso é radicalmente diferente das orações pessoais espontâneas dos cristãos e da prática budista da atenção. As três formas oferecem diferentes caminhos à presença da Base de Todo Ser. Essas três formas podem preparar as pessoas para orarem enquanto vivem, amam, lutam e ousam ser.
Kushner diz que no judaísmo, aquilo que chamo de preparação para a oração, melhor ocorre em comunidade: “Orar com uma congregação nos oferece a mensagem de que não estamos sozinhos em nossas esperanças, nossos temores e nossas aspirações”.
E finalmente Kushner diz: “No judaísmo, uma oração é 'respondida' não quando conseguimos aquilo que estávamos pedindo, mas quando recebemos o senso da proximidade de Deus”.
Então, a atenção nos ajuda a nos comunicarmos com quem somos, vivendo plenamente cada momento no presente, unidos à Força de Vida. E a oração judaica se centra na busca da presença ou proximidade daquela Força de Vida.
As formas cristãs mais tradicionais de preparação para a oração da semana passada e as forma budista e judaica desta semana oferecem significativas formas de nos abrirmos à presença de Deus como o mistério de vida, o mistério de amor e o mistério do próprio ser. Elas nos preparam e capacitam para orarmos enquanto vivemos, amamos, lutamos e ousamos ser.
Esta semana li com muita tristeza a respeito das recentemente publicadas cartas que revelam a crise de fé de Madre Teresa de Calcutá. As cartas indicam dúvidas em sua vida espiritual que os dogmas e catecismo não respondiam. Ela foi criada para crer que havia apenas uma forma de espiritualidade significativa e isso não funcionava para ela. Ela “invejava” as experiências religiosas de outros a seu redor.
Essa era uma mulher cuja vida era uma oração contínua. É triste que ela tenha sido indoutrinada para pensar que a dúvida era inimiga da fé e não uma parte vital da fé. É triste que ela não tenha sentido que não havia problema em buscar em outras tradições religiosas práticas espirituais que poderiam ter funcionado mais efetivamente para ela do que aquelas de sua própria tradição. É triste que ela não tenha sido relembrada de que Jesus falou mais a respeito de comportamento do que de crença; do que fazemos com nossas vidas do que das crenças que afirmamos.
Se ela tivesse sido livre para explorar as possibilidades de um Deus além do teísmo sobrenatural, de Deus como a Base de Todo Ser em vez de um ser sobrenatural particular, ela poderia ter vencido aquela crise de fé. É triste que ela não possa ter visto seus atos de compaixão com os feridos e pobres sofridos da Índia não apenas como orações, mas como experiências diretas de Deus, a Presença Eterna de Amor.
Minha intensão nesta série de sermões não foi ganhá-los para minha teologia, mas estimulá-los, enquanto vocês fazem suas próprias jornadas de fé, a definirem quem Deus é para vocês e o que a oração significa para vocês.
Espero que possam se sentir livres para aprenderem da sabedoria e práticas de seus vizinhos de outras religiões. Há uma Realidade Última, mas para uma diversidade de pessoas, há muitos caminhos variados e ricos que nos ligam àquela Força de Vida e nos ajudam a descobrir o sentido da vida e as possibilidades de realização. Amém.
Se concebermos um Deus não Pessoal, e sim como uma força, não estaremos passando a enteder Deus na forma Panteista.
ResponderExcluirUm abraço!(Fernando)-SP.
fer.
Bem, na verdade eu não concebo Deus em termos panteístas (ou seja, Deus como sendo todas as coisas). Em vez disso, concebo Deus em termos de PANENTEÍSMO - ou seja, o universo não é separado de Deus, nem é Deus, mas o universo está contido em Deus: “...pois nele vivemos, nos movemos e existimos...”, como disse o apóstolo Paulo - Atos 17:28
ResponderExcluirNós estamos em Deus; nós vivemos em Deus, nos movemos em Deus, existimos em Deus. Deus não está apenas aqui, como ele está mais do que aqui.
Deus ou Jesus virao julgar os vivos e mortos?Haverá segunda vinda de Jesus?Obrigado e boa tarde.Rodrigo Rochin
ResponderExcluirRodrigo,
ResponderExcluirRespondendo a sua pergunta de forma breve e direta: eu não compartilho a crença de que Jesus retornará à Terra no futuro para completar a sua obra de "salvação". Compreendo o retorno de Jesus em outros termos.
A religião cristã, em suas várias formas, tem enfatizado a esperança numa vida além do túmulo e a crença em uma lista de doutrinas. Para mim, entretanto, a ênfase reside na transformação nesta vida por meio de nosso relacionamento uns com os outros. Cada vez que faço aquelas coisas enumeradas nos ensinos atribuídos a Jesus de Nazaré - isso é, toda vez que amo o meu próximo e exibo esse amor em meus atos e palavras - ele ressurge no mundo, ele retorna à Terra. De forma bem simples, essa é uma das maneiras como enxergo essa esperança do retorno de Jesus.
Gibson